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Rocha Pombo

PERÍODO COLONIAL

1. Desde tempos imemoriais, a Europa começou a pressentir a existência de novos continentes. Parece que se deve dar o valor de tradição mais antiga relativa à América ao que nos deixa Platão no seu livro Timeu, o qual infelizmente chegou truncado aos nossos dias. Refere o filósofo grego que achando-se Sólon no Egito, teve ensejo de ouvir aos sacerdotes de Saís a narração de sucessos decorridos na imensa e rica ilha Atlântida, situada no Oceano Atlântico, a muitos dias do continente, para o Oeste. Os padres descreveram as estranhas terras, a população, o governo, os costumes dos habitantes, nas guerras de uns contra outros, etc., e acrescentaram que tais acontecimentos haviam se passado 9.000 anos antes da ida do legislador grego ao Egito.

2. A julgar pelo que nos ficou do escrito de Platão, portanto, é incontestável que os sábios do Egito tinham notícia da existência da América. Além do Timeu, o livro Crítias, ainda do divino filósofo, contém alguma coisa mais que confirma a antiguidade da tradição. Aristóteles igualmente faz referência positiva à grande ilha Atlântida ou Antilla, para o Ocidente da Hespéria, “muito além das colunas de Hércules” (Estreito de Gibraltar). Acrescenta que a referida ilha havia sido descoberta e povoada em segredo pelos Cartagineses. Esta nota, entretanto, poderia dar a entender que Aristóteles referia-se às ilhas Fortunadas (Canárias) a cerca de mil milhas de Gibraltar para o Sudoeste.

3. Mas Aristóteles não deixa lugar à dúvida quando, ao tratar da Índia, diz que é um país tão vasto que navegando-se sempre ao Ocidente, ir-se-á dar a ele. Na Eneida, cerca de três séculos mais tarde, Virgílio parece que dá uma vaga alusão à existência de um mundo desconhecido, quando põe na boca da sombra de Anquise o solene prognóstico dos destinos de Roma. Sêneca, o trágico, também repete, na mais notável de suas obras, a Medeia, a predição da descoberta futura de um novo continente.

4. No século XV essas tradições relativas à existência de extensas terras muito para o Ocidente do mundo antigo tomaram grande vulto, e as conjecturas e observações dos geógrafos e dos navegantes pareciam gravitar em torno de tal hipótese. Para isso, concorriam naturalmente os notáveis progressos feitos na arte da navegação marítima, na da construção naval, e sobretudo a invenção ou o conhecimento da bússola pelos europeus, permitindo que os navegantes afrontassem a vastidão do Oceano sem risco de se desorientarem.

5. Pode-se mesmo dizer que a existência de novos mundos era uma ideia que agitava o cérebro e o coração de toda aquela época. Além das tradições e dos pressentimentos mais ou menos vagos, indícios mais claros e precisos calavam mais fundo no espírito dos empreendedores mais apaixonados. Um parente do próprio Colombo, em viagem para as Canárias, havendo se afastado um pouco para o Ocidente, encontrara um pedaço de madeira esculpida, flutuando sobre as águas e tocada do Oeste.

6. Os habitantes dos Açores tinham também uma vez recolhido nas costas um tronco de árvores desarraigadas e ainda verdes, indicando, pela direção, de onde eram trazidas pelos ventos, que tinham vindo de terras ocidentais. Um indício ainda mais positivo foi o aparecimento nas praias, dos cadáveres de dois homens, cujos traços não se pareciam com os de africanos, nem com os de europeus.

7. Um fato que era muito para impressionar os espíritos que nutriam preocupações de longas viagens marítimas e de grandes descobrimentos foi a seguinte notícia, que muitos têm ainda hoje como pura lenda, mas cuja veracidade é confirmada pela opinião de muitos escritores: quando os portugueses chegaram pela primeira vez às Canárias, encontraram numa das ilhas uma estátua de bronze, ou de granito, com os braços estendidos para o Poente, como a indicar o caminho para o novo mundo.

8. Além de tudo isto, corriam muitas outras tradições e lendas que avultavam em torno do vasto pensamento que andava agitando naquela época a alma humana. Dir-se-ia que as grandes correntes de povos e raças que se fundiram na Europa medieval sentiam-se já apertadas naquela parte da terra, e ante a imensidão do Atlântico suspiravam de novo pela eterna Hespéria que lhes fugia.

9. O que é verdade, portanto, é que o alvorecer dos tempos modernos, isto é, a transição da Idade Média para a Nova, assinala-se na História Humana por uma espécie de comoção dos espíritos, correspondente aos alvoroços gerais com que se reerguiam as esperanças no destino e se renovavam as energias do homem para a fase extraordinária que se abria. No meio de todas as ansiedades que caracterizaram aquele período, percebia-se, mais e mais dominante do que todas as invenções e todas as conquistas científicas que se realizavam, a ideia grandiosa e edificante da existência de novos mundos.

                                               (Compêndio da História da América, 1900)

 

RECONHECIMENTO DA INDEPENDÊNCIA

1. Declarada a independência, o primeiro trabalho que se impunha era naturalmente o de estabelecer como entidade internacional o novo Estado.

Desde antes do grito do Ipiranga, tinha D. Pedro como seu agente em Londres o marechal Felisberto Caldeira Brant Pontes (depois Marquês de Barbacena). Ali (desde 1821) prestou este homem notável os maiores serviços, já dando para aqui avisos de tudo quanto podia interessar a nossa causa, já encarregando-se da negociação de empréstimos e da remessa de armamentos e tropas mercenárias. Por intermédio de Beresford, conseguiu entrar em relações com o gabinete inglês, e delas se aproveitava para impedir medidas de Portugal contra o Brasil.

Agora, cuida ele de alcançar a intercessão de Lord Canning, o grande ministro de Jorge IV. Durante todo o ano de 1822 não descansou Brant Pontes junto ao grande chanceler. Canning tinha de portar-se, em relação a Portugal, com muita reserva e prudência, e procurou afagar a aspiração dos brasileiros sem melindrar ao velho aliado e amigo da Inglaterra. Mostrou também o ministro a Brant Pontes como em relação ao Brasil só uma queixa tinha a Inglaterra: a de ver com tristeza a obstinação com que se continuava aqui a fazer o tráfico de escravos.

Foi-lhe ao encontro o nosso encarregado assegurando que o governo do Rio não era partidário desse nefando comércio.

Tão satisfeito com essa declaração ficou Canning que prometeu logo levar o negócio a conselho de ministros, pedindo ao marechal que fizesse um resumo de tudo por escrito.

2. Formulou Brant Pontes um conciso memorial, referindo quanto se passara desde a retirada de D. João, não se esquecendo de recordar que o próprio soberano português, além de haver nomeado D. Pedro Regente do reino americano, teve ainda a previdência de recomendar-lhe, no momento da despedida, que por nenhum caso desamparasse o Brasil, afim de que esta melhor parte da monarquia não fosse presa de algum aventureiro.

E explicava que D. Pedro cumprira fielmente as ordens de seu pai, e até as que lhe foram dadas pelas Cortes de Lisboa, às quais fez contudo sentir as consequências que teriam alguns de seus decretos.

As Cortes, porém, longe de atenderem às representações do Príncipe, prosseguiram na sua política de oprimir as populações do Brasil. Como é, portanto - perguntava - que o governo do Regente há de conservar-se em atitude passiva ante a prepotência das Cortes de Lisboa? Em desespero de causa - não se esquecia o nosso agente de dizer, para que fosse bem entendido - ver-se-ia mesmo D. Pedro “na necessidade de recorrer aos Estados Unidos da América, no caso em que se veja abandonado pelo melhor e mais antigo aliado da casa de Bragança”.

O memorial do Brant Pontes é de 14 de Novembro de 1822 (portanto mais de dois meses depois de proclamada a independência); e no entanto, é de um simples arranjo dos dois reinos que se trata ainda em Londres... É isso o que está no espírito de Canning, e a que o nosso representante não se mostrava estranho; pois o que se vê é que não se repudiou ainda aquele sistema, seguido desde 1821, de ir disfarçando o que se quer, sem dizer tudo logo e de uma vez, mas pouco a pouco, e por eufemismos que se vão aclarando à medida que se avança no caminho da vitória.

3. Mas a Lord Canning impressionou tão vivamente a exposição do nosso encarregado que este se persuadiu de que o reconhecimento do governo do Príncipe estava em vésperas de ser feito por S. M. Britânica.

O momento suspirado estava, porém, ainda longe. Primeiro, o gabinete de Londres faz questão de que se tome o compromisso de abolir o comércio de escravos. E quando Brant Pontes, alarmado com os preparativos que se fazem contra o Brasil em Lisboa, assume afoitamente o compromisso imposto, declara-lhe o ministro que o ato do reconhecimento depende agora de uma resposta que se espera do governo português.

A resposta que se espera é relativa à mediação que S. M. Britânica oferecia ao seu antigo aliado, debaixo do princípio de serem os dois reinos independentes, mas com um só soberano.

O próprio marechal Brant, que já sabia que no Brasil a independência era um fato consumado, tem de dizer ainda que a comunicação do governo inglês está “inteiramente conforme as vistas de S. A. Real o Príncipe Regente.”

Estava-se à espera dos despachos de Lisboa, quando rebenta em Londres (pelos fins de novembro) a notícia, desconcertante para o gabinete inglês, da aclamação de D. Pedro como Imperador do Brasil... Manda Canning chamar à sua secretaria o marechal Brant, e interpela-o com estranheza. Fingindo-se surpreendido também, procura o nosso encarregado explicar tudo como prova da situação em que se encontra no Brasil o espírito público, obstando a que o Príncipe faça o que quer, e induzindo-o a ceder para evitar males maiores, ante as medidas violentas que as Cortes se obstinam em decretar contra o reino americano.

4. Era afinal, na Europa, a Inglaterra a potência mais sinceramente interessada em amparar a nossa causa. Conquanto se reconheça que era esse para ela o meio mais simples de defender os interesses do seu comércio, nada seria menos justo do que negar à política liberal do governo inglês os maiores serviços prestados naquele momento, quer à emancipação dos povos americanos em geral, quer ao problema da escravatura - o que mais impressionava o espírito do tempo, e que o gabinete britânico soube habilmente ligar, até certo ponto, à sorte das novas nações que se constituíam.

Estando (pelo mês de fevereiro de 1823) a sair para a Índia o Conde de Amberst, nomeado para o governo daquela possessão, e devendo tocar, de passagem, no Rio de Janeiro, encarregou-o Canning de fazer sentir ao governo do novo império que ‘uma estreita união da Inglaterra com o Brasil” só dependia agora de saber-se em Londres alguma coisa de positivo quanto ao tráfico de escravos.

Em conferência com Lord Amberst, declarou-lhe José Bonifácio que não seria prudente fazer-se a abolição imediata do tráfico, mas que se comprometia a fazê-lo pouco a pouco até que cessasse dentro de dois ou três anos.

Antes, porém, que chegassem a Londres as comunicações de Lord Amberst, dão-se em Portugal os acontecimentos que restituíram a S. M. F. o exercício da autoridade absoluta; e o chanceler britânico aproveitou o ensejo de aconselhar ao velho aliado da Inglaterra a que se dispusesse, na situação em que se estava, a entrar em concerto com o Brasil.

De fato, com a mudança operada lá no reino renasceu na corte de D. João a esperança de conservar o Brasil unido à monarquia. Bastou, porém, o insucesso da missão Rio-Maior para que se desvanecesse tal esperança.

5. Teve de apelar para Londres o governo de Lisboa, mas fazendo ainda questão de conservar a soberania de S. M. F. no Brasil... O ministro Canning mostrou-se logo disposto a interceder de novo no caso, mas fez ver que essa insistência em exigir semelhante condição tornaria mais difícil a solução do litígio.

Os argumentos do grande chanceler afinal produziram efeito; e cuidou-se entre os negociadores de achar uma fórmula para o arranjo.

Parecia, pois, que os caminhos se aplainavam, quando os sucessos de 12 de Novembro vão, ainda uma vez, reacender em Portugal as velhas esperanças. Pensou-se lá que o ato violento de D. Pedro contra a Constituinte era “ uma prova do ascendente do partido português”; e que o Imperador, na plenitude da sua força, “não hesitaria agora em por em prática o seu intento de reconhecer a supremacia de seu pai”...

Volta então o governo de Lisboa a insistir de novo na sua exigência de uma soberania nominal da coroa portuguesa no Brasil.

Abstém-se Canning de agir; e toda a negociação cessou.

Enquanto isso, grandes aparatos de forças fazem-se por lá, destinados - fazia-se correr - a “castigar o governo rebelde do Rio de Janeiro”... E teve-se ainda a coragem e sem cerimônia de avisar aos governos da Europa que – “o pau-brasil e os diamantes, como gêneros pertencentes à coroa portuguesa, seriam apreendidos em qualquer parte”... e ainda – “que os navios cobertos com a bandeira do novo Império não podiam ser acolhidos em nenhum porto”...

Sentindo logo, porém, que tudo isso era inútil, teve o governo de Lisboa de volver outra vez para Londres, e agora pedindo oficialmente a mediação da Grã-Bretanha.

6. Retoma Canning com toda paciência aquela causa tão penosa. Haviam chegado a Londres os plenipotenciários brasileiros; e estavam a encetar-se as negociações, quando ocorrem em Lisboa os fatos que ficaram conhecidos na história portuguesa sob o nome de abrilada, e que bem revelavam a crítica situação em que se debatia o velho reino.

Só depois de restabelecida a ordem em Lisboa é que começam as conferências em Londres. Empregou o ministro mediador os maiores esforços para vencer as impertinências do governo português, cujos plenipotenciários fazem agora questão de assegurar para D. João VI a dignidade de Imperador titular do Brasil. Entendeu Canning que essa exigência era infantil e nada significava contra o Imperador do Brasil, não devendo, portanto, ser obstáculo ao que se queria concertar.

Mas é ainda de Lisboa que vão motivos para se interromperem as negociações. Com grande espanto do chanceler e dos brasileiros, eis que se sabe em Londres que o governo português recorre para as várias cortes europeias, e até procura a proteção da Santa Aliança, para dar toda força a um novo emissário que se expede para o Rio...

Canning ainda uma vez põe termo às conferências.

Agora, porém, muda a causa de aspecto para a própria Inglaterra. O governo dos Estados Unidos acabava de reconhecer a existência do Império. Sabia-se que outras nações estavam em vésperas de receber oficialmente os representantes do novo Estado. Acontece ainda que a Inglaterra não podia mais retardar o reconhecimento de algumas repúblicas espanholas da América do Sul; e seria uma inexplicável incoerência não fazer a mesma justiça ao Brasil.

Sentiu, portanto, Canning que era chegada a hora, ou de conciliar os dois litigantes, ou de pôr-se em relações com o governo imperial.

7. Para chegar prontamente a uma decisão, encarregou Canning ao hábil diplomata Sir Charles Stuart de entender-se diretamente com as duas cortes.

Por meados de março chegava Stuart a Lisboa, pondo-se às ordens de S. M. F. para vir ao Rio como negociador. Julgando-se já solicitado, começou de novo o gabinete português a fazer as suas exigências absurdas. Muito se esforçou o mediador por chamá-lo à boa razão; e afinal teve do próprio rei a permissão verbal e ampla de “tudo fazer para ultimar-se um ajuste”.

Parte Stuart para o Rio, onde chega a 18 de julho (1825). Recebeu-o D. Pedro muito satisfeito, e mostrando-se muito grato a S. M. B. pela sinceridade com que intervinha na dirimissão do litígio; e entregou o caso ao ministério. Fizeram-se várias conferências, e discutiu-se muito, conseguindo Stuart afinal que não se fizesse mais questão de conceder a D. João VI, “como condecoração honorífica”, o título de Imperador... O mais foi fácil.

No dia 29 de Agosto assinava-se no Rio o tratado, em 11 artigos, estipulando-se que as ratificações deviam trocar-se dentro de cinco meses. O convênio em si não tinha nada de estranho: o que nele havia de indecoroso ficava secreto: foi a obrigação que, por um aditamento clandestino ao tratado, assumia D. Pedro de tomar sobre si o pagamento da dívida (1.100.000 libras esterlinas) que Portugal contraíra em Londres para fazer-nos guerra... Obrigou-se ainda D. Pedro a dar ao pai pessoalmente 600.000 libras, como indenização das propriedades que D. João perdia no Brasil.

Foi realmente bem duro este arranjo, ao cabo de mais de três anos de esforços; mas enfim, estávamos livres de semelhante empecilho.

Logo depois, foi o império sendo reconhecido por outros governos.

                                                                  (História do Brasil, 1905.)