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Medeiros e Albuquerque

ESTÁTUA

Eu tenho muita vez a estranha pretensão
de me fundir em bronze e aparecer nas praças
para poder ouvir da voz das populaças
    a sincera explosão;

senti-la, quando, em festa, as grandes multidões
aclamam doidamente os fortes vencedores,
e febris, pelo ar, espalham-se os clamores
    das nobres ovações;

senti-la, quando o sopro aspérrimo da dor
nubla de escuro crepe o lúgubre horizonte
e curva para o chão a entristecida fronte
    do povo sofredor;

poder sempre pairar solenemente em pé,
sobre as mágoas cruéis do miserando povo,
e ter sempre no rosto, eternamente novo,
    uma expressão de fé.

E, quando enfim cair do altivo pedestal,
à sacrílega mão do bárbaro estrangeiro,
meu braço descrever no gesto derradeiro
    a maldição final.

(Canções da decadência, 1889.)

 

                QUESTÃO DE ESTÉTICA

Eu assistia à eterna discussão
de uns que querem a Forma e outros a Ideia,
mas a minh’alma, inteiramente alheia
cismava numa íntima visão.

Cismava em ti... Pensava na expressão
do teu lânguido olhar, que em nós ateia
um rasto de volúpia e em cada veia
coa as lavas ardentes da paixão.

Pensava no teu corpo, maravilha
como igual certamente outra não brilha,
e lembrei - argumento capital –

que não tens, animando-te o portento
da imperecível Forma triunfal,
nem um nobre e sublime pensamento!

(Pecados, 1889.)

 

DOMADORES

Há quem pasme dos fortes domadores.
Cujo esforço valente e decidido
faz que se curve, de pavor transido,
dorso de fera má, de olhos traidores. 

E, contudo, dominam-se os furores
e impõe seu jugo o braço destemido
com qualquer ferro em brasa enrubescido
e artifícios banais e enganadores.

Outros há, todavia, mais valentes,
que a populaça rude não conhece:
são os que domam, vultos imponentes,

esta fera: - a Palavra, que carece
para acalmar seus ímpetos insanos
- seiva e sangue de cérebros humanos.

(Pecados, 1889.)

 

CÉREBRO E CORAÇÃO

Dizia o coração: “Eternamente,
eternamente há de reinar agora
esta dos sonhos teus nova senhora,
senhora de tu’alma impenitente.”

E o cérebro, zombando: “Brevemente,
como as outras se foram, mar em fora,
ela se há de sumir, e há de ir embora,
esquecida também, também ausente.”

De novo o coração: “Desce! Vem vê-la!
Dize, já viste tão divina estrela
no firmamento de tu’alma escura?”

E o cérebro por fim: - “Todas o eram...
Todas... e um dia sem amor morreram,
como morre, afinal, toda ventura!”

(Pecados, 1889.)

 

ARTISTAS

Senhora, eu não conheço a frase almiscarada
dos formosos galãs que vão aos teus salões
nem conheço também a trama complicada
que envolve, que seduz e prende os corações...

Sei que Talma dizia aos juvenis atores
que o Sentimento é mau, se é verdadeiro e são...
e quem menos sentir os ódios e os rancores
mais pode simular das almas a paixão.

E, por isto talvez, eu, que não sou artista,
nem nestes versos meus posso infundir calor,
desvio-me de ti, fujo de tua vista,
porque não sei dizer-te o meu imenso amor.

(Pecados, 1889.)

 

VERSOS DIFÍCEIS

Faço e desfaço... A Ideia mal domada
o cárcere da Forma foge e evita.
Breve, na folha tanta vez riscada
palavra alguma caberá escrita...

E terás tu, ó minha doce amada,
o decisivo nome da bendita
companheira formosa e delicada
a quem minh’alma tanto busca, aflita?

Não sei... Há muito a febre me consome
de achar a Forma e conhecer o nome
da que a meus dias reservou o fado.

E hei de ver, quando saiba, triunfante,
o verso bom, a verdadeira amante,
- a folha: cheia, - o coração: cansado!

(Pecados, 1889.)
 

 

        17 DE NOVEMBRO DE 1889
(Por ocasião da partida de D. Pedro II)]

Pobre rei a morrer, da velha raça
dos Braganças perjuros e assassinos,
hoje que o sopro frio da desgraça
leva os teus dias, leva os teus destinos
do duro exílio para o longe abrigo,
hoje, tu que mataste Pedro Ivo,
Nunes Machado e tantos mais valentes,
hoje, a bordo da nau, onde, cativo,
segues, deixando o trono hoje tu sentes
que enfim soou a hora do castigo!

Pobre rei a morrer, - de Sul a Norte,
a valorosa espada de Caxias
com quanta dor e quanta nobre morte
da nossa história não encheu os dias,
de sangue as suas páginas banhando!
Digam-no dos Farrapos as legendas!
Digam-no os bravos de 48!
Falem ainda as almas estupendas
de 17 e 24, afoito
grupo de heróis, que sucumbiu lutando.

Alma podre de rei, que, não podendo
ganhar amigos pelo teu heroísmo,
as outras almas ias corrompendo
pela baixeza, pelo servilismo,
por tudo quanto a consciência abate,
- alma podre de rei, procura em volta
do teu ruído trono desabado
que amigo te ficou, onde a revolta
possa encontrar indômito soldado
que lhe venha por ti dar-nos combate.

De tanta infâmia e tanta covardia -
só covardia e infâmia, eis o que resta!
A matilha, a teu mando, que investia
contra nós, - nesta hora tão funesta,
volta-se contra teu poder passado!
Rei, não se ilude a consciência humana...
Quem traidores buscou - acha traidores!
Os vendidos da fé republicana,
os desertores de ontem - desertores,
hoje voltam do teu pra o nosso lado!

Vai! Que as ondas te levem mansamente...
Por esse mar, que vais singrar agora,
- arrancado a um cadáver ainda quente -
anos há que partiu, oceano a fora,
o coração do heróico Ratcliff.
A mesma vaga que, ao levá-lo, entoava
do livre mar eterno o livre canto,
como o não redirá, sublime e brava,
ao ver que passa no seu largo manto,
da monarquia o lutuoso esquife!

 (“Últimos versos”, in Poesias, 1904.)

 

SILÊNCIO

                                                       Il s’en plaignit, il en parla:
                                                       J’en connais de plus misérables!

                                                                                     JOB, Benserade.

Cala. Qualquer que seja esse tormento
que te lacera o coração transido,
guarda-o dentro de ti, sem um gemido,
sem um gemido, sem um só lamento!

Por mais que doa e sangre o ferimento,
não mostres a ninguém, compadecido,
a tua dor, o teu amor traído:
não prostituas o teu sofrimento!

Pranto ou Palavra - em nada disso cabe
todo o amargor de um coração enfermo
profundamente vilipendiado.

Nada é tão nobre como ver quem sabe,
trancado dentro de uma dor sem termo,
mágoas terríveis suportar calado!

 (“Últimos versos”, in Poesias, 1904.)

 

A POESIA DE AMANHÃ

[...]

Hoje, ninguém suporta essa metrificação. O progresso no verso consistiu, portanto, em abolir a repetição das palavras sempre as mesmas, que constituíam toda a poesia primitiva; abolir a repetição dos estribilhos, que tinham ficado como uma reminiscência daquela primeira fase; abolir os metros, em que havia a repetição muito uniforme de frases do mesmo número de sons, o que sucedia nos versos de 9 a 11 sílabas.

E não parou aí.

Dantes, o enjambement era uma licença, uma coisa que se tolerava. Cada verso devia ter uma pausa natural na última sílaba forte, cada estrofe ter uma pausa no fim do último verso.

O progresso consistiu em quebrar todas estas simetrias e regularidades. O essencial é que o pensamento de exprima bem. Há, é certo, alguma regularidade de distribuição dos acentos tônicos, das rimas sem o que não haveria versos. Mas o poeta, dentro da variedade de metrificações diversas, varia também os ritmos.

O verso representa a parte musical da expressão do pensamento. Ele se destacou do canto, pretendeu ser a sua própria música. Ficou-lhe, porém, a orientação original, quase se diria: o impulso hereditário. E a sua evolução, lidando com sílabas, foi inteiramente análoga à da música, lidando com notas.

Também a música primitiva é fortemente ritmada. É monótona, é acentuada. O tipo da música primitiva é a música para dança, na qual é necessário marcar bem o compasso, para comandar a tempo os movimentos.

Mesmo sem se tratar das composições destinadas a esse fim, a música tinha outrora esse caráter acentuadamente rítmico. O progresso consistiu em dar mais variedade aos ritmos. Entre a música para um batuque, um trecho sentimental de ópera de Rossini e um trecho de Wagner, há esta gradação: maior liberdade de ritmos. O ouvido, mais educado, percebe cada vez melhor ritmos cada vez menos brutalmente acentuados.

Quem lê a “Oração à luz” de Guerra Junqueiro, Le Laudi de D’Annunzio e Les villes tentaculaires de Verhaeren e muitas das poesias de Santos Chocano acha que é exatamente isso que distingue as formas mais modernas da poesia, das antigas formas, cadenciadas, embaladoras e, por isso mesmo, monótonas.

Ora, essa evolução parece que leva à extinção da poesia isto é: ao acabamento da forma metrificada.

Dizem alguns que isso seria um empobrecimento do pensamento humano, que ficaria desfalcado de uma forma de arte. Mas que é exato. Ao passo que se trabalha melhor a prosa, o ouvido aprende a discernir também melhor nuances delicadíssimas.

Há mesmo um fato notável: a maioria dos poetas passa a escrever em prosa. Não faltam grandes prosadores, que tenham começado como poetas. Mas o que falta absolutamente é um exemplo, um só que seja! de um grande prosador que tenha passado a grande poeta.

Assim, portanto, que o artista da palavra se sente senhor absoluto das várias formas de expressão, o progresso individual para ele consiste em passar da poesia para a prosa. A marcha inversa que seria uma marcha regressiva ninguém fez. É, por conseguinte, perfeitamente lícito supor que a Humanidade seguirá o mesmo caminho.

Nem se precisará para isso de muito tempo. Durante os séculos XVII, XVIII e princípio do XIX, as obras de poesia representavam dez por cento da produção literária. Hoje representam três por cento, com tendência a diminuir.

Dizem que a poesia é inimiga das cifras. Estes dados provam que as cifras também são inimigas da poesia... Elas patenteiam a sua irrecusável decadência.

Mas o essencial é que o pensamento humano se possa transmitir o mais completamente possível e que saiba descrever, e que saiba narrar, e que saiba comover... Nisso ninguém dirá que estejamos em regresso. Ao contrário!

Dantes, quando um poeta empreendia tratar de um certo assunto, o seu primeiro cuidado era escolher uma metrificação: seria em versos de 12, de 10, de 7 sílabas... Uma vez assentado isso, era então que ele começava. Os grandes poemas são assim.

Mas, esse fato, que a muitos parece natural, é, do ponto de vista lógico, uma aberração. É pelo menos um exercício de deformação sistemática da expressão do pensamento. De antemão, o escritor dizia: “Eu vou pensar, por frases de um certo número de sílabas; vou obrigar minhas idéias a saírem, em fatias regulares de tantas ou quantas sílabas. Não sei ainda quais serão as idéias que terei de exprimir; mas já sei que esticarei as curtas e podarei as compridas para as meter dentro de um molde preestabelecido arbitrariamente!” É perfeitamente absurdo.

Mas como esse absurdo é cômodo, porque ele tem moldes numerosos, que é sempre fácil imitar, a maioria dos poetas contemporâneos continua a versejar por esse sistema.

A grande dificuldade é achar para cada pensamento a forma própria, o ritmo adequado a forma, que só a ele convém, o ritmo, que melhor o pode traduzir.

A maioria das poesias em metrificação variada, nas quais os versos de todos os tamanhos se entremesclam, são abomináveis. Parecem prosa e prosa má. Mas é assim na mão dos poetas medíocres. Na dos grandes, a dos Guerra Junqueiro, dos d’Annunzio, dos Verhaeren, dos Santos Chocano essa metrificação tem uma beleza extraordinária.

A dificuldade para os medíocres é que não podem achar modelos. Precisam ao mesmo tempo ter as idéias e escolher-lhes a forma adequada. O que um fez não serve de norma a outro. Não há nessa poética nova lugar para imitadores vulgares.

Quando, por conseguinte, alguns críticos se insurgem contra a variedade de metrificação, usada na mesma poesia, dizendo que quase todas as poesia desse gênero são detestáveis não lhe fazem uma censura. Fazem um elogio. Essa forma não está ao alcance dos medíocres. Fazem um elogio. Essa forma não está ao alcance dos medíocres. Se os grandes e talentosos podem servir-se dos moldes correntes com superioridade, a inversa não se dá. É preciso ter mérito próprio e superior para poder lidar com esse processo de metrificar, cuja aparente facilidade é um laço em que os medíocres revelam logo a sua mediocridade.

 (Revista da Academia Brasileira de Letras, vol. 1, 1910.)