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Martins Júnior

SÍNTESE ARTÍSTICA

Na Bactriana antiga, - essa vetusta Pérsia
Onde Deus era o Sol e onde era crime a inércia

Havia (a História o diz) um povo de valentes
Que o tórax da Terra enchia de sementes

E que enchia de preito o velho Zoroastro.
Como os ventos do mar fazem vergar um mastro,

As vertigens da Luz, invariavelmente,
Sacudiam o ser da iraniana gente.

Diz a História, também, que ali tal era crença
Nos prodígios de Agni, na sua força imensa,

Que o persa, até na morte, alava-se pra o Sol!
- Quando um filho do Irã sumia-se do rol

Dos que lutam, seu corpo enregelado e hirto
Não ia para o chão, a transmudar-se em mirto,

Em rosas, em poeira, em vermes e em boninas!
O cadáver, então, era elevado às finas

Transparências do ar, numa coluna ereta,
E lá, em pleno azul, sob a flumínea seta

Do astro criador, - as aves famulentas
Vinham arrebatar as carnes friorentas

Do morto! Este ascendia às regiões solares
Disperso na amplidão, rasgando os fulvos ares,

E, com os pássaros bons de garras curvilíneas,
Ia se incorporar às rubras, às sanguíneas

Fotosferas do Sol, cheias de apoteose,
Onde a vida de tudo abrolha, ferve, explode!...

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Nós os homens de hoje, iguais ao persa antigo,
Também vamos buscar, a um outro sol, abrigo

Contra os males brutais e contra o desalento.
Quando a pua do tédio - o mísero instrumento! -

Sorrateira e cruel perfura-nos a alma,
E a pesada mudez, horrivelmente calma

Da descrença, nos mata a última energia,
Machucando no caule as rosas da Utopia;

Quando o cadáver nu da nossa Inteligência
Tressua lividez; - nós vamos à eminência

De onde ainda se avista a lua do Ideal
Que dulcifica o céu e dulcifica o val,

E expomos este morto - a nossa Atividade -
Ao reflexo bom, à ingênua claridade

Do astro santo que tem o puro nome de ARTE!
E vemos, ao chegar, que vem de toda parte,

Voando e revoando, estranha passarada
Alegre como o campo em hora de alvorada.

São as aves do azul. Chamam-se: esta, AMOR,
Aquela. INSPIRAÇÃO, aquela outra, ARDOR,

Esta, IMAGINAÇÃO, e, além, ess’outra, CRENÇA.
Sobre nós se debruça a multidão extensa,

A turma alti-volante. E, então, lá para o astro,
Principia a partir em luminoso rastro,

O nosso corpo todo, a nossa alma inteira,
Presos, esta e aquele, à asa alvissareira

Dos pássaros púgeis! A doce lua da Arte
Atira ao nosso encontro o opálico estandarte

Da sua radiação serena, mansa e vasta,
E só nesse momento é que a energia gasta

Renasce dentro em nós!... E, como o persa, vão
Assim, os nossos ais à estrela da Ilusão!

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E qual uma estridente e alarmadora trompa
Que rasgasse a amplidão em notas vitoriosas,
Da Arte e brônzea voz sonorizou o espaço.

O labor começou. Tímidas, vagarosas,
Puseram-se a nascer as criações. No baço
E rouvinhoso olhar do proto-homem viu-se
Ondear um clarão divinatório. Abriu-se
A rude psyché do nosso antepassado,
E um bando de emoções ruidoso, alvoroçado,
Saiu dela, assim como abelhas da colméia!

Construções do granito e construções da Idéia
Surgiram pouco a pouco.

E da choça de palha,
Da cabana de colmo e da casa lacustre,
Das danças sensuais no bosque que farfalha,
Dos cantos imbecis onde não bóia o lustre
Da poesia vivaz que transfigura as cousas;
Passou-se a remover enormíssimas lousas
Para fazer Babéis, e passou-se a riscar
Com o diamante Ilusão este vidro sem par
Da existência!

Elevou-se, altiva, Babilônia;
O templo de Diana encheu de sombra a Iônia,
E o Mahabarata - um astro! - encheu de luz a Ásia.
Fabricou-se na terra encantada de Aspásia
O Júpiter Olímpio, e criou-se também
Aqui o Nibelung e o Ramayana além.
Afrontaram o céu pirâmides agudas;
Dólmens fenomenais, torres de pedra mudas
Sitiaram a terra. Erigiu-se o farol
De Alexandria, - um sol espiando o outro sol! -
As muralhas da China, o colosso rodiano,
O grego Parthenon e o Forum de Trajano,
Kremlin, a catedral formosa de Florença,
Alhambra, o Coliseu, a Basílica imensa
De São Pedro e a Torre inclinada de Pisa,
O Palácio de Ciro aonde o ouro, à guisa
De cal, os muros cobre; o Louvre, o Escurial,
Versalhes e por fim Notre Dame, a imortal;
- Surgem -visões de pedra! - em cima das cidades.
Vêm paralelamente, assombrando as idades,
Os bons, os geniais e os rútilos poemas:
A Epopéia, fundindo as cóleras supremas
E as supremas ações, engendra um dia a Ilíada
E outro dia a Odisséia - esta robusta Dríada
Que habita e que domina a sagrada floresta
Da Poesia!

E depois... sucedem-se os assombros:
A Itália divinal agita a loura testa
E, como Atlas, toma em cima dos seus ombros
Estes dois céus: Eneida e De rerum natura;
Tasso e Jerusalém aparecem na alvura
Infinita da Glória. A Divina comédia
- Carro a fulvos corcéis, guiado pela rédea
Da translúcida Fé aos reinos dos mistérios -
Deslumbra a multidão e atravessa os etéreos
Páramos ideais da Rima e da Harmonia!...
Afinal, como um sol purpúreo que alumia
Uma nesga do azul, com brilhos em miríadas,
Alteia-se estuante o corpo dos Lusíadas!

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ARTE! Mulher lirial, criatura encantada,
Emanação do sol, filha de uma alvorada
Com algum semideus da velha Grécia heróica,
- Eu saúdo-te! Tu, que honradamente estóica
Tens sabido guardar na epiderme de opala
A frescura da flor que um lago manso embala
E a rijeza cruel de uma lâmina aguda;
Tu, que eu comparo a uma elétrica Amazona
Cheia de força agreste e de beleza muda
A rasgar, em corcel fantástico, esta zona
Onde a vegetação dos ideais rebenta
Apoplética, em luz, gloriosa, febrenta;
Tu, que és poderosa e a plástica expressão
Desta vida interior que vive o coração
Humano, e que reflete em nossa inteligência
Como nuvem no mar ou um bem na consciência;
Tu, que tens por tarefa interpretar o mundo
Colorindo-o de azul, com a tinta do profundo
Íris das ilusões e da Utopia loura;
- Tu hás de, para mim, ser sempre a imorredoura
Fonte desta alegria e bravura serena
Que dormem no meu sério e fazem-me da pena
Um florete lavrado, em cuja folha canta
A corda de uma harpa heroicamente santa!

Como tu hás lutado, estranha criatura!
E como tens sofrido! Essa pupila escura
Decerto viu morrer Chatterton, Malfilatre,
- Almas presas à dor, corpos presos ao catre -
Viu Homero esmolar sem sandálias nos pés,
Viu ir à guilhotina o poeta do Hermès,
Viu a prisão de Tasso, o exílio de Camões,
Viu Gerard de Nerval buscando as solidões
Dos becos de Paris para enforcar-se, viu
Os martírios de Hugo!... E que pranto caiu
Do teu radioso olhar amplo, amoroso e quente
Sempre que ele encontrou esses males em frente!

Mas, Arte, o teu valor não se verga jamais!

Como um remo que cinde uma onda, tu vais
Rija, tersa, feliz, correndo o globo inteiro:
Plantando aqui, colhendo além, sorvendo o cheiro
Límpido e matinal dos jardins enflorados;
Visitando não só as almas como os prados;
Sentindo ao mesmo tempo as paixões explodirem,
Os vícios bestiais cinicamente abrirem
As corolas cruéis nos caules afrontosos,
E os vergéis tropicais, os pomares seivosos,
Rirem, na luz do sol, verdes como absinto!
Neste momento eu vejo um deslumbrante cinto
De idólatras, a pôr no teu busto sagrado
Uma nuvem de incenso oloroso e nevado.
São, de um lado, os viris e honestos portadores
Das fecundas lições, dos sonhos e labores,
De Balzac, o escultor deste marmor - Goriot,
E do outro lado são os crânios em que andou
A alma de Lucrécio inspirando a valente
Intuição sem par da Poesia que sente
O sopro da Ciência entumecer-lhe o peito.

Diviso, então, no ardor do religioso preito:
Flaubert, Zola, Daudet, os Goncourt, - a pujante
Plêiade fraternal, austera e trovejante
Dos modernos, dos bons espíritos geniais
Que já não vão correndo, erradios, atrás
Da sereia fatal dita Imaginação
Ou Fantasia, e têm no sensório a visão
Nítida do Real e da Verdade. Além
Vejo Coppée, Lefèvre, Stupui, Bartrina,
Berthesène, Sully. E em meio do vai-vém
Das novas odes vejo o busto da heroína
Akerman, redourando o Prometeu!......................
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Ó Arte!
Vamos! É despregar as asas do estandarte
E seguir! Deves ser, em tua enorme faina,
Como vela de nau, que, enquanto não amaina
O vento, arqueia o bojo e desafia a vaga.
Não importa sentir a maldição e a praga
Da Rotina boçal, que às tuas plantas ladre!

Tens muito que explorar. Tudo quanto se enquadre
Na larga psychè da Humanidade, - deve
Ser pra ti um farol radiante que te leve
Ao país do Ideal!
Desde a pérola - pranto
Até o riso flor, até o perfume e o canto;
Desde o infante grácil até o herói ferido;
Desde um eterno amor até o amor vendido;
Desde a marcha dos sóis até a das idades;
Desde o progresso humano até as claridades
Nervosas do luar; desde as paixões serenas
Até o Ódio e a Dor - negros como geenas;
Desde um seio de amante e um regaço de esposa
Até o vegetal que junto de uma lousa
Cresce, na seiva má do barro funerário;
Desde um fio de azul e desde um nectário
Até a casta luz do astro da Verdade;
Desde a Glória imortal, a Bravura e a Bondade
Até a planetária irradiação da Ciência...
- Tudo deve atrair a doce transparência
Do teu fulgente olhar meditabundo e puro!

ARTE! Em teu ventre cresce este feto - o Futuro!

(Visões de hoje, 1881.)

 

AFIRMAÇÃO

Ser poeta não é possuir a habilidade chinesa de rendilhar palavras dispondo-as pacificamente em combinações funambulescas e caprichosas; é ter a visão intelectual das grandes cousas ignoradas e com ela a aptidão artística de lhes saber dar vulto pela expressão falada ou escrita.

ALEXANDRE DA CONCEIÇÃO

A POESIA CIENTÍFICA...

Eis aí a nova fórmula, o novo credo, a nova lei, nos domínios da inspiração metrificada, na esfera das emoções sujeitas à sonoridade igual e ondulante do verso.

É convicção minha isso, e para cimentar essa convicção tenho argumentos de toda ordem, raciocínios de toda natureza.

E que os não tivesse... Bastava-me, para correr atrás dessa prometedora intuição poética, a necessidade moral de sentir e gozar uma chimásia esquisita, o desejo de provar um fruto ainda não mordido...

Da trajetória, cheia de cambiantes admiráveis, que Ela - a Poesia - tem descrito no tempo, isto é, na História; dos fenômenos artísticos que podem ser observados atualmente; dos recentes processos de exegética literária, dominados pela lei da filiação; enfim, do conjunto das idéias modernas, da orientação mental que têm tomado as civilizações mais avançadas; deduzo eu motivos para crer no evento da Poesia Científica

Vou precisar, ou antes: - vou justificar a asseveração que aí fica.
Em toda a longa desenvolução afetiva ou emocional da Humanidade, a partir do estádio iniciante do fetichismo, a Poesia tem representado um papel eminentemente útil, construtor, filosófico.

Foi preciso que a anarquia mental e moral, resultante do esfacelamento do regímen católico-feudal que jungia os povos do Ocidente, viesse, até o princípio deste século, anormalizar os espíritos, para que se pudesse negar essa verdade e ver simplesmente nas produções do gênio poético um artifício palavroso, destinado a sensibilizar o ouvido e a seqüestrar o homem das lutas intelectuais e práticas do seu tempo.

Raciocinemos:

No mais baixo degrau do primitivo estado da mentalidade humana, no período fetichista, as faculdades poetizantes, isto é, sensitivas e imaginativas, se deviam ter confundido com a potência propriamente intelectiva.

O homem fetichista, o tímido e supersticioso adorador da longínqua estrela faiscante, da grande árvore seivosa e da pedra bruta que avultava no chão, sincretizou, decerto, num só ato psíquico espontâneo, a sua compreensão intelectual dos fenômenos ambientes e as suas impressões propriamente sentimentais.

Portanto a sua poesia, se a teve, se a externou, se a compôs sob uma forma e por um modo qualquer, devia ter sido um reflexo vivo, uma quase cópia da concepção teológica do mundo na sua primeira fase.

A arte, aí, esteve, pois, estreitamente unida à ciência, à síntese filosófica que se impunha naquele tempo.

Esteve-o também, e então mais sensivelmente, no período das civilizações politéicas, que se seguiu ao primeiro.

O que são os poemas do divino Melesigenes, senão compêndios sonoros a lecionarem todo o antropomorfismo majestoso daquela filosofia e daquela religião da Grécia heróica?

Ali, a poesia, como a ciência, foi e não o podia ter deixado de ser, politeísta.

Durante toda a comprida dominação do monoteísmo católico, que substituiu as intuições greco-romanas, sempre o mesmo fato, a manifestação da mesma lei: a poesia a vulgarizar as idéias filosóficas reinantes.

Se Tomás de Aquino escrevia a Summa, encerrando inteiro em seu livro, e estereotipando nos traços de sua pena, o espírito da idade mediévica, Dante Alighieri forjava as brônzeas estrofes da Divina comédia, imortalizando as criações fantasmagóricas do inferno, do purgatório e do céu, e poetizando a teologia...

E assim por diante. Sob a Metafísica, através da Renascença, como dos pródromos da reação romântica que veio em seguida, a poesia refletiu sempre o status mental predominante.
E a diretriz que ela, com a positivação dos conhecimentos humanos, vai tomando agora, não é mais do que a acentuação dessa tendência.

De fato: o Conjunto da fenomenologia artística atual a que ainda há pouco me referi confirma, como disse, a tendência a que aludo.

Por toda a parte, na Europa inteira e nas zonas civilizadas da América, o espírito científico que se alarga vai dando lugar à eclosão de fórmulas afetivas adaptadas ao estado de positividade das inteligências. Aí estão nas manifestações literárias como na produção propriamente artística, o naturalismo, o impressionismo, etc. ...

[...]

"A Arte de hoje, creio, se quiser ser digna do seu tempo, digna do século que deu ao mundo a última das seis ciências fundamentais da classificação positiva, deve ir procurar as suas fontes de inspiração na Ciência; isto é, na generalização filosófica estabelecida por Auguste Comte sobre aqueles seis troncos principais de todo o conhecimento humano.

É para mim um princípio assentado que ao estado definitivo de positividade a que chegou a mentalidade do homem civilizado, corresponde presentemente, no domínio do sentimento, esta escola de poesia a científica.

Entendo que modernamente ela, a poesia, deve ser científica; mas científica debaixo deste ponto de vista, deste modo:

- Sentindo o influxo da concepção filosófica do universo que domina em seu tempo; enunciando as verdades gerais que decorrem para a vida social dessa concepção; mas vestindo sempre os seus ideais com as roupagens iriadas das faculdades imaginativas, e nunca deixando de obedecer à emoção poética que dá nascimento à obra de arte.

Ou antes: Quero a poesia contemporânea alimentando-se dos sentimentos filosóficos da nossa época, mas cantando-os, sem tratadizar (seja- me lícito empregar esse termo), no poema ou na ode, uma ciência particular ou uma ordem de conhecimentos especiais."

É um pedaço do prólogo das Visões de hoje, isso.

Por ele vê-se claramente, e em síntese, a compreensão que eu tenho da poesia hodierna.
Vou dar mais luz a esse meu modo de ver, que reputo justificável em extremo.
A emoção que dá origem à poesia pode manifestar-se ou no terreno dos sentimentos ou no das idéias; pode provir desta ou daquela estação do sistema nervoso. É dessa opinião o autor da Esthetique positive.

A poesia das idéias, que só o nosso século pode realizar completamente porque só nele se veio a fechar o círculo abstrato da especulação humana, é tão aceitável e legítima como a poesia dos sentimentos.

É intuitivo esse asserto.

Entretanto eu não quebro lanças simples e exclusivamente em favor da poesia das idéias, não.
Concedendo, para pôr-me de acordo com a opinião mais corrente, que o departamento da sensibilidade seja, no homem, o mais próprio para hospedar a arte e gerar as finas idealizações líricas, - tomo aqui a palavra líricas como sinônima de poéticas, penso - que, mesmo nessa circunscrição da alma, a poesia pode e deve ser científica.

A razão disto está em que existem sentimentos nascidos da difusão da ciência, correspondendo a idéias também nascidas desta. O sentimento da simpatia e amor social, por exemplo, é filho da idéia de solidariedade humana, sugerida pela meditação filosófica.
E tanto a idéia de solidariedade social, como o sentimento de amor pela coletividade, podem inspirar ou produzir poemas esplêndidos.

Mas a poesia das idéias leva com facilidade ao didaticismo, dirão...
É por isso que eu, sem a rejeitar, quero-a unida à poesia dos sentimentos científicos. Desse modo a arte nunca virá a ser a própria ciência, nem a ciência deixará alguma vez de influir sobre a arte.

Denomino a poesia, a fórmula poética do futuro, como eu a compreendo e como a quero, deste modo: - cientificismo filosófico, ou - poesia científico-filosófica.

Isto para obstar a que se faça de um livro de versos um compêndio de qualquer ciência particular abstrata ou concreta, e obstar ao mesmo tempo a que se pretenda, partindo de um ponto de vista subjetivo e especial, reduzir a poesia a um mero processus artístico de especulação lógica ou psicológica.

Somente quando estiver bem vulgarizada e aceita a compreensão verdadeira das expressões ciência e filosofia, que tendem, desde o princípio deste século, a sinonimizar-se, a se fundir, a se consubstanciar em uma só; se poderá, sem perigo, dar à poesia a qualificação única de - científica.

Mas apesar de ser isso verdade, ferido pela necessidade de matar o prejuízo que faz ver na ciência uma inimiga figadal da Poesia, eu às vezes digo apenas poesia científica, em lugar de falar na poesia científico-filosófica.O título deste livro é uma prova dessa minha imprudência.
Citando, algumas páginas atrás, Lucrécio, Ovídio, Horácio e Boileau, eu devia ter aposto a esses nomes um outro, diante do qual só o do autor da Natureza das cousas pode levantar-se orgulhoso.

Esse nome é o de João Wolfgan Goethe - o poeta e filósofo alemão, cuja radiosa cabeça encheu de faiscamentos geniais o fim do século passado e o começo do atual.

O autor do Die Leiden des Jungen Werther, com a produção do Fausto, lançou uma fúlgida ponte fecundíssima entre a concepção poética de Lucrécio e a poesia científica moderna.
É o segundo elo ou anel da formosa cadeira que se vai estendendo agora...

Dele cita Letourneau na Physiologie des passions, um magnífico trecho que mostra bem o como ele sabia ser poeta.

***

Para dar fim ao presente capítulo, esta síntese:

- A poesia científico-filosófica é, a meu ver, o dogma que a mentalidade atual impõe à Imaginação e Sentimento modernos.

A poesia científica, podendo romantizar, isto é, engrandecer e aformosear por meio da transformação criadora, já as idéias já os sentimentos de nossa época, alarga o círculo da atividade artística e tem a vantagem de fazer sempre do poeta um homem útil, um produtor sério.

Aí a tem, a nova intuição poética. Compreensiva, sensata e forte, ela se estende por toda a área da emocionalidade humana, abrangendo tudo.

Desde a lei astronômica da atração até o evolucionismo biológico e social, desde as generalizações da filosofia até os fatos particulares do amor, da dedicação, da coragem, do civismo, da paz, da família, da felicidade, da miséria, do crime, do patriotismo; desde a luta pela vida nos vegetais e nos animais até o conforto doce de um menage alegre e honesto; vai, ou antes, deve ir a poesia de hoje.

E essa poesia, grande, elástica, imperecível, correta, harmoniosa, sonora, não é, não pode deixar de ser outra senão a científica, a arte rítmica, moldada pela concepção positiva do mundo.

(A poesia scientifica, 1883.)