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Discurso de recepção

Discurso de recepção por José Sarney

Em nome da Academia, Sr. Marcos Vinicios Vilaça, dou-lhe as minhas saudações de chegada. Em nome da Casa, maior do que todos nós, e em nome de todos nós, passageiros da glória e do sonho de Machado de Assis.

O discurso de recepção deve ser generoso, ensina nossa tradição, mas não tanto que não comporte algumas alfinetadas, coisa leve, feita para despertar sonolentos e chamar à colação o sentimento da humildade, nesta noite em que tudo são luzes e brilhos.
 
Tem sido assim, mas hoje não será. Começo por defender Marcos Vilaça ao afirmar que seu convite para recebê-lo data de alguns meses anteriores a 15 de março...
 
Não vem de artes de adivinho, mas dos largos rios da amizade. Do gosto comum pela Política e pela Literatura, pelas minhas raízes pernambucanas de que tanto me orgulho, da gloriosa e forte mãe do semiárido, terra entre a Mata e o Sertão, de Correntes, Bom Conselho, Cabrobó, que povoaram minha infância, na história da família pobre. Dali, ela partiu, no sofrimento dos retirantes, em busca dos vales verdes do Maranhão.

E é como acadêmico que o venho saudar, no momento em que o Sr. recolhe a glória de seu amigo e conterrâneo, Mauro Mota, para ser o continuador das glórias da Cadeira, por onde também passaram Gilberto Amado, Ribeiro Couto, Constâncio Alves, Paulo Barreto e Guimarães Passos, todos eles sob o pálio dos lauréis de Laurindo Rabelo.

Marcos Vinicios Vilaça é um político e um homem de letras. É seu o gosto da renovação, por inquietação criadora, e o gosto da tradição, pelo cuidado em estabelecer a ligação natural entre o passado e o futuro, de modo que não haja solução de continuidade na teoria de valores do patrimônio nacional.
 
O gosto da renovação o impele à Política, como processo contínuo dos novos tempos à melhoria das condições sociais e individuais no mundo em transformação – enquanto o gosto da tradição o leva a buscar nas obras representativas de nossa Cultura a própria essência da nacionalidade.

Todo homem, por força de sua condição social, é, necessariamente, um político, tanto por querer influir na comunidade a que pertence quanto por defender essa comunidade. Ninguém se dissocia desse modo de ser, tão antigo quanto o próprio homem. É consubstancial à natureza humana.

A ordenação política é uma luta permanente entre duas tendências: a tendência que leva à ordem, pela disciplina autoritária e vigilante, e a disciplina que frequentemente se rompe, para que o processo social se revitalize, buscando formas de existência e afirmação. Uma restringe a liberdade, a outra tende a ser caudal que abre a barragem e inunda o chão em seu redor.

A melhor solução é a conciliação da disciplina com a liberdade. Com a liberdade de romper a sociedade organizada, pela sincronia dos opostos, sem prejuízo da plenitude da liberdade – a liberdade de opinião, da renovação, da proposta, da experiência válida, em consonância com as aspirações nacionais.
 
Diz-me a experiência que ninguém deve aspirar ao pleno exercício da atividade política sem levar em conta estes dois elementos básicos: a palavra enunciada, para conduzir o processo social, e o silêncio acolhedor, para recolher a opinião e a advertência, que se incorporam aos instrumentos desse processo, como afluentes do grande rio.

Poucos escritores foram tão políticos quanto o primeiro Presidente desta nossa Casa. Realmente, toda a vida de Machado de Assis é uma fina urdidura política. Porque, ao escritor, não cabe apenas realizar uma obra – cumpre-lhe também realizar uma vida.
 
Certa vez, indeciso um colega sobre se deveria aceitar ou não um alto posto administrativo, nosso Confrade Afonso Pena Júnior sussurrou-lhe ao ouvido:

– Aceite. Vai lhe dar trabalho. Mas melhora a biografia.

A Presidência da Academia não constituiu, na vida de Machado de Assis, uma homenagem ao romancista de Dom Casmurro ou ao poeta das Crisálidas. Foi o reconhecimento da sua liderança. De uma liderança política, capaz de aglutinar companheiros, levando-os à mesma direção, que culminou com a criação desta Casa.

Outras tentativas tinham sido feitas, ao longo do tempo, com igual aspiração, mas nasceram com o chamado mal-de-sete-dias: despontaram, fizeram algum ruído e desapareceram. Só esta vingou, venceu o tempo e nele se enraizou. E por quê?

Porque encontrou o seu líder, na hora própria, que lhe deu normas, que lhe deu estatutos, que lhe deu espaço para reunir-se, que lhe insuflou a vida perdurável. A constituição da Academia é, assim, um ato político, realizado por um grande líder.

Não é por outra razão que os acadêmicos passam, levados pelo tempo, e o nosso grande e querido Austregésilo de Athayde permanece, na Cadeira da Presidência, com esses cabelos brancos, esse ar perenemente presidencial.

Se me perguntarem qual foi a alegria mais clara, o único momento da minha vida em que a vaidade me fez pecar, eu direi que foi o dia em que fui eleito para esta Casa.

Aqui é a glória que não passa.

Aqui não existe dívida externa e nem interna.

Mas, se a Política e as Letras aqui se irmanam, convém acentuar que a Política só abre caminho a esta eminência se traz consigo a impregnação das Letras. Perguntemos a Joaquim Nabuco por que chegou até aqui. E a João Neves da Fontoura. E a José Américo de Almeida. E a José Carlos de Macedo Soares. Todos eles tiveram para com as Letras a sensibilidade adequada.

As academias, lembrou Mauro Mota ao recebê-lo na Academia Pernambucana de Letras, Sr. Marcos Vinicios Vilaça, não inventam, não fazem escritores menores ou maiores. Os escritores, sim, é que as inventaram.
 
E fechou: as Academias nada têm a dar-lhes além do reconhecimento dos valores e dos poderes do convívio.

No seu caso, estou inclinado a crer que o senhor foi trazido à Academia pelas duas vertentes, harmoniosamente conjugadas: a das Letras e a da Política.
 
A das Letras, com os estudos que lhe deram preeminência em sua geração, no plano dos ensaios históricos e sociais; onde despontam Coronel, Coronéis, que Barbosa Lima Sobrinho diz ser um modelo de observação e realismo, e Em Torno da Sociologia do Caminhão, saudado por Adonias Filho pelo que representa de significativo em inflexão literária e investigação científica.

A da Política, com seu gosto de encontrar a concordância onde outros encontram as divergências. E ainda por esse modo arraigado de pensar brasileiramente o Brasil, no Discurso, na Tese, no Artigo de Jornal, na vasta obra com que marcou sua presença, depois de Rodrigo Melo Franco de Andrade e de Aluísio Magalhães, no selo e na restauração de nosso patrimônio histórico e artístico.
 
Dir-se-ia que a inspiração de Rodrigo e a operosidade de Aluísio se fundiram na sua pessoa, e daí a obra que realizou.
 
Impressiona também a visão moderna que o senhor soube dar a tudo em que tocou, como bem reconheceu Francisco de Assis Barbosa ao prefaciar seu último livro: Cultura e Estado.

Pertencemos à mesma geração – aquela que, em plena adolescência, assim como ouviu os clarins da vitória, ao fim da Segunda Guerra Mundial, também ouviu, apreensiva, a explosão da primeira bomba atômica, abrindo um novo ciclo na história da humanidade.
 
Cumpre-nos redobrar de esforços para prosseguir no sentido da paz definitiva, que permitirá ao homem concentrar a sua inteligência nos valores eternos – os valores que refazem a cada momento o nosso itinerário até Deus.
 
Andei a ler o Memória, livro com o qual seu pai, Antônio Vilaça, recompôs a sua experiência existencial, para ao fim dizer, tomado de compreensivo orgulho, que, como filho, o senhor é a sua realização mais destacada.

Permitam-me recordar aqui um pequeno episódio risonho da vida de Alexandre Dumas, ocorrido na noite de estreia de uma das peças de Alexandre Dumas Filho.
 
O velho romancista, gordo, efusivo, instalara-se perto do palco. Dali, num dos intervalos da representação, pôs-se a aplaudir com entusiasmo, levantando-se.
 
Um de seus confrades, ao vê-lo tão expansivo, perguntou-lhe:

– É o senhor o autor da peça?

E o grande Alexandre:

– Mais do que isso, amigo. Sou o autor do autor.
 
Como autor do autor, o nosso bom amigo Antônio Vilaça tem razões redobradas para o aplaudir, Marcos Vinicios, ao longo da vida, sobretudo nas glórias e luzes desta noite.

Aqui alcança o senhor a culminação de sua vida, no plano da merecida apoteose. Não se diga que tenha conquistado esta culminância por um favor da fortuna. Não. O senhor soube vencer etapas sucessivas, notadamente a que o levou à presidência da Academia Pernambucana de Letras. Foi lá o companheiro e o realizador.

Quando o senhor chegou, a Academia era uma: quando lhe deixou a presidência, era outra a gloriosa Casa de Joaquim Maria Carneiro Vilela.

Mais rica. Mais acolhedora. Instalada no seu Palácio. E a tudo soube dar o toque de seu bom gosto pessoal. Gilberto Freyre, que tanto o admira, cunhou uma frase que define bem esse raro talento de administrador: “Tão jovem e tão presidente.”

No prefácio a um de seus livros, O Tempo e o Sonho, eu tive oportunidade de escrever estas palavras:
   
Marcos Vilaça tem pago à sua província natal um comovente tributo. Grande escritor, de nível nacional, sua dedicação a Pernambuco não teria dado tempo de ocupar o lugar que lhe pertence no País. Sua terra é para ele mais do que tudo. Porque tem sido fonte permanente da inspiração e devoção.
   
Bem sei o que significa esse apego à terra berço. Dela jamais nos desprendemos. Quando a deixamos, ela nos acompanha – está a nossa volta, a seguir nossos passos. E o prato eletivo de nossa mesa é o livro preferido de nossa estante, é a cantiga que cantamos, é a saudade que floresce dentro de nós.

Certamente, o senhor sente aqui a presença dos rios que lhe acompanham a vida: o Tracunhaém e o Capibaribe; das luzes do sol do Agreste pernambucano, onde o menino em homem se transformou; dos sons de viola dos tocadores da feira de Limoeiro; do cheiro do sapoti e da manga-itamaracá, fruteiras do quintal da casa, no bairro do Encanta-Moça.

Nosso confrade Ataulfo de Paiva costumava dizer que entrara para a Academia por unanimidade de votos e mais um. Esse “um” correspondia ao voto de Rui Barbosa, que pouco antes se havia agastado com a Academia, esquivando-se de participar de nossos pleitos. Mestre Ataulfo, hábil, jeitoso, trouxe para a sua eleição o voto esquivo, depois de amaciar Rui Barbosa.

No seu caso, Sr. Marcos Vinicios Vilaça, ocorreu também uma particularidade, que igualmente singulariza a sua escolha. O senhor foi eleito também por seu antecessor.

Nosso saudoso Mauro Mota, ao sentir que se ia aproximando a “indesejada das gentes” do poema de Manuel Bandeira, não se limitou a pôr em ordem a sua vida e os seus próprios papéis literários. Fez sentir que gostaria de tê-lo como seu sucessor nesta Casa.

No passado de nossa Instituição, como sabe o senhor, desejos análogos já haviam ocorrido. Mas sempre terminaram malogrados: o candidato, além de ter perdido o voto e o amigo, perdia também a eleição, visto que, nesta Casa de imortais, ao contrário do que outrora acontecia em nossos pleitos políticos, os mortos não votam.

Mauro Mota, nosso grande amigo, não se limitou a lhe falar sobre seu desejo: transmitiu-o a outros confrades. Estes, que já iam sufragar o seu nome, acresceram à justiça do voto a consideração e o carinho pelo saudoso companheiro.

Seu competidor, uma das mais altas figuras da inteligência brasileira, o quase meu conterrâneo, pelas raízes maranhenses: o Professor Candido Antonio Mendes de Almeida. Sua vitória foi fácil.

O primeiro foi o senhor que chegou. Mas ficou na Academia, conforme nos aconselhou Machado de Assis, por intermédio de uma carta a Joaquim Nabuco, o compromisso de ir buscar lá fora, no momento próprio, a outra alta figura de escritor e homem de ação e pensamento, à altura desta Instituição.

Esta noite é sua, Sr. Marcos Vinicios Vilaça. Estas luzes se tornaram mais profusas em sua homenagem. Há, aqui, gente de todas as partes, mas é saudável o acento pernambucano desta noite, em que ao seu lado participa de tudo Maria do Carmo, a “Baronesa de Limoeiro” do poema de Odylo Costa, filho, Maria do Carmo e os filhos.

Creio que se passou com Laurindo Rabelo, Patrono de sua Cadeira, o pequeno episódio que vou relatar. O poeta, pouco depois de estrear um traje elegante, viu-se convidado a comparecer a uma festa. Imaginando que o convite era dirigido não ao poeta, mas ao dândi, ao elegante, Laurindo ficou em casa e mandou, em seu lugar, numa bandeja, a roupa nova.

Ninguém aqui se lembraria de repetir o gesto boêmio do poeta cuja glória o abriga na Academia. O fardão, que tanto estimula o talento dos chargistas, associa-se para sempre à nossa tradição de acadêmico. Quer faça frio, quer faça calor, é ele que nos encaderna, dando o ar vistoso e dourado com que neste momento o admiramos.

Por ocasião de um incêndio na Embaixada Francesa, em Tóquio, ao tempo em que era ali embaixador o grande Paul Claudel, acadêmico e poeta, o criado japonês correu ao seu encontro, radiante, em meio à confusão do fogo dominado, para lhe dizer:

– Salvei o que Vossa Excelência tem de mais precioso – o seu fardão.

E saltitante, rindo, exibia-lhe o fardão acadêmico.

Esse fardão, Sr. Marcos Vinicios Vilaça, é o lado decorativo da condição acadêmica. Está na tradição da Casa. Vem dos velhos tempos de Paulo Barreto e Medeiros e Albuquerque como a indumentária própria de nossa condição.

Mas é um adorno externo, que não influi nas nossas ideias. A Academia Brasileira de Letras é uma Instituição aberta a todas as correntes de Arte e Pensamento.

Que outros companheiros façam da criação pura o seu Teatro, o seu Conto, o seu Romance, a sua Novela. O senhor optou pelos estudos sociais e políticos e deles nos deu os mais altos testemunhos de aplicação e competência. Sua obra não lhe basta. O senhor colocou sua vida pública a serviço da Cultura Brasileira. Foi assim que o julgou Eduardo Portella: “Marcos Vinicios Vilaça sabe combinar harmoniosamente espírito público e impulso intelectual, que nele se desdobram ao longo de pelo menos duas virtualidades dignas de serem grifadas competência e serventia societária.”

Rejubilo-me de saudá-lo em nome desta Academia. Já éramos bons amigos, antes de sua chegada. Agora, seremos companheiros pelo resto da vida, lado a lado, fraternalmente, como convém a uma Casa de confrades.

Eça de Queirós, na página famosa sobre Antero de Quental, nas Notas Contemporâneas, diz-nos que o poeta, no simples ato de rasgar papel para atirá-lo ao cesto, obedecia, a uma disciplina e a uma ordem: dobrava a folha em duas, depois em quatro, depois em oito e por fim, com uma faca afiada, dava dois golpes, convertendo a folha em retângulos, que ia amontoando a um canto a mesa, antes de atirá-los ao lixo.

Tudo quanto o senhor realizou, Sr. Marcos Vinicios Vilaça, obedeceu a uma ordem. O senhor é homem do método. Da hierarquia de valores. Ninguém compôs com tanto acerto a sua eleição para a Academia quanto o senhor mesmo. Tudo a seu tempo. Tudo na sua sequência natural. Por fim, esta noite enfeitada de amigos.

Estou a me lembrar de um poema de nosso Mauro Mota, “Domingo na praça”, e em que nos diz: “Na praça, este domingo não é de hoje: é antigo.”

Estive inclinado a reconhecer que também esta noite não é de hoje: é antiga, mas logo concluí que não. Tudo aqui, embora preparado, tem o toque do improviso afetuoso, que só as amizades sabem urdir, para tudo dar certo.

Um dos seus biógrafos (porque também de sua vida já há biógrafos), o cordelista José Costa Leite, depois de celebrar em versos populares a sua vida e os seus feitos, deu ao cordel este remate de seresteiro inspirado: “Leitores, peço desculpas se eu não souber escrever do jeito que merecia.”

Não posso terminar sem duas invocações: de Gilberto Amado, a quem devotei grande estima, e Mauro Mota, meu amigo, fraterno, inesquecível companheiro, ambos ocupantes da Cadeira que hoje pertence a Marcos Vilaça.

Com Gilberto Amado, trabalhei nas Nações Unidas em 1961. Foram quatro meses de um convívio diário, rico de longas conversas. De uma não esquecerei. Foi um domingo, em Nova Iorque. Domingo vazio, das grandes metrópoles. Nas ruas, um silêncio cortante, espaçado, frio. A solidão toma conta das pessoas, num desespero sem tréguas.

Estávamos, havia longas horas, no bar do Blackstone Hotel, onde Gilberto falara de sua vida. De Pinheiro Machado, da gratidão que lhe devotava, pelo apoio recebido quando esteve preso. Do Rio do seu tempo. De sua obra. Reminiscências. Amarguras. Aquela força da natureza, agressiva, fluente, cáustico, sem falar de sua proverbial e bendita vaidade, que ele administrava com grande charme.
 
De súbito, ficou tomado por uma crise de possessão e desabafou:

– A juventude do Brasil não conhece Gilberto Amado. Isso é uma injustiça. Ninguém mais lê Gilberto Amado.

Repliquei, delicadamente, que não era assim. Todos conheciam Gilberto Amado. O problema da leitura entre os jovens tinha outros aspectos.

A Marly, que estava presente, ele foi direto:

– Você já leu Gilberto Amado?

– Não, embaixador, confesso que não li.

Pensei, conhecendo o seu temperamento, que íamos romper uma amizade de muitos anos. Gilberto era agressivo, imprevisível. Disse com meus botões: “Será que vamos ter uma cena de pugilato, num domingo, num bar, logo com nosso deus Gilberto?”

Ele parou. Ficou calado e depois replicou:

– Pois, Marly, quero muito bem a você. Você tem que ler Gilberto Amado. E vai ler.

Subiu ao seu apartamento e voltou com dois volumes de suas memórias: Minha Formação em Recife e Presença na Política.

– Amanhã vou lhe telefonar para saber em que página você está.

E assim fez, com grande assiduidade.

Depois, aliviados do incidente, ouvi de Gilberto um hino ao Brasil, e foi surpresa para mim ouvir, repetido, aqui nesta Casa, no seu discurso de posse, o que ele mesmo me dissera naquela tarde:
   
A palavra Brasil ressoará, ressoará na sua voz pelo infinito, [...] um Brasil de problemas resolvidos, economia organizada, riqueza bem distribuída, saúde, ordem interna assegurada e aceita na satisfação popular, justiça social efetiva, pobres tornando-se ricos, ricos contribuindo para a prosperidade geral, tudo certo, tudo equilibrado, tudo num grande ritmo, dentro da grande luz. [...] Imagens e visões que povoaram a nossa vida.
   
Foi assim que ele terminou o seu discurso de posse.

De Mauro Mota, guardo a afeição de irmão mais novo. Cheguei ao Recife em 1947. Ia participar do Salão da Poesia do Recife. Levava uma carta de Bandeira Tribuzi, apresentando-me a Mauro Mota, que dirigia o suplemento literário do Diário de Pernambuco, onde passei a colaborar. Desde então, ficamos amigos, amigos de toda a vida. De carta e conversa.

Inteligência extraordinária, personalidade incomparável, poeta dos maiores na Língua Portuguesa. O Soneto prospera em épocas de Renascença, dizem alguns críticos ingleses.

No futuro, o progresso não será medido por índices econômicos, mas pelo Soneto. Assim não serão Keynes ou Stuart Mill, mas Petrarca, Camões, Baudelaire, Bilac...

A ser assim, a época vitoriana de Pernambuco será de Mauro Mota.

As elegias são eternas. Daqui a mil anos, sempre haverá alguém que repetirá, na tristeza da morte, mãos cruzadas da esposa: “As mãos, beijei-as nas alvas conchas e nos dedos finos. Mãos, pássaros voando nos violinos.”

Sr. Marcos Vilaça: esta é sua grande noite. Há, no Salão, evocações de Olinda, flores do Encanta-Moça, o deus Gilberto Freyre, areias de Boa Viagem e o altar da Igreja de São Pedro.

E como sons de eternidade, os versos de Manuel Bandeira, orquestrados numa banda de pífaros, de Nazaré da Mata, de farda nova e alegrias nos olhos: “Com dez anos vim para o Rio. Conheci a vida em suas verdades essenciais. Estava maduro para o sofrimento. E para a Poesia.”
   

2/7/1985