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Laurindo Rabelo

O que fazes, ó minh’alma?
Coração, por que te agitas?
Coração, por que palpitas?
Por que palpitas em vão?
Se aquele que tanto adoras
Te despreza, como ingrato,
Coração sê mais sensato,
Busca outro coração!
Corre o ribeiro suave
Pela terra brandamente,
Se o plano condescendente
Dele se deixa regar;
Mas, se encontra algum tropeço
Que o leve curso lhe prive,
Busca logo outro declive,
Vai correr noutro lugar.
Segue o exemplo das águas,
Coração, por que te agitas?
Coração, por que palpitas?
Por que palpitas em vão?
Se aquele que tanto adoras
Te despreza, como ingrato,
Coração, sê mais sensato,
Busca outro coração!
Nasce a planta, a planta cresce,
Vai contente vegetando,
Só por onde vai achando
Terra própria a seu viver;
Mas, se acaso a terra estéril
As raízes lhe é veneno.
Ela vai noutro terreno
As raízes esconder.
Segue o exemplo da planta,
Coração, por que te agitas?
Coração, por que palpitas?
Por que palpitas em vão?
Se aquele que tanto adoras
Te despreza, como ingrato,
Coração, sê mais sensato,
Busca outro coração!
Saiba a ingrata que punir
Também sei tamanho agravo:
Se me trata como escravo,
Mostrarei que sou senhor;
Como as águas, como a planta,
Fugirei dessa homicida;
Quero dar a um’alma fida
Minha vida e meu amor.

 

DOIS IMPOSSÍVEIS

Jamais! Quando a razão e o sentimento
Disputam-se o domínio da vontade,
Se uma nobre altivez nos alimenta
Não perde de todo a liberdade.

A luta é forte: o coração sucumbe
Quase nas ânsias do lutar terrível;
A paixão o devora quase inteiro,
Devorá-lo de todo é impossível!

Jamais! a chama crepitante lastra,
Em curso impetuoso se propaga,
Lancem-lhe embora prantos sobre prantos,
É inútil, que o fogo não se apaga.

Mas chega um ponto em que lhe acena o ímpeto
Em que não queima já, mas martiriza,
Em que tristeza branda e não loucura
À razão se sujeita e harmoniza.

É nesse ponto de indizível tempo
Onde, por misterioso encantamento,
O sentir à razão vencer não pode,
Nem a razão vencer ao sentimento.

No fundo de noss’alma um espetáculo
Se levanta de triste majestade,
Se de um lado a razão seu facho acende
Do outro os lírios seus planta a saudade.

Melancólica paz domina o sítio,
Só da razão o facho bruxuleia
Quando por entre os lírios da saudade
Do zelo semimorto a serpe ondeia!

Dois limites então na atividade
Conhece o ser pensante, o ser sensível:
Um impossível - a razão escreve,
Escreve o sentimento outro impossível!

Amei-te! os meus extremos compensaste
Com tanta ingratidão, tanta dureza,
Que assim como adorar-te foi loucura,
Mais extremos te dar fora baixeza.

Minh’alma nos seus brios ofendida
De pronto a seus extremos pôs remate,
Que, mesmo apaixonada, uma alma nobre,
Desespera-se, morre, não se abate.

Pode queixar-se inteira felicidade
De teu olhar de fogo inextinguível,
Acabar minha crença, meu futuro,
Aviltar-me! jamais! É impossível!

Mas a razão que salva da baixeza
O coração depois de idolatrar-te,
Me anima a abandonar-te, a não querer-te,
Mas a esquecer-te, não: sempre hei de amar-te!

Porém amar-te desse amor latente,
Raio de luz celeste e sempre puro
Que tem no seu passado o seu presente,
E tem no seu presente o seu futuro.

Tão livre, tão despido de interesse,
Que para nunca abandonar seu posto,
Para nunca esquecer-te, nem precisa
Beber, te vendo, vida no teu rosto.

Que, desprezando altivo quantas graças
No teu semblante, no teu porte via
Adora respeitoso aquela imagem
Que delas copiou na fantasia.

 

ADEUS AO MUNDO
                          I

        Já do batel da vida
Sinto tomar-me o leme a mão da morte:
        E perto avisto o porto
Imenso nebuloso, e sempre noite,
       Chamado - Eternidade!
Como é tão belo o sol! Quantas grinaldas
        Não tem de mais a aurora!!
Como requinta o brilho a luz dos astros!
Como são recendentes os aromas
Que se exalam das flores! Que harmonia
Não se desfruta no cantar das aves,
No embater do mar, e das cascatas,
No sussurrar dos límpidos ribeiros,
Na natureza inteira, quando os olhos
Do moribundo, quase extintos, bebem
         Seus últimos encantos!

                                     II

Quando eu guardava, ao menos na esperança,
Para o dia seguinte o sol de um dia,
De uma noite o luar para outras noites;
Quando durar contava mais que um prado,
Mais que o mar, que a cascata erguer meu canto,
E murmurá-lo num jardim de amores;
Quando julgava a natureza minha,
Desdenhava os seus dons: ei-la vingada:
Cedo de vermes rojarei ludíbrio,
E vida alardearão fracos arbustos
Sobre meu lar de morto! A noite, o dia,
O inverno, o verão, a primavera,
A aurora, a tarde, as nuvens, e as estrelas,
A rir-se passarão sobre meus ossos!
Não importa: não é perder o mundo
O que me azeda os pálidos instantes
Que conto por gemidos. Meu tormento,
Minha dor, é morrer longe da pátria,
Da mãe, e dos irmãos que tanto adoro. 

 
                                  III

Quando da pátria me ausentei, não tinha
Nada que lhes deixar, que lhes dissesse
O que eram eles dentro de minh’alma.
Mendigo, a quem cedi pequena esmola,
Deu-me quatro sementes de saudades;
Ao meu jardim doméstico levei-as,
Cavei, reguei a terra com meu pranto,
E plantei as saudades. Soluçando
Chamei ali os meus: “Aqui vos deixo
(Disse apontando à plantação) em flores 
Minh’alma toda inteira; aqui vos deixo
Um tesouro enterrado. Joias, oiro,
Riquezas, não, não tem, porém na terra
Estéril não será.” Ondas de pranto
Afogaram-me a voz: houve silêncio;
Palpei de novo o chão; vi que de novo
Cavado estava! A terra se afundara,
E as sementes nadavam sobre lágrimas,
Que minha mãe e minha irmã choravam...
Replantei-as, orei, beijei a terra,
E parti... Trouxe d’alma só metade;
E o coração?... deixei-o num abraço.

 
                                 IV

Certo estou de que a planta, já crescida,
Terá brotado flor. Se ao menos dado
Me fosse colher uma... ver a terra
Pelo pranto dos meus santificada!
Se uma dessas saudades enfeitar-me
Viesse a minha essa, ou meu sudário,
Ou, pela mão materna transplantada,
Encravar-me as raízes no sepulcro...
É tão pouco, meu Deus!... Eu não vos peço
Soberbo mausoléu, estátua augusta
De túmulo de rei. Assaz desprezo
    Esses gigantes de oiro
Com entranhas de pó. Mortalha escassa
De grosseiro burel, que bordem lágrimas;
Terra só quanto baste p’ra um cadáver,
E as minhas saudades, e entre elas
Uma cruz com os braços bem abertos,
Que peça a todos preces. Terra, terra
Perto dos meus e no terrão da pátria,
É só quanto suplico.
 
V

                                    A morte é dura,
Porém longe da pátria é dupla a morte.
Desgraçado do mísero, que expira
Longe dos seus, que molha a língua, seca
Pelo fogo da febre, em caldo estranho;
Que vigílias de amor não tem consigo,
Nem palavras amigas que lhe adocem
O tédio dos remédios, nem um seio,
Um seio palpitante de cuidados
Onde descanse a lânguida cabeça!
Feliz, feliz aquele, a quem não cercam
Nesse momento acerbo indiferentes
Olhos sem pranto; que na mão gelada
Sente a macia destra d'amizade
Num aperto de dor prender-lhe a vida!
Feliz o que no arfar da ânsia extrema
De desvelada irmã piedoso lenço,
Úmido de saudades vem limpar-lhe
As frias bagas dos finais suores!
Feliz o que repete a extrema prece,
Ensinada por ela, e beijar pode
O lenho do Senhor nas mãos maternas!
Desgraçado de mim!... Talvez bem cedo
Longe de mãe, de irmãos, longe da pátria
Tenha de me finar... Ramo perdido
Do tronco que o gerou, e arremessado
Por mão de Gênio mau à plaga alheia,
Mirrarei esquecido! Os céus o querem,
Os Céus são imutáveis: aos decretos
Do Senhor curvarei a fronte humilde,
Como cristão que sou. Eternidade, 
Recebe-me a teu bordo!... Adeus, ó mundo!
 
                             VI

Já sinto da geada dos sepulcros
O pavoroso frio enregelar-me...
A campa vejo aberta, e lá do fundo
Um esqueleto em pé vejo a acenar-me...

Entremos. Deve haver nestes lugares
Mudança grave na mundana sorte;
Quem sempre a morte achou no lar da vida
Deve a vida encontrar no lar da morte.

Vamos. Adeus, ó mãe, irmãos, e amigos!
Adeus, terra, adeus, mares, adeus, céus!...
Adeus, que vou viagem de finados...
    Adeus... adeus... adeus!

Adeus, ó sol que, amigo iluminaste
Meu pobre berço com os raios teus...
Ilumina-me agora a sepultura: -
    Adeus, meu sol, adeus!

Florezinhas, que quando era menino
Tanto servistes aos brinquedos meus,
Vegetai, vegetai-me sobre a campa: -
    Adeus, flores, adeus!

Vós, cujo canto tanto me encantava,
Da madrugada alígeros orfeus,
Uma nênia cantai-me ao pôr da tarde:
    Passarinhos, adeus!

Vamos. Adeus ó mãe, irmãos, e amigos!
Adeus, terra, adeus, mares, adeus, céus!...
Adeus: que vou viagem de finados!...
    Adeus!... adeus!... adeus!