Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Acadêmicos > Guimarães Passos > Guimarães Passos

Guimarães Passos

ÉBRIO

Querem que eu ria, que o prazer alheio
Seja meu, que o partilhe e o acompanhe;
Que a ventura que banha aos outros, banhe
Meu negro peito de tristeza cheio.

Seja! Bradai; nenhum de vós estranhe
Mais nesta roda um rosto triste e feio;
Quero beber e rir, pois já não creio
Senão que existem males e champagne.

E uma taça após outra fui bebendo;
Sempre bebendo, vi dançar a mesa,
E os meus convivas fui desconhecendo.

Ébrio afinal, caí... mas não sozinho:
Comigo estavas, porque a natureza
Do meu amor embriaga mais que o vinho.

                                                              (Versos de um simples, 1891)

 

XXIII

Não, nunca saibas a verdade inteira
De minha vida triste e aventurosa,
Porque mais vale uma ilusão fagueira
Que uma realidade dolorosa.

Pensa de mim aquilo que não queira
A mais negra alma sobre si; ditosa
Ou indiferente, ou de qualquer maneira,
No meu estado desgraçado goza.

Faze de mim um péssimo conceito,
Esquece que eu existo e que meu peito
Pelo teu peito pulsa apaixonado.

Antes me odeies, e com dó profundo
Digas um’hora: porque veio ao mundo
Quem havia de ser tão desgraçado!
                                                              (Versos de um simples, 1891)

 

         NEL MEZZO DEL CAMIN...

Seguimos pelo escuro... De mansinho,
Pé aqui, pé ali, seguindo vamos.
Que importa o mundo, se nos adoramos,
Se o ódio humano não vale um teu carinho?

Mais nos unimos quanto mais andamos,
E tudo o que tu pensas adivinho.
Alumiam teus olhos o caminho
E mais seguimos e nos estreitamos.

Pelas trevas é tudo um mar de rosas.
Ai! Quem nos diz se a luz não nos aguarda
De improviso passagens perigosas!

Queres voltar? Hesitas? Desta sorte
Mais unidos sigamos e não tarda
Que eu ache a vida em sua própria morte.
                                                              (Versos de um simples, 1891)

 

LONGE

Longe de mim!... Só a amplidão vazia!
Sol, em que céu de bronze te escondeste?
Céu, porque assim tão baixo tu desceste
E esmagas-me se dó desta agonia?

Nem um adeus, ao menos me disseste;
Foste-te e eu, cego, já não tenho guia;
Meus olhos mais nem uma estrela fria
Verão, pois deles desapareceste.

Ah! nunca saibas meu pesar revendo
Tudo aquilo que vias quando estavas
Nos meus braços de medo e amor tremendo.

Longe de mim!... Por mais que chame e brade,
Apenas ouve as minhas vozes cavas
Esta saudade, esta imortal saudade!
                                                              (Versos de um simples, 1891)

 

PRISIONEIRO

Que era um pássaro apenas, me disseste,
Porém o nome dele tu ignoras,
Ouviste e ainda ouves vibrações sonoras,
Mas o doce cantor não conheceste.

Pensas em mim, e do tenor celeste
Escutas enlevada as sedutoras
Canções saudosas e comovedoras...
Que ave, perguntas, misteriosa é esta?

Que encantada harmonia, que doçura,
Que magoado cantar!... A todo o instante
Ouves esta garganta ardente e obscura.

Nunca a verás; não queiras vê-la, não!
Deixa que o meu amor oculto cante
N’áurea gaiola do teu coração.
                                                              (Versos de um simples, 1891)

 

XLI

Sonho que vou contigo ao reino augusto,
À encantada região da eterna glória,
E ante as ardentes vibrações da história,
Trêmulo, os passos triunfantes susto.

Não sei que clarins de ouro de vitória
Estalam no ar, enchendo-nos de susto,
E eu próprio vejo sobre um sol meu busto,
Enquanto os deuses louvam-me a memória.

O teu amor me conduziu a tanto;
Chego à maior de todas as alturas,
Vencendo os mais intérminos caminhos.

Desperto - e os olhos enchem-se de pranto:
Vejo, em vez de venturas, desventuras,
Em vez de louros, vejo só espinhos.

                                                              (Versos de um simples, 1891)

 

                         AOS FELIZES

                                                     A Henrique Silva

Pensais que invento penas por meu gosto,
Que em meus versos afeto sofrimento?
Néscios? Lede nas linhas do meu rosto,
E com verdade me dizei se invento.

Ride felizes, ride que o desgosto
Nunca deixou de vir; em breve o alento
Que hoje tendes tê-lo-eis como o sol posto:
Longe e brilhando apenas um momento.

“Mas, me direis, como te enganas! Ama,
Ama, que perderás essa tristeza,
Terás ventura, terás glória, fama...”

E eu, por vingar-me, sufocando o ai!
Do coração ferido, com firmeza,
Por meu turno respondo-vos - amai!
                                                              (Versos de um simples, 1891)

 

TEU LENÇO

Esse teu lenço que eu possuo e aperto
De encontro ao peito quando durmo, creio
Que hei de um dia mandar-t’o, pois roubei-o,
E foi meu crime, em breve, descoberto.
 
Luto, comtudo, a procurar quem certo
Possa nisto servir-me de correio;
Tu nem calculas qual o meu receio,
Se, em caminho, te fosse o lenço aberto...
 
Porém, ó minha vívida quimera!
Fita as bandas que habito, fita e espera,
Que, emfim, verás em trêmulos adejos,
 
Em cada ponta um beija-flor pegando,
Ir o teu lenço pelo espaço voando
Pando, enfunado, côncavo de beijos.
                                                              (Versos de um simples, 1891)

 

MORTE

És negra, és negra, dizem-me os felizes,
Dizem que ao ver-te o vulto atro e sombrio,
Gelam-se os corações, tamanho frio,
Serena, espalhas onde quer que pises. 

É que tu levas para um céu vazio,
Onde somente as dores tem raízes,
As esperança todas, e não dizes
Nada a quem fica, nem a quem partiu,

Anjo negro, terror da humanidade,
Morte, estilete que nos toca o fundo
D’alma, enchendo de mágoa e de saudade!

Morte, há no mundo tanta dor contida!
Que, tu, que findas todo o bem do mundo,
És a coisa melhor que há nesta vida.
                                                                (Horas mortas, 1901)

 

PARADOXO

Se encontrares alguém no teu caminho,
Que do teu pranto menoscabe, rindo,
Que te ouvindo gemer, teus ais ouvindo,
Quebre na face o rictus do escarninho;

Se encontrares alguém que, descobrindo
No recesso da tua alma íntimo espinho,
Em vez de dar-te fraternal carinho,
Aprofunde-te a dor que estás sentido;

Não te zangues com ele, não te zangue
O desgraçado riso que lhe vires;
Toca-lhe o peito – vê, poreja sangue;

Toca-o: verás que fementidos modos!
Sonda-o: verás, por tudo que lhe ouvires
Que ele é mais desgraçado que nós todos.

 

MEA CULPA

Não é tua alma o lírio imaculado,
Que à luz de uns olhos puros se levanta,
Pois não fulgura em teu olhar a santa
Chama, que brilha isenta do pecado.

Se o teu seio palpita apaixonado,
Se a voz do amor nos teus suspiros canta,
Não me ilude o queixume, que à garganta,
Quebras, para me ver mais desgraçado!

Eu bem sei quem tu és... Mas, que loucura
Arrasta-me a teus pés como um cativo!
Mostra-me o inferno a aberta sepultura:

E abraçado contigo, ó pecadora!
Eu desço-o tão feliz como se fora
Um justo ao claro céu subindo vivo.

 

NO EXÍLIO

Longe da terra pátria!... Os longos dias
Do exílio amargam, mas não há no mundo
Desgraçado tão grande que, no fundo,
Não encontre um prazer nas agonias.

Que o céu alheio aclara-me jucundo,
Se os teus olhos de mim já não desvias,
Se o calor do teu peito a cinzas frias
A saudade reduz em que me afundo!

Ouvir-te o coração apaixonado
Chegar-te aos lábios num prazer tamanho,
Compensa a dor ao mais desesperado.

Bendita a sorte que me uniu contigo:
Mostrou-me a Pátria um coração estranho,
Deste-me, estranha, um coração amigo!

                                                                 Buenos Aires.

 

                TU, SÓ TU...

A Estrela d’Alva desaparecia
Quando eu parti naquela madrugada,
E a doce aurora, tímida e rosada.
Das nuvens de ouro levantava o dia.

Numa palmeira, que no espaço abria
O verde leque, para o céu voltada.
Da áurea garganta uma ave apaixonada
Cavatinas alegres despedia.

Manhã tão linda: o prado um firmamento
Glauco e cheiroso, estrelas multicores,
O chão bordando num deslumbramento!

E eu vendo o campo, eu vendo o céu tranquilo,
Pensava em ti, dona das minhas dores;
Morta: só tu darias vida àquilo.