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Afonso d´E. Taunay

                 PEQUENA HISTÓRIA DO CAFÉ NO BRASIL

 

Iam-se atenuando, em 1872, os grandes sobressaltos pelos quais passara o País, com a grande campanha política do ano anterior, cujo desfecho fora a promulgação da lei da libertação dos nascituros.

As consequências da guerra do Paraguai, que obrigara o Brasil a tão penosos sacrifícios, faziam-se sentir, acentuadamente, sobre as finanças nacionais.

O grande sustentáculo do País, naquela terrível conjuntura, fora, sem dúvida alguma, o constante acréscimo da exportação cafeeira que, em 1870-1871, corresponderia a cinquenta por cento da produção nacional.

Incontrastável, a preponderância da zona cafeeira na economia do Império.

E, os resultados obtidos pela venda das safras permitiam ao governo pensar em comprimir o meio circulante, em sua política de constante vigilância, pelo alteamento das taxas cambiais.

Continuava a preponderância da exportação guanabarina. Às 152.048 sacas de 1822, contrapunham-se as 2.538.000 de 1871!

Era a situação cafeeira ótima. Processava-se animador rush de lavouras novas, a tal ponto que havia a maior escassez de braços, assinalando-se notável animação nos preços cafeeiros. Começava a cafeicultura paulista a tomar incremento digno da maior nota. E isto quando, no entanto, sofrera, em 1870, a terrível provação de uma geada descomunal, que aniquilara milhões de cafeeiros do oeste afastado. Em Santos, diariamente se avolumavam as transações cafeeiras e afirmava-se a independência comercial da grande praça paulista.

Ao mesmo tempo, notava-se a queda dos estoques pelo alargamento contínuo, e cada vez mais considerável, do consumo, quer na Europa quer, e sobretudo, nos Estados Unidos, onde o governo federal decretava a abolição dos direitos alfandegários sobre o grão.

Em 1873, ocorreu extraordinária alta das cotações: vinha compensar a diminuição sofrida pelas do algodão e do açúcar.

No último decênio, o quilo do café aumentaria de 25, o do açúcar baixaria de 10 e o algodão de 60 por cento. Em 1874, a população escrava do Brasil atingiu 1.380.000 almas, quando, em 1850, fora de dois milhões. Daquele número, mais da metade se concentrava nas três grandes circunscrições cafeeiras, onde o avanço dos trilhos das vias férreas proporcionava a abertura de grandes zonas novas às lavouras da rubiácea.

A estas condições eufóricas, determinadas pelos apelos do consumo, havia correspondido grande entusiasmo em prol de novas plantações.

Anunciara-se, para 1874-1875, a mais rica safra jamais colhida no Brasil. No primeiro semestre, rendeu ela 1.915.754 sacas.

Esperavam-se prodígios dos cafezais novos da terra roxa de S. Paulo.

Infelizmente, não se conformavam, ainda, os produtores do Brasil às justas exigências do comércio. A imensa maioria beneficiava mal seus cafés, afirmava peremptório um memorialista do tempo. Queixavam-se os consumidores do mau preparo brasileiro, do mau gosto do café do Império.

De 1874 a 1875, baixaram as cotações, não se verificando as previsões otimistas expendidas pelo Visconde do Rio Branco, no Parlamento.

O Barão de Cotegipe, ministro da Fazenda em 1876, exprimiu às câmaras a sua preocupação pelo estado em que se achavam as finanças nacionais. Decresciam as rendas públicas e era preciso pensar em coibir maior depressão, pelo lançamento de novas taxas.

Assim sugeriu, e entre outros remédios, a adoção do imposto territorial.

Eram, porém, ainda boas as condições da lavoura cafeeira. O Tesouro Nacional é que começava a sofrer as consequências do terrível sacrifício imposto pelos dispêndios forçados, decorrentes da grande seca do Nordeste.

Em 1876, acentuou-se a baixa cafeeira. Liquidações morosas haviam sido feitas, mas não se podia dizer que fossem prejudiciais. Andavam os mercados em estagnação e, no princípio do ano, pesados prejuízos couberam aos exportadores. Verdade é que, para o fim do exercício, haviam sido recuperados, pela melhoria dos preços.

Ocorreu uma crise europeia comercial, assaz séria, com muita diminuição de transações e acentuado mal-estar financeiro.

Em princípios de 1878, caiu a situação conservadora. E, com o gabinete de 5 de janeiro deste ano, presidido pelo futuro Visconde de Sinimbu, assumiu a pasta da Fazenda o Conselheiro Gaspar da Silveira Martins. Ao se inaugurar a sessão legislativa deste milésimo, pronunciou o novo titular das finanças do Império palavras pessimistas acerca da situação do país. Tornava-se indispensável o recurso a economias imperiosas.

Vira-se o governo coagido a aumentar o vulto da massa do papel-moeda em circulação.

Verdade é que tanto o comércio como a lavoura haviam acolhido bem tal decisão, pois reinava verdadeira fome de numerário. Resultados benéficos haviam sido os da providência governamental. Infelizmente, era má a situação cafeeira. Baixara, consideravelmente, o preço do gênero.

As despesas com os socorros aos flagelados pela seca do Nordeste continuavam a avultar, e o governo, cansado das imposições da praça de Londres, pensava em recorrer aos banqueiros de Nova York, pois os Estados Unidos, os grandes consumidores do café brasileiro, ofereciam sérias vantagens ao seu grande cliente.

Em 1879, foi Silveira Martins substituído pelo conselheiro Afonso Celso de Assis Figueiredo, futuro Visconde de Ouro Preto. Fez este ministro notar que o déficit do Império, no quinquênio de 1875-1880, fora de 193.143 contos de réis, dos quais 74.163 impostos pelo combate à seca.

Apesar dos preços em baixa, continuava o café a ser o esteio mestre da economia nacional.

O total do quinquênio referente à exportação fora de 3.995.585 sacas, quando no período anterior não passara de 3.349.479.

Encerrara-se o ano civil de 1878 sob muito maus auspícios, frisava o conselheiro Sousa Ferreira, no “Retrospecto Comercial” do Jornal do Comércio relativo a este ano.

Já 1877 correra mal e, entretanto, o ano imediato ainda pior fora.

Verdade é que a crise financeira que assolava o universo agravara-se sempre, desde 1873.

Reinava na Índia e na China o flagelo da fome, produzindo enorme restrição do consumo de artigos da indústria europeia. Haviam os grandes países invertido enormes capitais em obras colossais e prematuras, ainda não remuneradoras. A guerra balcânica turco-russa lançara enorme desassossego nos mercados e, por último, a política protecionista dos Estados Unidos trouxera grande perturbação.

Em relação ao Brasil, a restrição das importações fora funesta. Bastava lembrar que as comparas do café brasileiro haviam baixado trinta e três por cento, do que haviam sido em 1877!

Ao mesmo tempo, encarecera imenso o braço do trabalhador rural no Império. Subia, cada vez mais, o preço dos escravos e a corrente imigratória de operários, para a lavoura, era mínima.

Grande grita levantava-se dos meios fazendeiros. Em todos os tons se proclamava a míngua de braços, a escassez dos capitais e a deficiência dos transportes.

Um Congresso Agrícola reunido no Rio de Janeiro aventou uma série de medidas a serem tomadas pelos Poderes Públicos, medidas quase todas de difícil aplicação prática. Quando muito, se pôde realizar pequena diminuição nos fretes ferroviários.

A baixa do café, que tão nefasta se apresentava, explicava a diminuição da capacidade consumidora nos países estrangeiros afetados pela crise, as consequências do esmorecimento da indústria fabril mundial e a apreensão de guerras iminentes e de vastas proporções.

Desagradabilíssimo se mostrava, em geral, o aspecto dos negócios cafeeiros do Brasil, com o mercado desanimado, frouxo, sempre em baixa.

Mostravam-se os ensacadores desanimados. Só compravam o que poderiam vender, sem demora, aos exportadores. Ninguém mais pensava em avolumar estoques.

Não menos desanimados, os compradores para a exportação. Não recebiam das firmas de além-mar senão ordens e avisos, recomendando prudência e restrição de negócios. Jamais se vira situação tão desagradável nas praças brasileiras. Baixara o câmbio de 2,8% a 8,2% no primeiro e segundo semestre de 1878, e viera de 24 5/8 d. a 20 1/16. Mas caíra o café, muito mais, 11,7% no primeiro semestre, 26 no segundo! Os cafés superiores baixaram de 6.950 réis a 6.200; os de segunda, ordinários, de 4.800 a 2.750 réis.

Em seu relatório de 1878, analisou o Presidente do Conselho, futuro Visconde de Sinimbu, o que pudera perceber dos exames da crise agrícola cafeeira, sobretudo da ventilação de assuntos realizado pelo Congresso Agrícola.

Mostrava-se cético a propósito da resolução rápida da questão do braço rural, por meio da colonização europeia. Parecia-lhe que melhor seria recorrer o Brasil à imigração chinesa. A parceria era regime que o estado presente do Brasil não comportava ainda.

Quanto ao suprimento de capitais à lavoura, não via, no momento, como se poderia fazer na escala por ela reclamada, quando, justamente, tão dura crise financeira pesava sobre o mundo.

Em 1879, melhoraram as condições gerais do Brasil, sobretudo pelo novo alento vivificador dos mercados cafeeiros. A princípio, ainda se verificara maior depressão cambial, chegando o mil-réis a só valer 19 1/8 d. Mas, já em junho, começando a renascer a confiança, avultaram as transações, tornando-se o dinheiro mais procurado e firmando-se os títulos públicos. Nos Estados Unidos, operara-se rápida convalescença financeira, verificando-se notável incremento na importação do café brasileiro.

E o câmbio subira sempre no Brasil. Afinal, encerrou-se 1879 sob bons auspícios, malgrado uma depressão no fim do ano. Os estoques que a 1º de janeiro eram, no Rio de Janeiro, de 74.000 sacas, haviam subido, em 31 de dezembro, a 366.764.

Apesar desta melhoria relativa, era a situação da lavoura pouco satisfatória. À queda cafeeira acompanhava a cambial. E, longe se estava dos belíssimos preços da arroba, ainda em 1873, como se vê do quadro:

 Anos                    Preço médio por 10 k                Câmbio médio

 

1873                             9.191 rs                                  26   5/32

1874                             7.275 "                                   25   25/32

1875                             5.597 "                                   27   7/32

1876                             5.293 "                                   25  11/32

1877                             6.290 "                                   29   9/16

1878                             5.241 "                                   22  15/16

1879                             5.374 "                                   21    3/8

Em 1880, o Conselheiro José Antônio Saraiva, presidente do Conselho e ministro da Fazenda, apontava ao Parlamento o mau estado das finanças nacionais. No Brasil, como se arraigara a prática de se saldarem os déficits orçamentários por meio de operações de crédito.

Sacava-se, e muito, sobre o futuro do País.

Acentuava-se a baixa cambial, verdadeiro espectro dos homens do governo do Império, e Saraiva alegava às Câmaras que ela não tinha razão de ser. Estava em curso enorme colheita de café, já se achando armazenado grande estoque. O Banco do Brasil via muito prestigiadas as suas operações de crédito e o Tesouro Nacional não exercia pressão sobre as praças em matéria de cambiais.

Ao ver de Castro Carneiro, em sua reputada História financeira, as oscilações cambiais nasciam de operações do próprio governo, sacando o Tesouro sobre Londres quantias, por vezes, muito avultadas, que provocavam as baixas das taxas.

Os gabinetes que se seguiram ao de Saraiva, Martinho Campos e Paranaguá (1882), e Lafaiete R. Pereira  (1883), encontraram má situação cafeeira. Baixaram muito as cotações, a partir de 1879.

1880                             5.087 rs                                 22   3/32

1881                             4.123 "                                   21  29/32

1882                             3.303 "                                   25   5/32

 

                                                     (Pequena história do café no Brasil)

 

O TIETÊ, INSTRUMENTO DE PENETRAÇÃO DO BRASIL SUL OCIDENTAL

 

No conjunto das vias de penetração do Brasil meridional ignoto e selvagem, nenhuma tem tão longínqua significação quanto a que ao Tietê o mais notável realce empresta. Está o nome do grande rio de São Paulo indestrutivelmente ligado à história da construção territorial do nosso enorme Ocidente. Muito mais antiga a navegação frequente de suas águas do que a do São Francisco e do Amazonas. Inçado de obstáculos, entrecortado pelas barreiras das itaipavas e dos saltos, como que a Providência propositalmente lhe tornara áspero e penoso o vencimento do dilatado curso para manter exercitadas as qualidades de resistência e a capacidade de sofrimento dos seus navegadores rudes. Nele não se nota a placidez lacustre amazônica, permitindo a entrada e a livre marcha das esquadrilhas e das esquadras, por milhares de quilômetros adentro do Continente, nem os enormes trechos desimpedidos do São Francisco, do Paraná, do Uruguai, nem ainda a navegabilidade do Itapicuru ou do Parnaíba.

A cada passo barram-no longas corredeiras, obstruem-no grandes saltos intransponíveis às embarcações como os de Itu, Avanhandava e Itapura. Assim, ao Sertão e aos mistérios do centro sul-americano — defendeu o Tietê com toda a energia das águas a cada passo escachoantes. Foi o adversário digno de ser vencido por aqueles que o dominaram. Quando às suas maretas entregaram a sorte incerta as primeiras e toscas esquadrilhas dos devassadores do Sertão? As que lhe sulcaram as ondas e afrontaram as penedias? É o que ninguém sabe e, provavelmente, jamais se saberá. Imemorialmente navegado pelos índios do planalto, em demanda das terras do Paraguai, desceram pelas águas do velho rio de Anhembi os exploradores das primeiras décadas da descoberta e do povoamento do Campo de Piratininga. E a contracorrente os espanhóis do Paraguai como categoricamente afirmou o velho Rui Diaz de Guzmán em La Argentina, ao relatar que os castelhanos frequentemente chegavam ao Avanhandava, fato que Azara recordou e Eduardo Prado denegou sem lhe caber contudo plena razão. A exegese de Groussac em documentos castelhanos quinhentistas é a tal propósito categórica. Documento oficial cartográfico surge-nos o primeiro em 1628, quando o capitão-general do Paraguai, D. Luís de Céspedes y Xeria, empreende a passagem do porto que talvez seja o atual Porto Feliz, a Ciudad Real, sempre pelo Tietê e o Paraná. Saindo de São Paulo, partiu em demanda a um porto do grande caudal, onde a navegação começasse a ser mais franca. Dezenove dias levou a descer o Tietê até a barra, no Paraná.

E em relatório a Filipe IV descreveu os perigos vencidos nas corredeiras e o trabalho da varação dos canoões nos saltos do Avanhandava e de Itapura assim como “la abundancia de pescado, y la grandísima suma de caza de tigres, leones (sic), y muchísimas antas”. Da jornada deixou uma “topografia”, como no tempo se chamava, uma das maiores preciosidades, certamente, do Arquivo General de Índias, em Sevilha. É talvez o mais antigo mapa de penetração do Brasil, até agora divulgado, e tem inestimável valor evocativo.

Com grande júbilo o destacamos e divulgamos e nele se estampa o primeiro documento iconográfico da vila de São Paulo do Campo de Piratininga, o tosco desenho que retrata a sede de sua municipalidade, de sua Câmera como se dizia no tempo e como ainda dizem os que refletem as vozes ancestrais. Por ele se vê que os nomes de vários dos maiores rios do sistema paraniano eram os mesmos naquela época longínqua.

Pelas águas do Tietê cada vez mais frequentes desceram as bandeiras cativadoras de índios e prospectoras de ouro. Provavelmente por elas também navegaram os nossos primeiros devassadores da selva mato-grossense e escaladores dos Andes, os sertanistas, outros obscuros “cujas ações heroicas a lima do tempo consumiu”, na frase do velho cronista que lhes celebrou os feitos. Avoluma-se o movimento para o Oeste misterioso com o decorrer dos anos seiscentistas. Pelo Tietê descem os últimos grandes acossadores de índios e destruidores de reduções jesuítas.

E é por ele que corre às terras do Sul mato-grossense o grande sorocabano Pascoal Moreira Cabral Leme, mais tarde descobridor do Cuiabá e apossador definitivo, para a coroa lusitana, da imensa região central lindeira dos castelhanos do Peru. Escoam-se os últimos anos da centúria seiscentista e encerra-se, para os paulistas, a era da caça ao índio, o período cruel dos devassadores. Reboa, de repente, estrepitoso grito de descoberta: as duas sílabas de palavra que é dos maiores desencadeadores dos sentimentos humanos: Ouro! Ouro! Revela-se o primeiro Eldorado brasileiro, o dos Cataguases, depois território das Minas Gerais do Ouro de São Paulo. Fazem-se mineradores os grandes descedores de índios e o âmago do Brasil é atingido pelas bandeiras, na ânsia do metal. Acodem os ultramarinos aos milhares, para compartilhar das descobertas dos paulistas. Dá-se o primeiro grande e fatal embate da corrente nacionalista com a prepotência dos reinóis. Em massa abandonam os filhos de São Paulo as terras das minas de sua Capitania aos contrários, apoiados na parcialidade dos compatriotas, detentores da autoridade. É imensa, porém, a terra do Brasil e os paulistas, acostumados a fazer mais do que promete a força humana, hão de descobrir novos Eldorados.

Surge em 1719 a notícia do encontro do segundo deles, por Pascoal Moreira Cabral e seus companheiros ilustres. As novas da “fertilidade” das minas do Cuiabá alucinam as populações. Terra do ouro onde tão vil é o metal que os descobridores, a passarinhar, atiram com os grãos amarelos, para poupar chumbo! As notícias aos mais calmos estarrecem... Dá-se colossal rush pelas águas do Rio das Entradas e Pedro Taques conta-nos as misérias indescritíveis de muitas destas esquadrilhas, organizadas às pressas e a esmo, para vencer o deserto aspérrimo, nelas embarcando indivíduos de todas as categorias: aventureiros e burgueses afortunados e colocados, civis, militares, eclesiásticos.

As febres, a fome, os naufrágios, os índios exterminam expedições inteiras. Não tardam, porém, providências régias para a organização das novas terras doadas à monarquia lusitana, pelo bandeirantismo. Pelos rios vai Rodrigo César de Meneses, a Cuiabá, instituir os primórdios daquilo que, em 1748, servirá ao estabelecimento da nova capitania mato-grossense.

Base de todo este novo surto de exploração constituiu-se o remansoso local da penedia onde, segundo os índios, vinham as araras amolar os férreos e aduncos bicos, essa Araraitaguaba, de tão prestigiosa rememoração em nossos fastos.

Núcleo de bandeirantes, de sertanistas, já em 1728 cria-se freguesia. Enceta-se então a era das monções regulares. Continuam, Tietê abaixo, as navegações instigadas pela fama das “grandezas do Cuiabá”. A todos alvorota a chegada do primeiro ouro, os quintos reais avidamente cobiçados pelo rei pródigo e brevemente Fidelíssimo.

Nada faz diminuir o afluxo dos imigrantes! Nem as mais sinistras notícias do extermínio de expedições inteiras pelos terríveis canoeiros e cavaleiros, paiaguás e guaicurus. Nem o anúncio das pestes, das carneiradas, e das temerosas fomes do Cuiabá, onde, desvairados pela ânsia do ouro, nenhum mineiro planta, e onde, mais uma vez, se realiza o que a mitologia grega de simbolismo sempre poderoso, concretiza na imagem de Midas, morrendo de inanição à margem do Pactolo.

Continua o afluir de gente e este povoamento de Mato Grosso é, talvez, a mais evidente demonstração da energia do aventureirismo paulista. Que distância imensa a vencer! E que viagem temerosa esta de Araraitaguaba às margens do Coxipó!

No entanto, aos espanhóis do Paraguai, que lhes custava atingir aquelas paragens, se nada mais tinham do que subir uma série de correntes plácidas sem um único acidente que lhes interrompesse a viagem, como com tanta propriedade recorda Southey? Não é bem assim! Havia os paiaguás e os guaicurus; isto bastou para lhes vedar o acesso do Alto Paraguai.

Caem em declínio as minas de Cuiabá e escasseiam as monções, mas nem por isto deixa a navegação do Tietê de existir, pois jamais recuaram as quinas, chantadas pelos paulistas, às margens do Paraguai e do Guaporé. E legitimadas graças à ciência e à argúcia do seu patrício, o filho de Santos, a quem imortalizou o Tratado das Cortes.

 

                           (História geral das bandeiras paulistas, Tomo II)