Notícias do Acadêmico Antonio Carlos Secchin
Publicada em 25/05/2010
Publicada em 25/05/2010
Publicada em 20/05/2010
Publicada em 08/03/2010
Publicada em 04/03/2010
Do ano passado para cá, o setor canoro das árvores, aqui na ilha, sofreu importantes alterações. Aguinaldo, o sabiá titular e decano da mangueira, terminou por falecer, como se vinha temendo. Embora nunca tenha se aposentado, já mostrava sinais de cansaço e era cada vez mais substituído, tanto nos saraus matutinos quanto nos vespertinos, pelo sabiá-tenor Armando Carlos, então grande promessa jovem do bel canto no Recôncavo. Morreu de velho, cercado pela admiração da coletividade, pois pouco se ouviram, em toda a nossa longa história, timbre e afinação tão maviosos, além de um repertório de árias incriticável, bem como diversas canções românticas. A esta altura, certamente já faz companhia a Francisco Alves, Orlando Silva e Nélson Gonçalves, musicando as tardes dos anjos lá no céu.
A vocação cívica aqui de Itaparica é sobejamente conhecida de todos, mas está sempre surpreendendo por sua intensidade. À primeira vista, o viajante nada perceberá, na névoa da madrugada que encobre delicadamente a Rua Direita ainda deserta, as pedras umedecidas do chuvisco que regou as plantas antes do amanhecer, o silêncio só quebrado pela algazarra da passarada. Talvez um jeguinho em seu passeio matinal antes de pegar no batente, talvez alguém indo assistir ao nascer do sol em cima do cais, tudo quieto e sossegado, como deve ser a venerável vila onde a história do Brasil começou.
– Esse clima de festa de fim de ano não te deixa meio deprê, não? Acho que mais triste que eu só o peru do Natal.
Às vezes eu acho que nós, brasileiros, temos razão em manter nosso tradicional complexo de inferioridade, achando que tudo do famoso Primeiro Mundo é melhor do que aqui, a começar pela aparência e a terminar pela língua. É quando constato que somos atrasados mesmo, triste verdade. Somente um povo atrasado é que ia dedicar, como dedicou, espaço e tempo a comentar indignadamente e rechaçar com veemência uma piada que o ator Robin Williams fez num programa de tevê americano. Deve ser o único lugar do mundo onde isso acontece em relação a algo dito por Robin Williams, que os próprios americanos nem ouviram dá uma vergonhazinha.
Não posso considerar-me devoto dela, mas, antes de mais nada, desejo homenagear a santa de hoje, a piedosíssima Santa Luzia. É a protetora dos deficientes visuais e, pelo Brasil afora, muitas cidades e paróquias estão fazendo festa para ela. Todo ano, em Salvador, formam-se filas diante da fonte dela, porque lavar os olhos em sua água é perspectiva certa de cura. Em Itaparica, o Mercado Municipal, não por acaso, tem seu nome. Perde-se a conta dos milagres e graças atribuídos a ela na ilha, dentre os quais seleciono apenas um exemplo, somente para vocês terem uma ideia que talvez os convença a procurar sem demora seus santos padroeiros, até porque o que vou narrar abaixo envolveu a ação simultânea de dois santos.
Aqui na ilha, verdade seja dita, o Natal nunca foi dos mais famosos. Há até quem sustente que Papai Noel não aparece por cá porque não confia no ferrobote (no original, ferryboat, mas o pessoal acha que o nome é por causa do ferro que ela dá na gente, logo o correto é isso mesmo), ou se recusa a pagar um absurdo para atravessar a baía apenas com um trenó velho e alguns animais aveadados. Contam-me também, não sei se é fato, que a tentativa de promover um Natal de amigo oculto não deu certo, até porque a maior parte entendeu mal a brincadeira e se escondeu o Natal inteiro, sem dar nem receber presente, tendo no fim achado a ideia tão besta que ninguém quis mais nem discutir a realização de outra festa de amigo oculto.
Aqui na ilha, o problema da corrupção nunca foi muito grave. Os maledicentes, despeitados e invejosos, que não engolem a verdade patente de que Itaparica é a rainha do Recôncavo Baiano, tentam tirar-lhe mais esse galardão, alegando que nunca furtaram dinheiro público aqui porque aqui nunca houve dinheiro público para furtar e muito menos privado. Esquecem-se eles até mesmo dos inúmeros períodos faustosos de nossa história, dos quais o mais recente talvez tenha sido o dos petroleiros, no tempo em que produzíamos petróleo. Os petroleiros eram ricos milionários e me lembro de Zenóbio Merdinha (assim alcunhado por causa de um episódio de infância, que melhor estaria se olvidado, até porque Zenóbio sempre foi um cidadão exemplar) mandando botar luz fluorescente na casa toda, inclusive na fachada, a ponto de ter sido veiculada a notícia de que a Marinha ia usá-la como farol. E muitas mais dessas fases esplendorosas eu poderia enumerar, se não corresse o risco de abusar do leitor.
Olho para o relógio e estranho o que vejo. Por hábito muito pontual, meu amigo já estava atrasado mais de dez minutos, Da primeira vez em que telefonei, chamava e ninguém atendia. Imaginei então que ele estivesse a caminho, o que lhe tomaria uns dois minutos adicionais. Mas ele demorou ainda mais. Novos telefonemas e nada. Talvez eu devesse dar um telefonema final e, como determinam as boas normas entre coroas, dos quais volta e meia um cai duro para trás, verificar pessoalmente o que se passava. Não sem um pequeno suspense, esperei o telefone tocar e somente no quarto toque ele atendeu.
Esta vida airada de saltimbanco das letras ainda me mata. Quando comecei a perpetrar meus livros, os escritores apenas escreviam. Hoje – é o que penso resignadamente, enquanto afivelo o cinto e observo os letreiros de “não fumar” -, há períodos em que o escritor trabalha como funcionário do departamento de vendas da editora e, nesse esforçado mister, às vezes viaja tanto que volta e meia, ao despertar num aposento estranho, leva um certo tempo para descobrir em que cidade está. E eis-me de volta a um avião.
Dá gosto ver como velam e zelam por nós. Faz uns dias, de passagem pelo aeroporto de Congonhas, pude observar como um policiamento atentíssimo garantia inteira proteção contra os males do tabaco. Os infelizes que ainda persistiam no feio vício eram obrigados a sair para o ar livre. Se achassem que já estavam ao ar livre e não notavam que um pedaço de marquise os cobria a vários metros de altura, um policial os repreendia com polidez e fazia ver que debaixo de marquise não era ar livre, pelo menos juridicamente. E, assim, não deixava de ser objeto de uma boa foto a visão de uma porção de gente olhando para cima para checar a marquise, e se postando a um passo de sua margem exterior, para só então acender os cigarros.