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Uma Sherazade entre dois mundos

 

Canal Brasil mostra como a ascendência galega de Nélida Piñon influenciou sua literatura

Nina Atalla

A imaginação tem espaço reservado dentro de todos, mas é no universo do escritor que ela é mais exercitada, que adquire um contingente de imortalidade e passa a fazer parte de uma memória universal. É disso que, no final das contas, fala o documentário Nélida Piñon – Sherazade na Galícia, realizado pela Ibisa TV, emissora de televisão espanhola.

A produção inédita, que contempla a vida e a obra da escritora brasileira, ganha hospedagem no programa Retratos brasileiros, do Canal Brasil, hoje, às 17h (horário local). Com direção de Valentín Carrera, o programa, que teve locação no Rio de Janeiro e na Galícia, mostra, além dos depoimentos da escritora, leitura de trechos de seus romances.

Filha de espanhóis, Nélida mudou com a família para uma aldeia da Galícia chamada Bolera quando tinha 10 anos, onde permaneceu por mais dois. Ao longo de sua vida, lançou 19 livros, mas foi em A república dos sonhos que reafirmou definitivamente os laços com suas raízes galegas.

A história do romance gira em torno do personagem Madruga, um jovem camponês que deixa sua terra para embarcar num navio rumo ao Rio de Janeiro. Décadas depois, a neta vai tentar juntar os fragmentos da história da família. A incursão pelo passado identifica aspectos culturais galegos e brasileiros, puxando a escritora para sua casa de origem e oferecendo um panorama de como a história do Brasil foi influenciada pelos emigrantes.

As ligações com a cultura ibero-americana, rabiscadas com esmero pela escritora nesse e em outros livros, lhe renderam o prêmio Príncipe das Astúrias de Literatura, um dos mais importantes do mundo na área e que, até então, nunca havia sido concedido a um escritor da América Latina. É desseponto que parte o documentário – do seu discurso ao receber a homenagem. Logo se vê a substância da fala de Nélida, que transcorre sobre seus eternos e inesgotáveis temas.

Com um tom vibrante que equilibra epifania e sabedoria, revela alguns dos desdobramentos da sua experiência de “estrangeira” e de escritora. Ela fala de como é impossível ser moderna sem ser arcaica ou então, de como o retorno para a casa é inevitável: “A condição humana obriga-me sempre a retornar aos lugares de onde parti, mesmo que nunca os tivesse visitado”.

Quando traz à tona a relação com a escrita, sobram alguns “causos” divertidos para o espectador, principalmente porque a certeza de que a palavra seria sua matéria a perseguiu desde bem cedo, e é na infância que se mantém as mais inventivas e irônicas ilusões. Conta que a vontade de ser escritora veio porque pensava que as histórias dos livros tinham sido, de fato, vividas pelo autor.

O universo de Nélida é uma estante cheia de idéias complexas. diz não acreditar em divisões. Não sente a separações entre a cultura galega e a cultura brasileira e prega que a ficção não é o oposto da realidade – o que justifica dizendo que a história da realidade humana é também inventada. No Brasil, ela tem a trajetória de uma notável, literalmente.

Foi a quarta mulher a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, em 1990, e sete anos depois se tornou a primeira e única mulher, até agora, a ocupar o cargo de presidente da ABL, fato que se deu justamente na época que a instituição faria seu aniversário de um século.

Correio da Bahia (BA) 13/1/2008

13/01/2008 - Atualizada em 13/01/2008