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Um Machado de Assis subterrâneo, impiedoso com os seus personagens

 

Prosa nas Livrarias, na Travessa, debate diferentes aspectos da obra do autor

Em encontro da série Prosa nas Livrarias, na noite de anteontem na Travessa do Shopping Leblon, o embaixador e acadêmico Alberto da Costa e Silva provocou suspiros de espanto na pIatéia ao apresentar a visão do crítico Augusto Meyer (1902-1970) sobre Machado de Assis, cuja obra, celebrada neste centenário de sua morte, era o tema do debate. De acordo com Costa e Silva, Meyer mostrou que Machado era um escritor subterrâneo, amargo e que nutria sentimentos de ódio e horror a ponto de escaIpeIar seus personagens meticulosamente, até revelar suas vísceras, como se fosse um açougueiro.

- Augusto Meyer nos ensinou uma nova maneira de ler Machado. Ele se dedica não ao homem, mas ao autor de livros - afirmou Costa e Silva, autor do prefácio do clássico livro de ensaios de Meyer (“Machado de Assis - 1935-1958), que está sendo reeditado pela editora José OIympio.

Um poeta versátil, longe de ser bissexto

Costa e Silva foi um dos três convidados do Prosa nas Livrarias, ao lado do também embaixador e acadêmico Sergio Paulo Rouanet, que coordena o volume com a correspondência completa de Machado, e do poeta Cláudio Murilo Leal, que organizou "Toda poesia de Machado de Assis", lançado neste ano do centenário pela editora Record. O encontro foi mediado pela jornalista RacheI Bertol. A platéia Iotou os dois espaços reservados pela Livraria da Travessa: a sala, no mezanino, onde os palestrantes conversaram com o público, e o espaço onde havia um telão que retransmitia o debate.

Sergio Paulo Rouanet lembrou que das cartas emerge um Machado que em sua juventude era alegre - nada subterrâneo -, e participava ativamente do seu tempo. O primeiro volume da correspondência será publicado no segundo semestre, pela editora da Academia Brasileira de Letras.

Cláudio Murllo Leal, ao apresentar características da poesia de Machado de Assis, lembrou que o escritor está longe de ser "um poeta bissexto", como muitos dizem, e escreveu poemas líricos e filosóficos, muitos com teor narrativo. Também leu poemas, como o clássico "Carolina", que Machado fez em homenagem a sua mulher, e arrancou aplausos da platéia. Segundo Cláudio Murilo, se no começo da carreira Machado ensaiou versos românticos, mais tarde já se identificava com o parnasianismo.

Costa e Silva, especialista em África e assuntos relativos à escravidão, lembrou que Machado de Assis nunca enfrentou dificuldades por ser mulato. A situação do negro alforriado na sociedade escravocrata, em sua opinião, era melhor que a dos negros hoje em dia. Rouanet comentou que muitas outras personalidades contemporâneas de Machado, como Olavo Bilac e Rui Barbosa, tinham ascendência negra, mas ninguém "se lembra de Bilac como mulato", observou. Segundo Rouanet, só com Machado há uma espécie de cobrança no que se refere a sua cor.

O Prosa nas Livrarias é realizado periodicamente pelo Prosa & Verso em parceria com livrarias e editoras, com o objetivo de difundir o livro e o hábito da leitura.

O Globo (RJ) 19/6/2008

23/06/2008 - Atualizada em 22/06/2008