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Quando a paixão pelo saber vem antes de tudo

 

Marcelo Bebiano

Membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), casa que presidiu por dois mandatos consecutivos, em 1998 e 1999, professor, jornalista e doutor em Educação pela Uerj, Arnaldo Niskier, de 73 anos, foi biografado pelo escritor José Louzeiro em "Luzes da consagração - Vida e obra do educador, escritor e acadêmico Arnaldo Niskier", publicado pela Editora Europa, com orelhas de Jorge Amado, Josué Montello, José Sarney, R. Magalhães Jr., Nelson Rodrigues, almirante Álvaro Alberto e Carlos Heitor Cony.

A obra destaca a educação como forma de ascensão social, principalmente devido à infância pobre do acadêmico e as dificuldades financeiras do então menino de Pilares, subúrbio do Rio. Depois de uma infância pobre e dedicação permanente aos estudos, já aos 33 anos, Arnaldo Niskier era secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro e, em seguida, secretário de Educação e Cultura.

Por isso, o acadêmico critica a falta de empenho em remunerar adequadamente os professores. "Eles são mal preparados e pessimamente remunerados". Para Niskier, existe muita discussão sobre o assunto. E pouca ação. "Muita teoria, seminários e conferências oficiais, mas sem chegar ao verdadeiro nó da questão. Aqui se fala muito e se faz pouco", afirmou.

E, ainda por cima, por vezes, as próprias políticas públicas para o setor são desastradas. Niskier acredita que é um equívoco a atual campanha do Ministério da Educação (MEC) em avançar nos recursos do Senac, Senai, Sesc e Sesi, que, segundo ele, realizam notável trabalho. Ele acredita que é fundamental facilitar o acesso aos livros, principalmente para as crianças e jovens, para formar novas gerações de leitores.

O acadêmico considera que o esporte deve ser incentivado nas escolas. "A educação se completa com a prática esportiva", disse ele que, ao longo da vida, nunca descuidou dos cuidados com o aspecto físico. Membro fundador da Academia Brasileira de Educação, Niskier destaca que o livro registra a atitude de Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, segunda mulher de Guimarães Rosa, e do próprio Rosa, salvando judeus que desejavam emigrar para o Brasil, o que havia sido proibido pelo governo Vargas. Guimarães Rosa era cônsul-adjunto do Brasil em Hamburgo, na Alemanha, e Aracy, com o apoio do marido, fornecia vistos para que os judeus perseguidos viessem morar no Brasil. Eis a entrevista:

O sr. tem 23 livros infantis publicados e outros 70 para jovens e adultos. Que tal a sensação de, agora, o sr. próprio ser o tema central de uma obra biográfica?

É uma sensação muito especial. Virar personagem principal de um livro nunca esteve nas minhas cogitações. O trabalho escrito pelo José Louzeiro é extremamente bem construído – e penso que atrairá muita atenção. Muitas pessoas no Brasil passaram pelas mesmas vicissitudes.

Em qual situação sente-se mais confortável? Como escritor ou personagem?

Prefiro mil vezes ser escritor. Assim eu coloco em xeque a vida dos outros e não a minha.

Qual passagem considera mais marcante nesta obra?

Penso que a parte principal da obra é a figura da minha mãe Fany. O escritor José Louzeiro fez-lhe justiça, como a verdadeira heroína que foi, cuidando com carinho e competência de cinco filhos, deixando todos formados e com as famílias bem constituídas. Um dos aspectos marcantes de sua vida é o interesse pelo conhecimento.

Esse foi um aspecto estimulado por seus pais. E foi também marcante para a formação de sua personalidade de educador?

A família Niskier, desde as suas origens, na Polônia, sempre teve compromisso com a cultura. Meus ancestrais, muitos deles, eram estudiosos especialmente da Torá, em que está toda a doutrina judaica. Considero que o meu interesse pelo conhecimento seja atávico, fruto de DNA mesmo. Com um pormenor importante: apesar de todas as dificuldades materiais enfrentadas na infância e na adolescência, jamais deixei de ser o primeiro aluno das turmas que freqüentei. Sempre fui muito estudioso.

Como procurou transmitir essa paixão pelo conhecimento a seus filhos? Como vê as críticas de que muitos pais, infelizmente, têm delegado essa função somente à escola, inclusive sobrecarregando os professores?

Sou dos educadores que entendem ser a educação um dever compartilhado de pais e professores. A educação é dada no lar e na escola, como já se afirmou na Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB). A paixão pelo conhecimento é transmitida aos meus três filhos e seis netas, com o apreço permanente pelo estudo e a leitura. Sempre afirmei aos meus descendentes que o livro era "boca livre". Eles poderiam comprar o que quisessem nas livrarias. O "velho" pagava...

O esporte sempre ocupou espaço de destaque na sua infância e adolescência. Vemos muitos exemplos de esportistas que, seduzidos pela prática, acabam por largar os estudos. O sr. chegou a viver este conflito?

Vivi um conflito muito grande entre o esporte e o trabalho. Cheguei a treinar nos juvenis do América Futebol Club, com sede na Rua Campos Sales, na Tijuca, quando o treinador era o Seu Freitas, o mesmo que lançou o tetracampeão mundial pela Seleção Brasileira de Futebol, Mário Jorge Lobo Zagallo, o nosso Zagallo. Eu era titular da ponta esquerda. O drama é que os treinamentos se faziam à tarde. Eu já trabalhava na Manchete Esportiva, como ganha-pão. Um dia, o Augusto Rodrigues, diretor, me chamou delicadamente e pediu que fizesse a opção: futebol ou jornalismo. Fiquei com o segundo, inclusive por necessidade de sobrevivência. Quanto aos estudos, nunca diminuí o ritmo do meu interesse. Sabia que ali estava o meu futuro.

Em que medida a prática esportiva e a educação se complementam? A escola brasileira tem conseguido bons resultados nesta combinação?

A combinação correta vem da Grécia: "Mens sana in corpore sano." Mente sã em corpo são. A educação se completa com a prática esportiva. Nem todas as escolas têm condição de cumprir o que entendo ser um binômio indispensável, na correta formação do indivíduo.

Sua história, em boa parte, foi também vivida por muitos brasileiros que encontraram na educação um caminho para a transformação. Nesse sentido, acredita que exista saída para o país que não passe pelos bancos escolares?

Não. Todos os países desenvolvidos do mundo alcançaram seus bons resultados graças à compreensão da prioridade estratégica dada à educação. Não é assim na Finlândia, por exemplo?

Um dos ideais é a criação de uma escola de massa e de qualidade. É possível pensar concretamente nesta conquista no Brasil, ou isso não passa de uma utopia?

Cada coisa no seu lugar. Precisamos de uma educação pública ampla e democrática, ou seja, sem distinção de qualquer natureza. É claro que o ideal seria que todas as escolas, espalhadas pelos diferentes rincões brasileiros, tivessem padrões de excelência dos quais estamos divorciados. Isso porque há uma falha essencial nesse processo: os professores são mal preparados e pessimamente remunerados. Qual o milagre que se espera? Discute-se tanta teoria, seminários e conferências oficiais, mas sem chegar ao verdadeiro nó da questão.

Como, então, desatar esse nó?

Na verdade, para melhorar o nível dos professores é necessário promover treinamento maciço, utilizando as tecnologias educacionais, como o ensino a distância. Para isso, seria correto usar a TV pública. Esta atitude justificaria a existência da TV Brasil e de outras estatais. Esse é o papel das emissoras educativas - e não tentar concorrer com as TVs comerciais. No Brasil se fala muito e se faz pouco. E, muitas vezes, com o enfoque equivocado, como a atual campanha do Ministério da Educação (MEC) de avançar nos recursos do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial  V(Senai), do Serviço Social do Comércio (Sesc) e do Serviço Social da Indústria (Sesi), que realizam notável trabalho. O MEC deveria baixar em outro terreiro.

Que tipo de interferência o MEC propõe e qual o valor arrecadado pelo Sistema S?

O Sistema S recebe R$8 bilhões por ano e essa verba é resultante de um desconto de 2,5% na folha de pagamento das empresas. Um trabalho antigo e muito relevante que objetiva cumprir missão fundamental nas áreas social, educacional e cultural. Portanto, há um grande equívoco do ministro da Educação, Fernando Haddad, que deseja ter ingerência sobre esses recursos. Inclusive, ele afirmou recentemente que esse dinheiro é da sociedade. Outra opinião nesse sentido foi do ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu. Ele disse que essa verba é pública. Porém, esses recursos são privados. São pessoas que pertencem ou pertenceram ao atual governo federal e que estão completamente desinformadas. Na verdade, o MEC deveria se preocupar com a qualidade da educação em todos os níveis. Mas, se existe este desejo tão grande do governo de se aproximar das empresas isso poderia ser feito em outros termos. Seria possível pensar uma grande parceria com a criação do Programa Nacional de Educação Profissional.

De que consistiria esse programa?

O objetivo seria ampliar o número de vagas existentes no ensino profissional. A forma dependeria de um acordo entre empresas e governo.

O livro explora também a situação do povo judeu, um dos mais perseguidos do século passado, em especial durante a Segunda Guerra Mundial. Qual o impacto dessa situação histórica em sua formação? Enfrentou preconceitos ou dificuldades no Brasil devido ao fato de ser judeu?

O Brasil é um país livre. Preconceitos são residuais, episódicos, não constituem política oficial, nem a vontade do povo. Nunca senti qualquer tipo de pressão descabida pelo fato de ser judeu brasileiro, condição da qual me orgulho muito. Até porque é incrivelmente numerosa, na sociedade brasileira, a presença de cristãos-novos, vítimas da Inquisição.

Se pudesse, gostaria de reescrever alguma passagem da sua vida? Se arrepende de alguma opção feita ou decisão tomada? Por que? Quais seriam elas?

Não tenho arrependimento de nada. Se pudesse, teria feito ainda mais pela educação do meu estado e do meu país. Você não tem idéia do prazer que é lembrar as 88 escolas que inaugurei, no período 1979-1983, quando fui secretário de Educação e Cultura do Rio de Janeiro, no Governo Chagas Freitas. Ou poder dizer aos mais novos que o Planetário da Gávea saiu da minha cabeça – e assim o inaugurei, em 1970. Isso é muito importante, sobretudo para mim.

Após muitas passagens por cargos privados e públicos na área de educação, o sr. agora está à frente do Ciee-Rio. O que o motiva a manter-se ativo e a aceitar esses desafios?

Aceitei a incumbência de presidir o Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee/Rio) porque é uma respeitável entidade filantrópica, que só faz bem ao País. Atende hoje a 23 mil estagiários e centenas de aprendizes, todos felizes com o seu primeiro emprego. Trabalhar de graça é uma bênção, quando se faz o que se gosta. O que me mantém ativo é o excelente estado de saúde de que disponho. Faço ginástica três vezes por semana, o meu passado de atleta, onde ganhei 56 medalhas, e a vontade permanente de lutar pelos meus ideais.

A obra de José Louzeiro traça sua trajetória, desde a infância até os dias atuais. O que há ainda por vir na vida de Arnaldo Niskier? Quais serão as próximas páginas do livro de sua vida?

Quando fizer 80 anos, pretendo escrever eu mesmo a minha biografia. Espero que haja condições para acrescentar ainda boas realizações, com a certeza absoluta de que, como membro da Academia Brasileira de Letras, devo seguir escrevendo livros sobre educação e/ou cultura. Agora mesmo, estou empenhado na adaptação do conto "O alienista", de Machado de Assis, com ilustrações de Mário Mendonça, para editar ainda este ano. E estou atualizando o livro "500 anos de história da educação brasileira", um dos mais vendidos da minha carreira de escritor.

Folha Dirigida (RJ) 3/6/2008

04/06/2008 - Atualizada em 03/06/2008