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O Acordo na ponta da língua

 

Em entrevista ao Jornal do Brasil o Acadêmico Arnaldo Niskier diz que educação é questão de segurança nacional.

Mal foi decretado, o Acordo Ortográfico, que padroniza a ortografia entre os países lusófonos, já provoca dúvidas. Como usar o hífen agora? E as paroxítonas com ditongos abertos? O brasileiro, que durante anos penou para escrever certo pelas regras antigas, terá quatro anos para se adaptar à reforma. Até lá, nada melhor do que aprender com quem entende do assunto. O jornalista, professor, escritor carioca e Acadêmico Arnaldo Niskier estréia a coluna semanal "Na ponta da língua" na revista Domingo do Jornal do Brasil, prometendo, com humor e ironia, guiar os leitores nos caminhos recém-abertos pela reforma e tirar dúvidas freqüentes do idioma.

Membro há 25 anos da Academia Brasileira de Letras e da Academia das Ciências de Lisboa, Niskier vai simplificar o emprego das nossas regras, contemplando as suas inovações. Longe do que alguns escritores portugueses chamam de "bizarrices", pretende provar que a língua portuguesa, unificada ortograficamente, pode se tornar mais forte estrategicamente.

O senhor acredita que uma revista é um veículo importante para criar um fórum informal de debate da língua?

Não tenho a menor dúvida de que isso acontecerá. A Academia Brasileira de Letras, desde sua fundação, há mais de 100 anos, tem no artigo primeiro do seu estatuto pétreo a obrigação de zelar pela língua portuguesa. É claro que a Academia não pode fazer tudo sozinha. Ela depende de outros apoios, como o das comunicações de massas, que é essencial.

Faltam mais espaços como este na grande imprensa?

A língua portuguesa é extremamente difícil e é muito importante que a grande imprensa esteja envolvida na divulgação das suas inovações. O ideal seria que fosse uma sessão obrigatória em todos os jornais. Mas como isso não é possível, louve-se o Jornal do Brasil pela iniciativa.

As regras do Acordo Ortográfico foram pouco divulgadas pelos meios de comunicação, apesar da discussão em torno do assunto. Como será o espaço semanal para questões referentes às mudanças na ortografia?

O propósito da coluna é exatamente o de colaborar na divulgação do Acordo Ortográfico de unificação da língua portuguesa. A sociedade lusófona será grata a esse grande esforço jornalístico e estratégico.

Como professor e acadêmico, quais as dúvidas mais freqüentes que chegam ao senhor em relação ao Acordo Ortográfico? Quanto tempo levarão os brasileiros para se acostumar às mudanças?

A tragédia anunciada hoje refere-se ao hífen. Pode-se afirmar que é uma solução que ainda dará muito trabalho para ser devidadamente aprendida. Considero que a implementação do Acordo pode ser um excelente pretexto para animar os nossos quase 60 milhões de estudantes – e mais aqueles que já deixaram a escola – a se entregar com mais denodo à leitura e conseqüentemente ao exercício de escrever, que faz muito bem à cabeça da gente.

Como o Acordo Ortográfico vai contribuir para unificar o idioma e facilitar a comunicação entre os países lusófonos?

Já estive em algumas reuniões da ONU, inclusive participando da abertura da assembléia geral, em Nova York, e vi como é desprimoroso para uma comunidade de 240 milhões de falantes não ter a língua portuguesa como idioma oficial da ONU. Penso que o país ganhará muito a partir dessa unificação, com a possibilidade de oficializar a língua de Machado de Assis como uma ferramenta de trabalho internacional.

A coluna de estréia aborda o uso do "internetês". A língua se deteriorou com as novas maneiras de escrever nos meios eletrônicos? E o seu uso fora das mídias originais, o quanto pode afetar a escrita?

Eu detesto o internetês. Acho um crime de lesa-pátria escolas conceituadas estimularem os alunos, sobretudo na faixa dos 12 aos 15 anos, a escrever de forma torta. Existe uma falsa sensação de simplificação do idioma. Na verdade, isso cria um sistema complicado, que agride a norma culta da nossa língua e que terá conseqüências futuras muito sérias, quando esses jovens se posicionarem e começarem a participar de concursos públicos ou na defesa de teses e monografias. Porque eles estarão com as idéias embaralhadas. Não vejo nenhum proveito para esse tipo de exercício, que nem nasceu no Brasil e que está sendo aqui utilizado por pura macaquice cultural.

Como o senhor vê o uso do idioma hoje, tanto nas ruas como nos meios de comunicação? Evoluímos ou retrocedemos em se tratando da nossa língua?

Na minha opinião, involuímos. Nunca se falou tão mal o português e nunca se escreveu de uma forma tão descuidada. As provas são os exames feitos anualmente pela OAB, onde o índice de reprovação na nossa língua é altíssimo. Melhorar o português é uma questão de segurança nacional.

Como educador, qual a sua avaliação sobre o atual sistema educacional do país?

Sou um crítico permanente da situação em que se encontra a qualidade da educação brasileira. É inadmissível que um país que já cresceu economicamente a ponto de superar outras nações emergentes tenha uma educação precária em todos os níveis. Citaria como exceção somente a pós-graduação. Dados oficiais garantem que tem crescido o número de alunos em educação profissional, mas ainda em números insuficientes. Isso naturalmente tem uma causa: a baixa formação dos professores e os salários indecorosos que são pagos aos mesmos, o que cria uma perversa correspondência biunívoca. É preciso dar mais atenção aos cursos de formação de professores e os governantes não terem vergonha de assumir que estão pagando pessimamente a essa categoria sacrificada e da qual depende o futuro do nosso país.

Jornal do Brasil (RJ) 30/01/2009

02/03/2009 - Atualizada em 01/03/2009