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Machado ajuda a popularizar a ABL

 

Mariza Pontes

Presidente da Academia Brasileira de Letras desde dezembro de 2007, Cícero Sandroni tem a responsabilidade de gerenciar a instituição no ano do centenário de morte do seu patrono, Machado de Assis, e do bicentenário da chegada da Família Real portuguesa ao Brasil. De quebra, ele se impôs a tarefa de conferir mais popularidade à ABL, continuando o trabalho do seu antecessor, o pernambucano Marcos Vinicios Vilaça. Mas ainda há outros temas na pauta de eventos. Confira na entrevista que Cícero Sandroni concedeu por e-mail para o Saber +.

O senhor deseja popularizar a Academia "sem ser popularesco". Mas a ABL sempre esteve voltada para uma elite literária. Como não ser "popularesco", num país onde o popular descamba facilmente para o vulgar? E como atrair parcelas da sociedade, como os estudantes, sem apelar para o chamariz das atrações midiáticas?

Cícero Sandroni - A nova diretoria celebrou um compromisso de trabalho, enobrecedor e honroso, que exige dedicação, responsabilidade, imaginação e empenho. Nos últimos dois anos a Academia modernizou-se sem descaracterizar-se e ampliou sua visibilidade, conservando-se fiel aos compromissos de preservação e difusão das melhores expressões da tradição e da cultura nacional. Hoje, qualquer pessoa, de qualquer lugar do mundo, pode visitar a Academia. É só acessar o site da instituição na Internet, que conta com informações completas sobre a ABL e seus acadêmicos.

Como a Academia vai se dividir entre dois eventos tão marcantes? Espera-se uma programação à altura da importância de Machado de Assis para a literatura brasileira. A agenda de eventos já está definida? Como os jovens vão ser chamados a interagir?

Cícero Sandroni - O acadêmico Alberto da Costa e Silva preside as comissões que irão organizar as homenagens. O calendário para a comemoração da chegada do Príncipe Regente D. João VI e seu séquito já está planejado, mas estamos aguardando algumas aprovações. Em março, será organizado um ciclo de conferências a respeito da vinda da Família Real. As palestras serão da ABL. Teremos o historiador da Universidade de Oxford, Leslie Bethell, que falará sobre "1808: o início do império formal britânico no Brasil; a historiadora paulista Lilia Moritz Schwarcz, que vai tratar da discussão sobre “Os franceses e D. João VI"; o tema de Lorelai Kury, pesquisadora da Fiocruz, será "A ciência na época de D. João VI".

Mas a nova gestão será dedicada principalmente às realizações voltadas para o legado de Machado de Assis. A ABL prepara-se para tornar memoráveis essas celebrações. De abril a dezembro deste ano, o Petit Trianon e o Palácio Austregésilo de Athayde darão cumprimento a uma ampla e aprofundada pauta de eventos: ciclos de conferências, seminários, mesas-redondas, espetáculos musicais e teatrais, lançamentos editoriais e uma grande exposição promoverão uma renovada discussão em torno da vida e obra do maior escritor brasileiro de todos os tempos. Teremos a concretização de um convênio com o Ministério da Cultura para edições da sua obra; o Club Beethoven, que ele fundou e dirigiu, será revivido em musicais e concertos especialmente montados; o cineasta e acadêmico Nelson Pereira dos Santos organizará semanas de cinema com a exibição de filmes ligados à obra machadiana e o mesmo será feito na área do teatro. Podemos dizer que o Rio de Janeiro da ficção machadiana será revisitado.

No total, serão vinte e duas palestras, sob a coordenação dos acadêmicos Ivan Junqueira, Antonio Carlos Secchin e Ana Maria Machado. O primeiro desses ciclos, em abril/maio, será dedicado à literatura machadiana, ampliando os debates em torno do romance, do conto, da crônica, da poesia, da política e do teatro de Machado. Entre junho e novembro, acadêmicos, musicólogos, historiadores, jornalistas, tradutores, filólogos, críticos literários e teatrais, propondo caminhos de discussão, e exibirão aspectos ainda pouco abordados da trajetória de Machado.

Além dessas, outras efemérides serão contempladas: a ABL realizará uma mesa-redonda, em abril, sobre os quatrocentos anos de nascimento do Padre Antonio Vieira. Em maio, realizará ciclo de homenagem ao centenário de nascimento de Guimarães Rosa. Os duzentos anos de criação da Imprensa Régia serão celebrados em outubro. A pauta é extensa.

Que medidas deveriam ser adotadas no Brasil, para termos uma boa política do livro?

Cicero Sandroni - A questão do livro envolve alguns aspectos que precisam ser discutidos. Em abril de 1993, Josué Montello chamou a atenção para os efeitos extremamente negativos sobre os preços dos livros no Brasil, aí incluídos os livros didáticos. O custo papel, reajustado em dólar, o preço do frete, em um território de proporções continentais, agravavam a distorção e afastavam o povo da leitura. Isso para não falar da concorrência dos meios de massas, como o rádio, a televisão e o videocassete. O livro é um produto caro para o brasileiro, que acaba preterindo-o por necessidades mais urgentes. Devem ser criadas políticas que facilitem o acesso ao livro. A educação no País sempre foi uma bandeira da ABL. Por isso, há dez anos, a Academia comemorou a volta da prova de português como eliminatória no vestibular. O domínio da língua tornava-se uma qualificação mínima, que qualquer universidade deveria exigir.

A nossa memória é visual. Para escrever bem, temos que ler literatura de qualidade. Em 2001, foi criada uma comissão na ABL, para avaliar as medidas do governo que dissociavam o ensino da língua portuguesa do ensino da literatura. O filólogo e acadêmico Evanildo Bechara contribuiu para os debates com um documento que tratava das diretrizes do ensino do português no Brasil. Hoje, infelizmente, a cadeira de literatura não é mais obrigatória no ensino médio. Em recente visita à ABL, o Ministro da Educação, Fernando Haddad, foi sabatinado pelos acadêmicos. Arnaldo Niskier defendeu de forma veemente a volta da Literatura Brasileira como disciplina obrigatória no ensino médio. Não há nada mais inoportuno do que retirar a matéria do currículo obrigatório nas escolas, quando tentamos incentivar a cultura nacional. Isso é um contra-senso, uma inabilidade, e precisamos rever imediatamente esta medida.

O escritor José Saramago não permite que seus Iivros sejam “traduzidos” para o português do Brasil. Como o senhor vê a questão do acordo ortográfico entre os países de língua portuguesa?
 
Cícero Sandroni - O objetivo do Acordo é estabelecer uma forma de escrever Português. Segundo as esferas acadêmicas, constitui um passo importante para a defesa da unidade essencial da Língua Portuguesa e para o seu prestígio internacional, pondo um ponto final na existência de duas normas ortográficas divergentes e ambas oficiais: uma no Brasil e outra nos demais países lusófonos. A ABL enfatiza a necessidade de uma mobilização efetiva das diversas esferas do poder público e das instâncias acadêmicas, no sentido da promoção do Português nos países integrantes da Comunidade - diante da atual descaracterização da Língua - e também nas universidades européias e norte-americanas. O maior entrave para a adoção do Acordo é a falta de anuência por parte de Portugal. Não se pode tocar pra frente a unificação da língua portuguesa sem que Portugal esteja e envolvido.

O Acordo envolve vantagens e desvantagens. No âmbito comercial, amplia-se significativamente o mercado consumidor de livros e periódicos, com a mobilização de leitores em todo o universo da lusofonia. A edição de livros, com especial reflexo positivo no âmbito da literatura, ganha e implicará redução de custos. Em contrapartida, as editoras terão que adaptar às novas regras todos os títulos de seus catálogos, o que implica investimento e tempo.

No âmbito cultural, a língua, como fator relevante de aproximação e de unidade, passa a contribuir ainda mais para a solidificação dos laços e dos interesses comuns que integram a comunidade lusófona. Sem prejuízo das diversidades que caracterizam as identidades culturais, ainda que complexas, das nações que têm o Português como idioma oficial. No âmbito pedagógico, a simplificação decorrente dos novos critérios influirá de maneira positiva no processo de alfabetização em todas as faixas etárias. Contribuirá para o aprimoramento da expressão escrita.

Saber + Pernambuco - Fevereiro 2008

09/04/2008 - Atualizada em 08/04/2008