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A dramaturgia de Vinícius de Moraes é tema da palestra que abre o ciclo "Escritores, Lado B"

 

A Academia Brasileira de Letras deu início na tarde dessa terça-feira, 2 de maio, ao ciclo "Escritores, Lado B", que tem como proposta apresentar facetas pouco conhecidas de personalidades brasileiras. A primeira palestra do ciclo, que terá cinco no total, abordou a dramaturgia de Vinícius de Moraes e suas grandes obras. Logo na abertura da palestra, o coordenador do ciclo, Acadêmico Joaquim Falcão, falou da versatilidade de Vinícius de Moraes, que se debruçou em diversas áreas ao longo de sua vida. Vinícius foi diplomata, poeta, jornalista, compositor, músico, cantor, escritor e dramaturgo. Segundo Joaquim Falcão, a discussão das profissões estão no cerne da ABL. Para falar dessa multiplicidade, o também múltiplo, Eucanaã Ferraz, comentou sobre o lado A e o lado B de Vinícius, sendo o primeiro representado pelo Vinícius poeta e cancioneiro e o segundo pelo cronista e crítico de cinema, em seu papel de ativista, envolvido em instituições, para fazer valer o cinema brasileiro de qualidade.

"A noção de múltiplo, de diversos, começa com a diversidade do lado A e do lado B e continua com as diversas faixas em diferentes lados", apontou Joaquim. Eucanaã endossa: "No caso de Vinícius é um LP de 12 faixas", em referência à sua complexidade. Ao estabelecer um recorte sobre a dramaturgia, o poeta, pesquisador e escritor Eucanaã Ferraz afirma que o interesse pela escrita do teatro sempre acompanhou Vinícius, embora seu empenho não tenha revelado um número significativo de obras. Seu grande sucesso de público e crítica foi "Orfeu da Conceição".

Na fundação Casa Rui Barbosa, há listada uma dúzia de tentativas de peças de teatro, com esboços de títulos e nomes de personagens e breves páginas escritas, em alguns casos, apenas uma. Eucanaã destacou a "Ópera do Nordeste", uma adaptação musical baseada na obra de Dom Quixote, dividida em dois atos, que tinha no repertório composições de Vinícius com Baden Powel. Outras obras não terminadas citadas foram: "Uma rosa nas trevas", "O gigante sentado no pinico", "A perna ortopédica", "As moreninhas", adaptação livre do romance de Joaquim Manoel de Macedo e uma adaptação para "O Pequeno Príncipe", essa bem adiantada. Além dessas incursões teatrais, algumas das obras completas foram: "Cordelia e o peregrino", "Orfeu da Conceição" , "Procura-se uma rosa e "As feras".

Segundo o palestrante, "Cordelia e o peregrino" contém todas as características de um dramaturgo iniciante e também revela o desejo de Vinicius em manter-se na altura, numa espécie de aristocracia do espírito, observando o mundo do alto da sua sabedoria e da sua pureza. Na época, ele tinha apenas 19 anos. Eucanaã define a peça como uma versão teatral do Vinícius da poesia, com todas as qualidades e defeitos.

"Havia ali uma espécie de desejo, de vontade de transcedência que marcou esse primeiro Vinícius católico e ao longo de sua vida. Como se esse lugar alto da transcedência tivesse se esvaziado de Deus e ocupado pelo amor, que ele sempre se dirigiu. Vinícius tem muito o ímpeto da ascensão", explicou.

Eucanaã relata que, no carnaval de 1942, Vinícius tinha acabado de ler a obra "Orfeu e Euridice", um libreto escrito por Ranieri de' Calzabigi. Na época, ele estava hospedado em uma casa ao pé do Morro do Cavalão, em Niterói. Inspirado pela batucada do morro e por uma conversa com um escritor norte americano com quem tem uma espécie de lampejo, como se o mundo negro popular brasileiro fosse o mundo grego, dionisíaco, livre de códigos e leis. Nesse contexto, ele tem a ideia da peça e escreve todo o primeiro ato. Os outros dois atos foram escritos muito tempo depois.

O palestrante cita que, em 1956, Vinícius é apresentado a Tom Jobim no Villarino, bar/restaurante que foi palco de grandes encontros da cena cultural. Ele ainda acrescenta que a estreia da peça foi em 1956 no Theatro Municipal e no mês seguinte a gravadora Odeon lança um LP com os temas do Orfeu, orquestrada pelo Tom e com canções escritas por Vinícius. A peça é filmada posteriormente por Marcelo Camus, em 1958, que ganhou a Palma de Ouro, no Festival de Cannes, e o Oscar de filme estrangeiro.

Eucanaã fala também sobra a peça "Procura-se uma rosa" e de como ela remete à escrita de Nelson Rodrigues, ao abordar o dia a dia em uma delegacia do Rio de Janeiro, com todas suas confusões, uma série de problemas, numa espécie de drama teatral. Esse drama, no entanto, o poeta salienta que é algo mais interno, como um drama estático: mais relacionado ao pensamento e à linguagem. Uma dinâmica que envolve mais os personagens que qualquer outro elemento da cena.

Ele também aborda o lado cronista de Vinícius, o classificando como um "homem da imprensa, pela modernidade, pela possibilidade de intervenção no mundo. Isso deu, sobretudo, aos escritores, os pés numa realidade em que a literatura talvez não fosse capaz de oferecer. Uma aterrisagem".

"Essa descida do alto que ele faz através do amor, ele se expande, se universaliza e com a expertise de um dos maiores meios de comunicação, que é o jornalismo. É através do cinema e da música que ele vai atingir o mundo", completa o Acadêmico Joaquim Falcão.

Eucanaã encerra a palestra afirmando que Vinícius foi o primeiro a fazer uma quebra de hierarquia do popular e do erudito, rompendo com estruturas sólidas até ali e abrindo caminhos para outros artistas, com a criação da bossa nova. E presenteia o público ao reproduzir a canção "Se todos fossem iguais a você", clássico composto por Vinícius e Tom Jobim para a peça “Orfeu da Conceição”.

03/05/2023