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glotofobia

Classe gramatical: 
s.f.
Palavras relacionadas: 

Repúdio, aversão ou desprezo por pessoas ou grupos sociais em razão de sua língua, variedade linguística ou sotaque.

[Termo cunhado pelo pesquisador e professor francês de sociolinguística Philippe Blanchet, em 1998.] 

[De glot(o)- (do grego glôtta, ‘língua’) + -fobia.]

Definição: 

“A intolerância à língua do estrangeiro (não necessariamente sua língua materna) acaba por se configurar como glotofobia, por exemplo, o que desliza para um processo discriminatório em que o outro é violado por sua condição de estrangeiro e seu modo de falar. Dito isso, é preciso perguntar: o que entendemos por xenofobia e por glotofobia? Estes termos parecem autoexplicativos, uma vez que o primeiro nos leva à fobia do estrangeiro (xénos) e o segundo à fobia da língua (gloto/glosso). O modo como a xenofobia e a glotofobia se manifestam no Brasil é diferente daquele como ocorre na França ou em Portugal, por exemplo, ainda que haja, de alguma maneira, semelhanças no interior destas especificidades, a exemplo da classe social, do fator socioeconômico ou da variedade linguística no interior da lusofonia.”1

“Problemas como preconceito linguísticodiscriminação linguística e racismo linguístico, por exemplo, podem se configurar como aquilo que Philippe Blanchet concebe como glotofobia, ressalvadas suas diferenças epistemológicas, campo de pesquisa e contextos onde se emprega tal terminologia; no entanto, precisamos ter muito cuidado ao mobilizar estes conceitos por uma série de questões que vão desde a abordagem epistemológica ao sujeito discriminado. Emprego glotofobia em meus estudos sobre intolerância e hostilidade aos estrangeiros quando a discriminação linguística vem vinculada à origem, à identidade10 étnico-racial, ao deslocamento e a outras questões condicionadas à estrangeiridade do sujeito.”2

“Um projeto de lei foi aprovado na quinta-feira (26/11) na Assembleia Nacional, que é equivalente no Parlamento francês à Câmara dos Deputados do Congresso brasileiro, para tornar crime discriminar um indivíduo com base no sotaque. ‘Eu também já corrigi ao longo do tempo meu sotaque, primeiro ao entrar na Sciences-Po (universidade), depois ao me tornar advogada. Então, conheço este assunto pessoalmente’, disse a parlamentar Laetitia Avi, que propôs a lei. A criminalização da glotofobia, nome dado a este tipo de discriminação, que agora foi equiparado a outros tipos de discriminação já previstos em lei, como por raça, gênero ou deficiência física, teve 98 votos a favor e 3 contra. A pena prevista é de três anos de prisão e multa de 45 mil euros (R$ 285 mil). O projeto deverá ainda ser votado pelo Senado nas próximas semanas. Se aprovado, seguirá para promulgação.”3

“A grande burguesia e a aristocracia ‘modernista’ tomaram o poder em 1789 e recuperaram os atributos da aristocracia real. Elas escolheram unificar fortemente o país em torno de uma identidade nacional a ser construída, de seu centro parisiense e de um elemento emblemático: a língua francesa, que era então apenas a forma popular da língua da grande área geográfica da bacia de Paris e a língua das classes dirigentes de forma artificialmente reconstruída, latinizada e complexificada. O francês foi então erguido como um totem de identidade nacional, venerado, sacralizado, principalmente na forma padronizada das elites. A partir daí, foi criada uma verdadeira ditadura linguística: imposição do francês, proibição de muitas outras línguas da França, estigmatização das populações (mesmo sendo uma grande maioria) que falavam essas outras línguas. As escolas desempenharam e continuam a desempenhar um papel importante no estabelecimento e na perpetuação da glotofobia estatal, inclusive no plano jurídico, que tem sido inculcada como ‘normal’ e ‘desejável’ ao longo de várias gerações.”4

“Em vez de considerar tanto o plurilinguismo como a pluralidade linguística no interior duma mesma língua como sinais de vitalidade e de riqueza do mundo e da sociedade onde vivemos, a glotofobianega-os, menospreza-os e procura aniquilá-los. É uma rejeição que não se limita a negar uma característica (real ou suposta) de alguém: é a rejeição da pessoa. O que é muito preocupante é a naturalidade com que esta forma de racismo que é a glotofobia se expande sem verdadeiros filtros, manifestando-se de modo mais ou menos visível como uma prática social à partida inevitável. Procede de uma exclusão que nega um locutor não só por este não se exprimir numa língua em vez de outra (porque não fala na língua esperada, valorizada e considerada como a língua que deve ser falada), mas também por utilizar no seio de uma dada língua uma variedade considerada como inferior ou incorreta (um sotaque, uma maneira de falar ou de escrever, um determinado vocabulário ou registro).”5

Referências: 

GLOTTOPHOBIE. In: LE ROBERT DICO EM LIGNE. Le Robert. Disponível em: https://dictionnaire.lerobert.com/definition/glottophobie. Acesso em: 27 jun. 2022.

1 RIBEIRO, Jocenilson. Da xenofobia à glotofobia: a estrangeiridade como um problema discursivo. Revista da Abralin, v. XX, n. 3, 2021. Disponível em: https://revista.abralin.org/index.php/abralin/article/view/1991/2497. DOI 10.25189/rabralin.v20i3.1991. Acesso em: 23 jun. 2022. 

2 Idem, ibidem.

3  SCHOFIELD, Hugh (BBC NEWS). Por que a França pode criminalizar a discriminação pelo sotaque. Bol, 27 nov. 2020. Notícias. Disponível em: https://www.bol.uol.com.br/noticias/2020/11/27/por-que-a-franca-pode-cri.... Acesso em: 23 jun. 2022.

4  BAPTISTONE, Shirlei. Glotofobia, fenômeno de estigmatização social: entrevista com Philippe Blanchet. Caderno de Letras UFF, Niterói, v. 32, n. 62, p. 15-22, 1.º semestre 2021. Disponível em: https://periodicos.uff.br/cadernosdeletras/article/view/47443/29678. DOI: http://dx.doi.org/10.22409/cadletrasu2.v32i62.47443. Acesso em: 23 jun. 2022.

5  SANTOS, Graça dos. Glotofobia: da discriminação linguística ao racismo pelo sotaque. Memoirs, 13 jul. 2019. Disponível em: https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/87669/1/MEMOIRS_newsletter.... Acesso em: 23 jun. 2022. 

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