Em Iguaçu, demos o primeiro arranco. Em Iguazú, 20 anos depois, celebramos os resultados.
Diz a sabedoria popular que as semanas passam muito devagar e que os anos correm mais rapidamente que as águas do vertedouro de Itaipu.
Em 1985, com apenas seis meses de Presidência, eu estava com Raúl Alfonsín assinando a Ata de Iguaçu, que consagrava uma vontade política de mudarmos a história do continente sul-americano, com o fim das divergências Brasil e Argentina, passando de uma atitude de confrontação para uma política de cooperação.
Nossas gerações herdaram as hipotecas das concepções do século 19 de que quem dominasse a bacia do Prata dominaria o coração da América do Sul, no rastro das lendas dos lagos de ouro dos reinos do Preste João.
Era necessário, para ingressarmos na chamada pós-modernidade, que se criasse um espaço econômico, político e cultural compacto para chegarmos a um mercado comum, nos moldes do exemplo europeu. E esse objetivo teria de passar por uma aliança estratégica entre Brasil e Argentina.
A Ata de Iguaçu é o DNA desse projeto. Ele seria impossível sem a visão de Raúl Alfonsín, enfrentando problemas internos, então agudos, nas Forças Armadas e na controvérsia sobre Itaipu. É claro que, no Brasil, também tínhamos problemas, sobretudo na desconfiança sobre a área nuclear, na qual a Argentina estava dez anos à frente do Brasil.
Demos ao mundo um exemplo efetivo de luta pela paz quando firmamos nosso acordo de cooperação nuclear, coroado com a visita que fiz a Pilcaniyeu e com a visita de Alfonsín à Aramar, onde a nossa Marinha fez um trabalho notável com o domínio da tecnologia do enriquecimento de urânio. Brasil e Argentina abriam suas caixas-pretas e passamos a conjugar esforços para o aproveitamento pacífico da energia nuclear.
Depois de Iguaçu, veio o Tratado de Buenos Aires, de 1988, que é a face jurídica do Mercado Comum, e, por último, o Tratado de Assunção, de 1991.
Nestes 20 anos, o Mercosul teve seus altos e baixos. Avançamos muito e tivemos muitos acertos, e poderíamos ter evitado alguns erros.
É animador o fato de que nenhuma de suas crises tenha tido origem na área da vontade política. Todas nasceram na área econômica, com empresas e setores acostumados ao protecionismo, sem se dar conta de que o mundo atual é de competição, onde precisamos de condições para disputar mercados com eficiência. Isso ocorreu lá e cá.
Nas comemorações destes 20 anos, em Puerto Iguazú, no último dia 30, ouvimos de Lula a afirmação de que "o rio da Prata, por mais largo que seja, ficou pequeno com a vontade argentina e brasileira pela integração". Kirchner, para mostrar o nível de nossas relações, disse que, "em breve, nossas fronteiras serão apenas referências cartográficas".
Com essas palavras que ouvimos, Alfonsín e eu ficamos felizes. Nós realmente tínhamos mudado a história da América do Sul, e a integração Brasil e Argentina está feita.
Era tudo o que queríamos.
Folha de São Paulo (São Paulo) 02/12/2005