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Arnaldo Niskier: "Lnga ñ pde mpbcr"

 

Em entrevista ao jornal Tribuna da Imprensa (RJ) do dia 06/11/2006, o acadêmico Arnaldo Niskier condena a linguagem utilizada pelos jovens na internet. 

Arnaldo Niskier: "Lnga ñ pde mpbcr"

Educador Arnaldo Niskier condena o dialeto usado pelos jovens para se comunicar via Internet

Carla Giffoni

"Oi tia. Aki ta td bem. Ñ sei se no fds vai dar p ir ai. Ñ tenho ctza minha mae diz que dpnd do tmp. Ñ ta nd dcdd msm. Vamo v. Vlw!". Se você, leitor, não entendeu nada da mensagem escrita, eis a tradução: "Oi tia. Aqui está tudo bem. Não sei se no fim de semana vai dar para ir aí. Não tenho certeza, minha mãe diz que depende do tempo. Não está nada decidido mesmo. Vamos ver. Valeu!"

É assim que muitas vezes os jovens se comunicam via Internet, usando abreviaturas, não acentuando palavras e até esquecendo das vírgulas. Caetano Veloso em sua música "Língua" já indagava: "O que quer o que pode esta língua?"
Na visão do educador, pesquisador e imortal Arnaldo Niskier, a língua pode tudo porque é rica e bela, mas o "internetês", nada. Para ele, o português nunca agregará este tipo de brincadeira, que nada mais é um desvio da norma culta de falar e escrever.

Ah, e se você não entendeu o que quis dizer o título desta entrevista, significa: "A língua não pode empobrecer".

TRIBUNA DA IMPRENSA - Como o senhor analisa esta nova maneira de se comunicar dos jovens pela internet?

ARNALDO NISKIER - Batizei este novo linguajar de "internetês". Acho que inventaram no Brasil uma nova forma de comunicação que considero, como educador, passageira. Isso é um pouco fruto da própria expansão do uso do computador entre nós. Agora, condeno este uso porque já é tão difícil saber escrever adequadamente a língua portuguesa que considero este desvio um contrasenso.

O pior é que muitos professores estão achando engraçadinho deixar que isso aconteça nas suas escolas. Se o aluno resolver em sua casa escrever o que quiser, é problema dele e de seus pais. Contudo, na escola, é problema dos professores. Eles deveriam interferir para impedir que esta economia de palavras não represente também uma economia de idéias. Então, as crianças ficam duas, três horas por dia naquele bate-papo meio sem nexo, virtual, e estão adorando. Quando se conversa com qualquer uma delas, acham uma curtição. Mas estão brincando com uma coisa séria que é a língua portuguesa.

O que pode acarretar para a língua esta nova maneira de se expressar?

Prejuízo, porque a língua portuguesa é difícil. Diria, por exemplo, que é o papel principal da Academia Brasileira de Letras lutar pela preservação da língua portuguesa e seu aperfeiçoamento. Agora, aperfeiçoar a língua portuguesa não é desvirtua-la. Se "K" não é uma letra reconhecida no alfabeto brasileiro, vira uma atração no "internetês". Parece um pouco de reação aos costumes vigentes. Uma agressão aos tradicionalistas, aqueles que querem somente o bem da cultura brasileira.

Mas a língua é dinâmica, não?

É, mas aquilo não é exatamente uma língua e sim uma deformação. O dinamismo da língua nunca pegará este tipo de brincadeira. Isso posso garantir como quem já está na
academia há 23 anos e conhece bem as diversas fases pelas quais passa.

A Academia está fazendo alguma coisa no sentido de conscientizar os professores?

Sim. Quando nós discutimos qualquer aspecto da língua portuguesa, e são muitos, sempre se faz uma crítica a este tipo de atividade deformadora. Temos que lutar, sobretudo nós que somos mais alfabetizados, pela norma culta. É admissível que se fale em determinadas regiões de uma forma diferente, mas escrever, nunca! Para redigir tem que seguir a norma culta. Senão esta garotada que está se perdendo aí neste linguajar curioso, na hora do concurso, brincará com isso. Levará um zero redondo, daqueles. Isso é um
passatempo de mau gosto, na minha opinião.

Qual é o perfil da geração que usa este linguajar?

É a partir dos 13 anos. Homens e mulheres em idênticas proporções. Agora quando este jovem vai se aproximando da hora do vestibular, vai desistindo disso. Vamos dizer assim: o pique é dos 13 aos 16 anos. É a epidemia do mau português.

Que tipo de profissional será no futuro?

Se o jovem se habitua a escrever desta maneira, terá muito mais dificuldade de voltar a escrever na língua culta do que antes. Ele terá dificuldade porque embaralha. Os jovens que têm heranças maravilhosas para receber de seus pais falam da maneira que quiserem. Mas aqueles que vão ter que batalhar, que é a imensa maioria, perdem tempo. Diria que as três horas que ficam no computador brincando disso seriam melhor aproveitadas lendo um livro. Algum clássico
da língua portuguesa. Um Machado de Assis, um José de Alencar. Tanta coisa bonita para se ler! E o que vemos é que o índice de leitura se reduz.

Que profissional será quando deixar a faculdade?

Hoje já entram na faculdade muitos que não sabem o português, quase nada. O pior: saem da faculdade não sabendo escrever adequadamente. Vemos algumas petições de advogados
que saíram das universidades e são verdadeiras vergonhas. Então, isso não é aconselhável, não contribui para o aumento da cultura de um povo. Ao contrário.

Há alguma maneira de reverter esta situação?

São subprodutos da informatização, que traz também muita porcaria junto. Há programas na Internet de pornografia, de pedofilia. Quando o instrumento for depurado
adequadamente, o que não aconteceu até hoje, acredito que estas coisas vão parar. A Internet é um satélite solto no espaço, sem controle e sem órbita. É complicado.

A linguagem formal está com os seus dias contados?

Não, ao contrário! Hoje há um grande esforço na escola e fora dela para que se aperfeiçoe o trato da língua portuguesa. Então, estas crianças que brincam com isso são uma simpática minoria. Até porque precisam freqüentar escolas que tenham computadores e temos que pensar no Brasil como um todo. Há 30 mil escolas que não podem ter computadores porque não têm energia. Este problema não atinge o País como um todo, é uma coisa de regiões metropolitanas basicamente.

E os estrangeirismos? Ajudam a propagar esta situação?

Claro que contribuem. Inclusive, isso não é uma invenção brasileira. Por incrível que pareça, o "internetês" nasceu em Israel, depois passou para os Estados Unidos e hoje corre o mundo. Agora, como disse, isso limita o tempo dos alunos para que eles aprendam adequadamente a se expressar. Nós devemos perder tempo com isso, porque estamos educando ou procurando educar. Mas os alunos que perdem tempo em cima disso é uma pena. Este tempo também jamais voltará. O que se perde na deseducação é para sempre. Em vez de se estar colhendo bons exemplos, se está na verdade praticando um desserviço à língua portuguesa.

Hoje há muitas opções para o jovem se informar, sobretudo a Internet. O senhor acredita que os livros estejam com os dias contados?

Não! O livro está com os dias contados para continuar cada vez mais importante. O livro não foi prejudicado pela sociedade do conhecimento. Nos países desenvolvidos, há um convencimento muito grande de que o livro é um instrumento precioso de cultura. Lê-se mais hoje nos Estados Unidos do que antigamente. Lê-se mais na França e na Inglaterra, e são países que têm televisões avançadíssimas! Então, se vê a importância do livro.

Nós é que lemos muito pouco, uma média de dois livros/ano por habitante. Nos Estados Unidos são 10 ao ano; na França e na Inglaterra, são nove. Lemos menos de dois: 1,7 na média. Então você vê que isso explica muitas coisas sobre o atraso brasileiro comparado a essas nações. Deveríamos estar nos preocupando com o avanço deles e não copiar aquilo que fazem e que não lhes fará falta. Para nós, este tempo faz falta.

Sempre existiram gírias, ma parece que as atuais são mais pobres que as antigas.

A gíria é bem recebida porque faz parte do que chamamos língua popular. Como a televisão tem uma força descomunal e usa gírias a vontade, as crianças, e os adultos também, repetem aqueles bordões de que o Chico Anísio foi mestre. Ele realmente foi o rei dos bordões. Hoje você vê isso em programas como "Zorra total" e outros neste estilo, que fazem sucesso. Agora, gíria não faz mal, não. Diria que ela faz parte da nossa realidade. Nosso povo é alegre e criativo. É um povo que gosta de brincar, soltar piada e com isso a gíria ajuda muito.

Muitas gírias hoje constam nos dicionários. Isso não pode acontecer também com o "internetês"?

Não, tenho certeza que não. A gíria é o produto da expressão popular que existe no Brasil. O "internetês" é um desvirtuamento de nossa língua. Não tem nada a ver e nem é
comparável com gíria. A gíria tem graça e o "internetês" não tem graça alguma.

Que mensagem então o senhor daria para este jovem que usa o "internetês"?

Sabe como eles chamam mensagem? Chamam MSG. Então você pode me perguntar: "Que MSG você daria ao jovem?" (risos)

Então, corrigindo: que MSG o senhor daria a este jovem?

Que continue brincando mais, em tempo limitado. Que não perca tantas horas num treinamento bobo e sem futuro. Que guarde algumas destas horas para escrever corretamente, aprender todas as nossas regras gramaticais, que são bastantes complicadas. E ler, ler muito. Porque a melhor maneira de o sujeito se instruir é lendo. Essa compreensão, infelizmente, ainda não existe em toda juventude brasileira.

05/11/2006 - Atualizada em 05/11/2006