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Os Cientistas

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Cabe-me falar sobre Os Cientistas, o que traz consigo certa perplexidade, pois nessa denominação classificam-se não só os que viveram a vida de um laboratório, numa contumaz atividade, as mais das vezes árdua e certas vezes decepcionante, como aqueles que, na sua atividade liberal, trazem aqui e ali uma contribuição científica que faz a Ciência progredir. Entre estes últimos, coloco os numerosos colegas que foram médicos e, na Medicina, adquiriram válida reputação; e entre os primeiros, pouco numerosos, aqueles que contribuíram para o progresso do Brasil através de seus trabalhos e descobrimentos.

Começo pelo primeiro dos médicos, todos membros da Academia. Cito a figura exponencial de Miguel Couto, que tive a honra de conhecer pessoalmente, pois minha mãe era prima-irmã de sua mulher. Lembro-me particularmente da presença dele em nossa casa da Rua Paissandu, da figura alta e vigorosa desse moreno, para não dizer mulato, que é uma das glórias brasileiras.

Quando minha mãe, cruelmente atacada pela gripe espanhola, deixou-nos a todos aterrados - meu pai, meu irmão, minha avó paterna e a governanta alemã que me criou - com medo que ela nos faltasse, o carinho com que Miguel Couto tratou dela foi de uma afeição humana, que deveria estar presente em todo o tratamento médico, mas hoje, infelizmente, mascarada pela utilização excessiva ainda que muitas vezes necessária da tecnologia. Couto deu à Medicina brasileira o seu marca-passo de bondade, de compreensão, e por isso deve ser considerado o verdadeiro patrono da nossa Medicina.

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Falo-lhes agora de Aloísio de Castro, médico e poeta. Tinha ele a sensibilidade dos grandes pensadores e também a daqueles que procuram, pela bondade, trazer alegria e felicidade a todos, o que, na verdade, nada mais é do que a obrigação de cada um de nós, seres vivos.

Aloísio de Castro levava nos ombros a dura responsabilidade de não desmerecer dos extraordinários méritos de seu pai, Francisco de Castro, o “Divino Mestre”, como o chamavam os seus alunos de Medicina, entre eles, Carlos Chagas. Aloísio de Castro venceu o desafio e deixou, para a bibliografia médica brasileira, um livro perfeito para o seu tempo, e que ainda hoje, passados mais de sessenta anos, é leitura obrigatória dos que se ocupam da Neurologia. Trata-se da Semiótica do sistema nervoso.

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A seguir, falar-lhes-ei de dois neurologistas que enriqueceram os nossos quadros, ao mesmo tempo em que, de um modo vigoroso, enalteceram a Medicina nacional. O primeiro foi Antônio Austregésilo, personagem de extraordinária sedução e de profundo mérito científico. Poucos terão sido, no Brasil, os médicos que possuíram conhecimento das Ciências Biomédicas, em que se baseiam as suas especialidades, como Antônio Austregésilo.

Lembro-me das várias aulas que o vi professar. Ao lado do saber clínico, Austregésilo mostrava um conhecimento profundo da biologia e da fisiologia do sistema nervoso central, com conceitos apenas divulgados pelas recentes e melhores revistas especializadas. O que indica que continuava a ser o estudante cotidiano de uma ciência, cuja evolução rápida se passou na época em que Antônio Austregésilo atingia o seu apogeu.

Outro neurologista a quem desejo me referir é Deolindo Couto. Também nele encontra-se a profundidade do saber aliada a uma extraordinária capacidade de desenvolver trabalhos científicos na instituição que criou, e que atualmente tem o seu nome. Admirável conversador, o seu espírito irrequieto suscitava, no seu interlocutor, novas idéias e o desejo de progredir no conhecimento, seja médico, seja literário, que Deolindo Couto trazia ao debate.

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Quero ainda citar Clementino Fraga, médico e sanitarista ilustre, e mais ainda escritor de grande valor. Deveria falar também sobre Afrânio Coutinho, felizmente ainda presente entre nós, e Cláudio de Sousa. Aquele um grande cultor das letras, a quem devemos a criação da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro; este último, famoso como dramaturgo.

Todos esses nomes são glória do Brasil e certamente nunca serão esquecidos.

Deixei de enaltecer, propositadamente, o nome de um grande médico, o doutor Afrânio Peixoto, ilustre romancista, de grande influência na Academia e professor de Higiene na Faculdade de Medicina. Não o faço deliberadamente, porque, ao contrário daqueles que apontei, Peixoto deu à Ciência brasileira uma contribuição negativa, pelo combate sem tréguas que realizou contra o maior descobrimento científico no Brasil, a descoberta da Tripanossomíase americana.

Quero também assinalar a presença de outros dois escritores médicos, os quais coloco na classificação de bissextos científicos, um pouco à maneira da nomenclatura de Manuel Bandeira - poetas bissextos, poetas contumazes. Um deles é Mário Palmério, fundador de uma Escola de Medicina e de uma Escola de Odontologia no Triângulo Mineiro. Baiano de extraordinária afabilidade, impressionava a todos que dele se aproximavam pela inteligência, por suas reflexões e por seus conselhos.

Ainda nesta linha de cientistas bissextos, encontra-se outro gigante da literatura brasileira, Guimarães Rosa. Convivi com ele, largamente, na calçada da Avenida Atlântica, por onde passeávamos, vindo ele de sua casa e eu da casa do meu sogro. O romance de Guimarães Rosa, tão bem descrito aqui por Tarcísio Padilha, é eminentemente ecológico, para utilizar o adjetivo na sua amplitude total, pois trazia o conhecimento profundo da alma humana, indicativo de sua preocupação com cada um de nós.

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Passo agora à segunda categoria, que chamaria – utilizando a expressão do agrado de Manuel Bandeira – de cientistas contumazes. Primeiro, cito Osvaldo Cruz, sem dúvida o primaz da Ciência no Brasil. Pediatra, verificou no exercício de sua clínica o extraordinário número de infecções infantis no Rio. Às suas próprias custas, viajou a Paris, onde fez um curso no Instituto Pasteur, familiarizando-se com o conceito pasteuriano de que a grande maioria das doenças é produzida por agentes causadores.

Chegando ao Rio foi chamado pelo Presidente Rodrigues Alves para ocupar o recém-criado cargo de Diretor de Saúde Pública. O ilustre Presidente deu-lhe toda a autoridade, permitindo que Osvaldo Cruz, confiante no conceito de que a febre amarela era transmitida por um agente vetor, então chamado estregomia faciata, realizasse uma ação sem precedentes. Em pouco tempo, pela distribuição do agente vetor, eliminou dos portos brasileiros o terrível flagelo que impedia que as embarcações estrangeiras por aqui atracassem. É por isso que sustento que o verdadeiro autor - e eu até tive uma discussão com Pedro Calmon sobre isso - da abertura dos nossos portos foi Osvaldo Cruz, e não o Governo imperial.

Vencida a grande batalha da febre amarela e de outras endemias, a obra saneadora de Osvaldo Cruz estendeu-se pelo Brasil afora, e foi graças a ele que a estrada Madeira-Mamoré concluiu a conquista de parte da Bacia Amazônica.

Nada querendo para si, sempre recusando as vantagens que lhe foram oferecidas, Osvaldo Cruz criou o Instituto que tem o seu nome, o qual, sem dúvida, é o marco inicial da verdadeira Ciência brasileira. Nesta notável instituição, pode-se fazer Ciência, continuadamente, malgrado as dificuldades que encontra toda a iniciativa que não traga, no seu rótulo, o respectivo significado econômico, como é de modo hoje em dia.

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Quero citar, em seguida, Paulo Berredo Carneiro, cuja sabedoria e boa didática permitiram-me vencer a barreira do vestibular da Faculdade de Medicina, pelo que ele me ensinou de Química Orgânica, em poucas semanas. Convivi depois, várias vezes, com Paulo Carneiro e tive a honra de substituí-lo como delegado brasileiro na UNESCO.

Homem de excepcionais qualidades intelectuais e morais, Paulo Carneiro impressionou-me desde o primeiro momento em que fui à sua casa, a pedido de meu pai, para que ministrasse as aulas com que pude me colocar na 89a posição, entre duzentos, no vestibular realizado há pouco mais de setenta anos na Faculdade de Medicina. Não considero essa minha performance brilhante. Octogésimo nono em duzentos, não acho brilhante, não.

Humanista por excelência, era Paulo também um grande cientista. Sobretudo, assinalo no querido amigo o desejo de servir a todos que dele se acercassem e o seu profundo respeito pelo pensamento e pelos ideais de todos aqueles com quem conviveu. Com que afinco o vi trabalhar na I Conferência Geral da UNESCO, realizada em Paris, e na II Conferência, que teve lugar no México! Incansável batalhador por suas idéias, procurava também diminuir, o mais possível, o trabalho dos seus substitutos.

Era ele que batia à máquina todas as suas cartas, não aceitava o auxílio de ninguém. Fez todas as fichas na Casa de Augusto Comte, da qual vou falar agora. Foi com a maior admiração que presenciei o esforço com que se dedicou à memória de Augusto Comte, cuidando, de maneira extraordinária, da Casa do grande filósofo e pensador francês do século XIX, a qual soube transformar em um admirável museu comemorativo do criador da Filosofia Positiva.

A contribuição de Paulo Carneiro à Ciência fez-se através do seu estudo sobre o curare. Esse interessante veneno indígena ocupava a atenção de vários pesquisadores brasileiros. Assim é que foi um dos maiores cientistas de nosso país, Batista de Lacerda, quem primeiro demonstrou que se podia fabricar o curare com uma só planta (Strychnos trepliniaria), não se confirmando a observação de Alexander von Humboldt de que seriam necessários dois vegetais, em espécies diversas, para produzir o referido tóxico.

Partindo da experiência de Batista de Lacerda, Paulo Carneiro - usufruindo de uma bolsa que lhe foi concedida por Lineu de Paula Machado - seguiu para o Instituto Pasteur de Paris, onde, no laboratório de Gabriel Bertrand, conseguiu determinar a composição química, isto é, a sua composição em átomos de carbono, oxigênio e azoto, da deltatubocurarina, isolada por Batista de Lacerda. A partir da cristalização da deltatubocuralina foram criados os primeiros curares injetáveis. Note-se que o nome do produto terapêutico provém do grego delta + tubocuralina, a classificação que davam os europeus àquele curare que vinha dentro de um nodo de bambu.

Essa análise de Paulo Carneiro permitiu a produção, que se tornou comercial, de fármacos largamente usados na anestesia. Permitiu-me também, – e eu me considero cientista contumaz – a produção de um curare radioativo, com o qual pôde ser isolado no Instituto de Biofísica o receptor que retém o curare nas placas motoras e, assim, impede que os impulsos nervosos transmitam a mensagem dos nervos aos músculos.

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Quero agora falar de Miguel Osório de Almeida. Trabalhei com tão ilustre pesquisador no Instituto de Manguinhos, centro para o qual ingressara graças ao interesse de Carlos Chagas, expandindo o campo de ação das pesquisas realizadas naquela Instituição. Ali tornou-se em breve tempo um foco de atração, devido a sua inteligência, capacidade de trabalho e simpatia pessoal.

Miguel Osório era um homem alto, um corpo delgado, encimado por uma bela cabeça, onde ponteava uma barba aloirada, em cuja face destacavam-se dois lindos olhos azuis e um maravilhoso sorriso. Trabalhador incansável, era um mestre no preparo das peças biológicas, com as quais realizava os seus trabalhos de Neurobiologia. Tinha ainda, na argúcia do olhar, na vivacidade do diálogo, uma capacidade extraordinária de interessar seus discípulos naquilo que fazia.

Era poliglota. O seu francês, por exemplo, era igual aos dos gauleses da mais velha extração. Certa vez fui assistir a uma conferência sobre o cérebro que Miguel Osório pronunciou no Palais de la Découverte, em Paris. Conferência perfeita. Ao término dos aplausos, um senhor, ao meu lado, perguntou-me em que Universidade francesa Miguel professava. Não consegui convencê-lo de que era um brasileiro, nem de que a sua língua natural era o português, e não o francês.

Quando o conheci Miguel se ocupava dos fatores que condicionam as contrações musculares e, ao mesmo tempo, preparava a sua teoria matemática da estabilidade dos versos, já que era também um grande matemático. Além de matemático e extraordinário pesquisador, Miguel Osório era ainda um musicista. Ouvi-lo tocar uma sonata ou uma peça mais forte ao piano era enternecedor. Muitas vezes fui à sua casa, na Rua dos Oitis ou na Estrada do Açude, para conversar sobre ciência; no entanto, na verdade, lá ia eu para ouvi-lo tocar piano. Sua mulher, Luba Alexandrovska, pianista profissional, tocava às vezes em duo com Miguel.

Embora eu seja dos muitos que pensam que a técnica pianística de Luba era a mais perfeita que se poderia imaginar, a de Miguel nos emocionava muito mais. A perfeição técnica na movimentação de seus dedos era surpreendentemente atraente, tanto no teclado quanto na preparação de uma coluna de rã. Não vou explicar bem o que é uma coluna de rã. Quero apenas dizer que a perfeição técnica na movimentação dos seus dedos era surpreendentemente atraente.

Observando suas experiências, cheguei à conclusão de que em um ensaio experimental, qualquer que ele seja, podem ser distinguidas duas vertentes: a primeira é a perfeição técnica, ou seja, a simplicidade do arranjo, vale dizer a sua estética; a segunda é a reproducibilidade da observação, que corresponde à sua ética. Encontrei há pouco tempo, em um ensaio de Paul Valéry, a mesma idéia, nascida de sua observação de um encadernador de livros decadente que, como chômeur, trabalhava nas margens do rio Sena.

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Cabe-me ainda falar de Darcy Ribeiro, que coloco entre os cientistas contumazes. Inteligência brilhante, conhecimento diversificado, transformou-se em um dos grandes projetadores do ensino superior brasileiro, procurando tirá-lo de um marasmo quase medieval, para lhe dar medidas que melhor servissem ao projeto brasileiro. Produziu um novo exemplo de Universidade em Brasília, e um segundo, na Universidade Estadual do Norte Fluminense.

Apreciei especialmente a obra científica de Darcy Ribeiro quando, ao realizar no Rio de Janeiro um grande Colóquio Internacional sobre o Curare, pedi-lhe que ali apresentasse o seu extraordinário livro A arte plumária dos índios. O sucesso da apresentação feita coroou a sua presença em um cenário de grandes nomes internacionais.

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Liberdade, justiça social, fraternidade, elevação cultural de nosso povo, eis aqui, com Edgard Roquette-Pinto, a tese de uma vida que tão grandemente beneficiou nosso país. Sou dos que pensam que as oportunidades surgem, maiormente para os que sabem aproveitá-las. É o caso de Roquette-Pinto.

Matriculado em 1906 na Faculdade de Medicina, encontrou ali um ambiente fervilhante de modificações e de progresso. A entrada em cena da teoria microbiana da doença e da Anátomo-Patologia deram ao conhecimento médico um progresso extraordinário, que só seria superado quando os métodos bioquímicos e a tecnologia médica – a primeira, logo depois da Guerra de 1914, e a segunda, mais recentemente – vieram trazer uma renovação sem paralelo ao conhecimento da Medicina.

Poucos meses depois de formado Roquette-Pinto se preparou para um concurso no Museu Nacional. Era aquele o primeiro estabelecimento de pesquisa científica no Brasil. A pesquisa científica feita no Museu Nacional é muitas vezes desconhecida por parte de muitos, que pensam que o palácio que foi do Imperador serve apenas para interessantes exposições de caráter não dinâmico. Este conceito que ainda predomina, infelizmente, é dos que não sabem que, atrás das exposições, existe um Museu de História Natural, realizam-se pesquisas das mais importantes em todos os domínios, particularmente naquelas disciplinas que fundamentam a Ecologia, a Zoologia, a Botânica, ou aquelas que justificam a presença do homem sobre a Terra, como a Genética, a Etnologia e a Antropologia, cuja derivação – a Antropologia Social – é da mais alta importância para o reconhecimento da formação cultural de um povo.

Por estar no Museu Nacional, Roquette-Pinto foi chamado para participar de expedições com Cândido Rondon, e foi em 1912 que ele realizou uma das maiores aventuras que um brasileiro tem sabido viver: o seu estudo dos índios paricis-nhambiquara, desenvolvido durante uma excursão em que percorreu 1.297 quilômetros, indo do rio Juruna ao Madeira. Essa sua excursão trouxe um número infindável de observações de natureza antropológica, etnográfica, médica e folclórica.

Naturalista, soube descrever os matos que atravessou e os animais silvestres que encontrou. Atraído pelo homem, descreveu os costumes e as características antropológicas dos índios que observou, usando para isso as técnicas mais apropriadas. E da mesma maneira, procurou captar os modos de ser da gente branca ou mulata que, longe das terras civilizadas do litoral, mantinha acesa a chama da vida brasileira naqueles longínquos territórios.

A expedição de Rondon encontra-se descrita no seu livro Rondônia. Roquette-Pinto prolonga ainda a sua vida científica na Antropologia até mais tarde, tendo publicado, em 1933, Ensaios de Antropologia Brasileira. Continuou no Museu Nacional até 1936, quando foi chamado por outros interesses.

O fim da segunda década e toda a terceira década deste século são marcados, na vida intelectual do Rio de Janeiro, pela reunião de um grupo de intelectuais de grande visão e sabedoria. Queriam alargar os limites da cultura brasileira. Foram os que introduziram – por seus estudos, pelas suas conferências, pelas suas atividades – as novas idéias que revolucionavam o programa intelectual europeu, para o qual se dirigia principalmente a sua atenção.

A psicanálise, o marxismo, os métodos educacionais de Montessori, as idéias de Piaget, a filosofia da intuição de Bergson, a obra de Bertrand Russell, as novas Matemáticas e tantos outros assuntos eram motivo de discussão constante desse grupo que se reunia, freqüentemente, no laboratório privado dos irmãos Osório de Almeida. Tal grupo saiu a buscar a redenção do Brasil pela educação, e foi dele que nasceu a Associação Brasileira de Educação, de incontáveis benefícios trazidos ao problema educacional brasileiro.

Nessa ocasião Roquette-Pinto não pôde mais se limitar, como acontecia no princípio de sua carreira profissional. Abandona o campo da Antropologia, cuja importância, entretanto, jamais deixou de acompanhar. Não sei quando nasceu no espírito de Roquette-Pinto a idéia da utilização da rádio-emissão, como propulsora do progresso cultural e educacional do país. Sei que foi graças a ele – auxiliado por vários amigos, entre os quais Francisco Venancio Filho, que o apoiavam todos, devido à admiração que sua ação e talento inspiravam – que se criou a Rádio Sociedade, uma pioneira.

Com o seu idealismo sem-par, Roquette-Pinto foi quem a criou, procurando libertá-la de pressões políticas, ideológicas e econômicas: uma estação radiofônica, exclusivamente para a difusão da cultura, com a liberdade que a mesma difusão exige. Infelizmente o sonho de Roquette só em parte se realizou. A radiofonia, reforçada agora pela imagem televisionada, não representa ainda um elemento de progresso e propulsão cultural, que todos desejamos.

Do mesmo modo, os métodos chamados audiovisuais colocados a serviço da educação não têm tido o desenvolvimento que, elevado ao seu extremo, pode chegar a permitir que cursos profissionais se encurtem e que o aluno faça a sua auto-avaliação, podendo assim julgar o próprio rendimento. Mais tarde, a Rádio Sociedade iria se transformar na Rádio Ministério da Educação.

Som e visão – Roquette-Pinto via a importância da associação dos dois na metodologia educacional. Depois de criar a Rádio Sociedade Educadora, voltou-se para o cinema educativo, fundando o Instituto Nacional de Cinema Educativo, onde sua ação não se limitou à simples documentação de trabalhos científicos – como foi o caso da feitura do admirável filme sobre o poraquê –, mas procurou reviver, através de imagens, cenas de tradições da vida brasileira. Auxiliado pelo grande cineasta Humberto Mauro, que tudo deixou para seguir o mestre, Roquette-Pinto criou um cinema educativo, dentro do melhor ambiente de trabalho em que tenho penetrado nestes longos anos de vida.

Não é assim difícil compreender, analisando o roteiro da vida de Roquette Pinto, a sua ascensão às Academias de Ciência, de Medicina e de Letras, sem sobressaltos, com uma humildade que a todos encantou. Ele era um varão que impressionava a todos que dele se aproximavam, pobres e ricos, mulheres e homens. Não sei se isso se chama “carisma”. O que sei é que sua voz bem-composta, forte, com acentuadas notas de baixa freqüência, e o seu olhar compreensivo dominavam os seus interlocutores ou interlocutoras. Nunca dele deixei de ter uma informação precisa sobre assunto de meu interesse, tantas vezes fora do âmbito de parecer de sua competência.

Vale dizer que a sua erudição era imensa, não aquela que se revela para impressionar ou para autopromoção, mas baseada numa capacidade extraordinária de tirar a substância legítima – a quinta-essência, para usar a expressão de Paracelso – de cada página ou de cada assunto que lia, ou até mesmo das informações orais que lhe eram dadas.

De outro lado nunca deixou de auxiliar quem o procurasse, de qualquer maneira que fosse, e era particularmente feliz quando o podia fazer para os mais jovens, como também se sentia feliz quando via o sorriso de uma criança. Cientista e homem de letras, poeta, nele se encontrava também igualmente o homem de ação, que é aquele para o qual o impossível não existe, quando se está a serviço do bem e da verdade.

Muito obrigado.

 

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