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Artigos

  • Não morri e continuo o mesmo

    Para quem porventura alimentava a esperança de ver-se livre desta coluna, receio não ter boas notícias. Não só voltei, como estou em pleno gozo de minhas faculdades físicas e mentais, o que lá signifique isto em meu caso. Esclareço este último ponto porque assisti, não sem certo susto, a minha cara aparecendo na tevê, com a apresentadora anunciando que eu tinha tido um AVC, o que, aliás, é verdade, mas não foi a razão por que fui hospitalizado na Bahia e quase morri na casa onde nasci. Sei que tem gente que adora histórias de internações, emergências e coincidências abençoadas, e a ela, pedindo desculpas a quem não gosta, dedico a inevitável explicação que descobri que tenho que dar, antes de reassumir minha missão de ocupar este espaço.

  • Acho que já começou

    Tenho presenciado discussões acaloradas sobre se este ano já começou. A opinião mais corrente é que nem começou nem vai começar, mesmo depois da Semana Santa, diferentemente do que por costume acontece. Segundo os mais radicais, não vai começar nunca. Eles acham que o presidente, chateado com alguns problemas, resolveu pular este ano. Não deve ser difícil, creio que uma Medida Provisória quebra esse galho, como, aliás, quebra todos os galhos. Basta botar lá que 2007, devido aos baixos índices de crescimento previstos, à falta de infra-estrutura e, basicamente, à falta de saber o que fazer, não vai existir. Passa-se diretamente a 2008, com determinações expressas de que ele se comportará de maneira bem melhor.

  • E no quinto ano Ele descansa

    Fico meio desconfiado - pra que negar -, mas a verdade é que tenho sentido, nas últimas semanas, que há um novo alento em muitas áreas. Não entendo nada de indicadores econômicos, nem sequer domino economês elementar, mas parece que esqueceram aquela conversa de crescimento baixo ou falta de infra-estrutura ou criminalidade desenfreada e está todo mundo satisfeito, ou quase todo mundo. Balança de pagamentos favorável, reservas em alta, exportações também, montadoras de automóveis sem conseguir atender à demanda, uma coisa maravilhosa mesmo. A imprensa, como sempre, inclusive eu, procura ver defeitos aqui e ali, mas manda a boa consciência reconhecer que ultimamente emanam vapores perfumados de alguns comentários de jornais e se abrandam diversos dos muitos que antes vociferavam.

  • De volta ao calçadão?

    Espero que este domingo esteja um dia meteorologicamente irretocável, um sol quase de verão amenizado por ares outonais. Sempre espero mais ou menos isso, aliás, mas é freqüente que não me dê bem na previsão e o domingo só seja propício para os espíritos melancólicos, que sentem estranho prazer em contemplar sozinhos a paisagem penumbrosa e úmida, a chuva escorrendo pela vidraça e ocultando o horizonte, talvez uns versos de Lupicínio Rodrigues insistindo em ser cantados no fundo da mente, lembranças enevoadas e frias enxameando em torno da cabeça. Porque os melancólicos também são filhos de Deus, dias assim não deixam de ter seu valor e serventia, sublinhando a sutil sabedoria da frase de meu amigo Benebê, que às vezes a repete em tertúlias no bar de Espanha, em Itaparica. "O mundo é perfêtcho", diz ele, em seu impecável sotaque do Recôncavo, e ninguém ousa contestá-lo, inclusive eu, naturalmente.

  • Declarações exclusivas

    Estou acostumado à presença dele. Como trabalho junto ao terraço, costumo dar uma saidinha para vê-lo, sempre na mesma postura, às vezes aureolado de nuvens. É bom e quase sempre dou uma rezadinha rápida, antes de começar o dia. Mas não espero resposta direta, teofania é para os escolhidos e não vou me arrogar a pertencer a esse time. A vida, contudo, tem muitos mistérios, a começar por ela própria, e foi assim que tomei um susto, ao ouvir uma voz de timbre claro e sonoro, perto e ao mesmo tempo distante.

  • Colaborando com a prosperidade

    Não sei, mas, na minha opinião, estão querendo nos dizer alguma coisa, ensinar-nos novos comportamentos ou amestrar-nos mais adequadamente, para prosseguirmos no florescer de nossa exuberante vocação de otários, acomodados, explorados, esnobados, individualistas ou excluídos da locupletação geral - que é às vezes o que suspeito que a maioria sente, Deus me perdoe. Refiro-me às operações da Polícia Federal, em que nos mostram gente presa, algemada e encarcerada, para pouco depois vermos todo mundo solto e nada mais acontecer, até porque aprendemos a consumir escândalos. A produção é farta e então ninguém quer assistir ao mesmo episódio muito tempo. Como tudo mais hoje em dia, consome-se o escândalo do momento com cada vez maior velocidade e é necessária uma novidade a cada instante.

  • Não reforma nada aí

    Deve haver alguns entre vocês que ainda se lembram do tempo em que se falava em reformas de base. Era até meio moda intelectual falar-se nas reformas de base. O sujeito nem sabia direito o que eram as reformas de base, mas, nas boas conversas em sociedade, se manifestava, ainda que muitas vezes moderadamente, a favor das reformas de base. 'Claro que, sem as reformas de base, nada poderá ser feito', concluía-se judiciosamente qualquer pensamento sobre a realidade nacional.

  • Esculhambação

    Tive de enfrentar um certo trauma de infância, para conseguir usar o título acima. Sou do tempo em que essa palavra era chula mesmo e, como diz o Houaiss, tabuísmo. Menino que a pronunciasse na frente de senhoras estava arriscado a ter a boca lavada com sabão. Agora se escreve e se publica em jornal praticamente qualquer coisa e ela já faz parte do vocabulário cotidiano. Assim mesmo, sou obrigado a evitar os olhares de reprovação dos fantasmas de meu pai e de meu avô, ambos eméritos xingadores de jornal, mas xingadores finos, que raspavam palavrões polissilábicos em textos barrocos e nunca escreveriam nada com o título que escolhi hoje.

  • O fim do PT e a ascensão do lulismo

    Talvez julguem que a expressão “fim do PT” seja uma provocação. E talvez venha a redundar nisso, a depender do leitor, mas não é minha intenção. Na verdade, é o resultado de uma constatação tão “neutra” quanto é possível fazer constatações neutras, em matéria deste tipo. E é absolutamente honesta. Lembro, embora não literalmente, uma frase de Bernard Shaw a respeito do cristianismo. “A crucificação de Cristo foi o maior êxito político do Império Romano, porque o cristianismo acabou assim que Cristo expirou.”

  • Essa suspeita conversa de golpismo

    Ultimamente tenho ouvido e lido muito sobre golpismo. Ainda não consegui chegar a um denominador comum entre as várias manifestações de golpismo, mas parece que a tendência do governo e de seus partidários é considerar golpismo qualquer crítica ou manifestação contrária ao governo ou aos governantes. Deve-se, claro, excetuar liminarmente essa irresponsabilidade de “Fora, Lula”. Se bem que, há alguns anos, muitos lulistas tivessem gritado “Fora, FHC”, isso não justifica absolutamente o “Fora, Lula”. “Fora Lula”, sim, é golpismo. Ele, assim como o dr. Fernando Henrique antes, é o presidente constitucionalmente eleito e legítimo, não tem nada desse atraso burro de considerar uma boa idéia tirá-lo da presidência na marra. Mas, na verdade, eu acho que, se alguém gostaria mesmo de tirá-lo do poder na marra, é uma minoria microscópica.

  • O relaxogozismo num boteco do Leblon

    -Tu tá bem, cara, tu tá muito bem. Há muito tempo que não te vejo assim tão bem e com a cara tão alto astral. Tudo isso é o Botafogo? Tem razão, é preciso valorizar as raras alegrias da torcida do teu time. O Botafogo...- Qual é, cara, deixa o Botafogo pra lá, ainda mais tu, na tua condição de membro das Viúvas do Joelho do Obina, não tou pensando em futebol. Eu concordo com você que estou bem melhor, parei com aqueles grilos todos, agora vivo calmíssimo, quase zen. Não é só você, não, tá todo mundo notando. Lá em casa, aliás, o clima mudou completamente, está um verdadeiro paraíso. Você veja como é a vida. Tudo isso somente por uma questão filosófica. Depois dizem que a filosofia não tem importância na vida prática. Só tem, cara, tu tá vendo aqui o resultado, só tem.- Não saquei direito, tu tá estudando filosofia?- Não, assim com livro, formalmente, não. Mas, de certa forma, estou. De uma forma prática, quer dizer, praticando uma filosofia.- Tu leu aí algum livro de auto-ajuda? Se leu, me diz qual é, que eu sou vidrado em livro de auto-ajuda. É esse americano novo, do Querer Supremo? Esse a Glorinha já comprou e eu...- Tem nada disso, cara, o brasileiro é muito colonizado, fica indo na desses gringos que não tão com nada, não tão por dentro da nossa realidade. Qual é Querer Supremo, cara, aqui mesmo, diante da gente, a solução já foi lançada e é de fato a melhor, não tem comparação. É que santo de casa não faz milagre, aliás santa. Acho que ela está sendo vítima de uma grande injustiça.- Que santa está sofrendo uma grande injustiça? Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil? Com certeza ela está sofrendo uma grande injustiça, ela não merecia isso, bem que podia ser um paisinho melhor.- Não, cara, eu falei santa no sentido figurado, tu tá é querendo curtir com a minha cara. Tu sabe a quem eu tou me referindo.- Não, juro que não sei.- Claro que estou me referindo à d. Marta Suplicy, a ministra.- Saaaaaanta?- Não, cara, pára com isso. Não é nada disso. Eu estou usando o ditado "santo de casa não faz milagre" para mostrar que, apesar de ser uma excelente filosofia, a que ela sugeriu, ninguém levou a sério, ninguém se deu ao trabalho de estudar as implicações e muito menos experimentar na prática.- Você quer dizer o "relaxa e goza"?- É, mas eu acho essa uma maneira vulgar de colocar essa filosofia.- Foi o que ela disse.- Sim, mas ela não tinha muito tempo para falar, teve de ser uma coisa sintética, para as massas. O que ela não contava era com a má vontade que demonstraram, só a posteridade fará justiça, infelizmente.- Qual é, cara, ela toda ótima, com cara de gozação, neguinho rolando pelo chão do aeroporto três dias e três noites e até morrendo, e ela rindo e falando relaxa e goza? Tu tá pirado? Te deram um emprego também?- Não, sério, há muita profundidade no que ela disse. E muito senso da realidade. Por que a gente persiste em querer uma porção de coisas para o Brasil que o Brasil nunca vai ter?- Bem, para começar, as reformas...- Tu ainda tá nessa de reforma, te sintoniza, cara, esse negócio de reforma é saudosismo de velho. O fato é que o Brasil é assim, ponto. Qual é o certo? É dar murro em ponta de faca? É se estressar a ponto de ter um treco?- Quer dizer que você está pregando o conformismo?- Absolutamente, estou pregando o realismo. Até porque também não é assim. No meio da esculhambação, sempre aparece alguém fazendo alguma coisa, vê agora o caso da crise aérea.- Tu acha que estão resolvendo a crise aérea?- Claro que estão. Vai demorar, mas vão resolver.- Eu devo estar errado, mas só vejo o ministro Jobim marchando pra lá e pra cá com cara de general MacArthur, dando entrevistas e reclamando do tamanho das poltronas dos aviões. É, de concreto mesmo só vejo esse negócio do tamanho das poltronas.- É um passo¡ É um passo¡ Roma não foi feita num dia, também não é assim. O tamanho das poltronas já é um passo. Tu não pensa grande, não vê adiante. Eu, com essa novidade das poltronas, já estou prevendo uma porção de coisas, inclusive econômicas e tecnológicas, com o Brasil saindo na frente.- Desculpa, mas tamanho de poltrona é alta tecnologia?- Na base da improvisação, não, é claro. Mas é um campo muito complexo e vai ter que ser criada uma ciência, com o Brasil saindo na frente disparado. Aqui vai ser o berço da Bundometria, vamos ter o Instituto Nacional de Bundometria e as Normas Bundométricas Nacionais, todo mundo vai importar nosso know-how. Pense, pense nas implicações de todos os tipos, no imenso mercado que se abriria para bundometristas e bundólogos com profissão regulamentada, mamatas novas para todo mundo, Bolsa Bunda, nunca se mediu tanta bunda na História deste país, especialistas em fraudar bundômetros e a CPI da Bunda Falsa, cara, o céu é o limite, tu não tá vendo? Tenha fé¡- Eu tou vendo é que desta vez tu é que tá curtindo com a minha cara. Eu te levando a sério esse tempo todo e tu me sacaneando.- Não tem nada de sacanagem, cara, eu já disse que sou realista. Se não for assim, vai ser parecido, vai por mim. Relaxa e goza, cara.

  • Achacando novamente

    Já escrevi aqui diversas vezes, movido pela observação do nosso comportamento no geral apático, resignado, submisso, subserviente perante a ortoridade e, ouso dizer, desfibrado e passivo, que somos um povo ovino. Certamente a generalização deve ser vista com as necessárias reservas, pois já houve, aqui e ali em nossa História, episódios em que pelo menos parte de nós não procedeu como uma carneirada. Mas hoje, não. Hoje, governados por medidas provisórias e canetadas diversas, não só nos tangem para lá e para cá como um rebanho de que nem é mais necessário cobrar docilidade, como debocham da gente o tempo todo - mentindo, achando que somos todos imbecis e curtindo com a nossa cara. O comentário geral é de que o povo não respeita mais os governantes, especialmente deputados e senadores. Acho isso engraçado, pois, na minha opinião, é exatamente o contrário. Eles é que não nos respeitam e não estão querendo nem saber o que pensamos.

  • De caju em caju

    É uma pena que o presidente Lula não seja nordestino e, portanto, não conheça bem a farta presença sociocultural do caju naquela remota região do país. Talvez devamos creditar aos poucos anos passados em Pernambuco a epifania que parece tê-lo acometido, quando ele, enquanto o Supremo avaliava denúncias gravíssimas contra velhos companheiros seus, sopesou um caju como Hamlet ao crânio de Yorick e, talvez emocionado, sentiu-se filosófico. Presumimos isso porque chegou a iniciar um solilóquio, em que, evocando em quem o via outra imagem hamletiana ("há algo de podre no reino da Dinamarca"), queixou-se de injustiças que suspeitava haverem sido praticadas contra o caju.

  • Data venia

    Jornalisticamente, creio que o assunto que vou abordar está velhíssimo. Qualquer coisa hoje em dia fica velha em questão de horas, ou mesmo minutos, especialmente notícias e as breves discussões que elas motivam, logo antes de serem substituídas pela novidade mais recente. E o de que vou tratar já tem ou vai fazer umas duas semanas, o que, para um editor de notícias, é sítio arqueológico. Contudo, há aspectos que não ficaram velhos e mal foram examinados, quando se noticiou o fato. Falei até com alguns dos amigos da mídia (por sinal, com a maior dificuldade em encontrá-los; essa conspiração da mídia está uma bagunça, ninguém sabe o número do telefone de ninguém, ninguém me passa tarefas, não fazem reuniões e nem sequer elaboraram um manualzinho elementar de golpismo, é uma zona), com o objetivo de escandalizá-los como eu havia me escandalizado, mas a maior parte deles me ouviu com a amável condescendência que se reserva aos que sempre estão por fora, embora não sejam de todo tapados.

  • O golpe já começou

    Vocês vejam como, em volteios e ironias, a vida nos dá constantes lições de humildade. Faz poucas semanas, argumentei aqui que não havia golpismo nenhum no Brasil, a não ser numa cabeça desvairada ou outra. Gira o mundo, passam os dias, e agora me encontro na obrigação de engolir minhas palavras. Fosse lá no bom sertão de onde vem o dr. Renan Calheiros, talvez um coronel me obrigasse a literalmente comer o jornal, como é detruz. Nem é preciso trabalhar muito, porque a de 37 está aí mesmo, para ser copiada ou servir de modelo, retiradas as partes mais progressistas. A admiração do presidente Lula por Getúlio Vargas vai ficar bem mais fervorosa.