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Artigos

  • A nova classe média

    O Globo, em 10/11/2013

    A questão das classes sociais, sempre controvertida em toda parte, é particularmente difícil de abordar em Itaparica. Meu saudoso amigo Zé de Honorina, em momentos de indignação cívica, costumava dizer que não havia classes sociais na ilha. “Aqui é tudo igual”, dizia ele. “Tudo a mesma desgraça.” Uma vez eu tentei contrapor alguns argumentos discordantes.

  • Mentindo em Berlim, sem meias

    O Globo, em 27/10/2013

    A tecnologia cibernética e a globalização dificultam muito a vida dos escritores viajantes, cujos veneráveis patronos talvez sejam Heródoto, Marco Polo e, no caso da língua portuguesa, o grande Fernão Mendes Pinto, também ingratamente conhecido como "Fernão, Mentes". Era muito bom, quando se podiam fazer relatos assombrosos de monstros marinhos que engoliam navios inteiros sem mastigar, reis e imperadores que moravam em palácios de ouro maciço, rinocerontes voadores e portentos para qualquer gosto ou fantasia. Sumiram até mesmo os mentirosos de renome local, como os de Itaparica, hoje reduzidos a uma meia dúzia desalentada, que não pode competir com a tevê e mal reúne plateias minúsculas de dois ou três gatos-pingados, mesmo assim descrentes, desrespeitosas e contestadoras, que duvidam até de façanhas singelas, como a descrita numa das histórias contadas pelo finado Lamartine. O tocante episódio teve início quando o papagaio de Lamartine, presente da sua dele santa esposa, a também saudosa dona Naninha, fugiu de casa, onde vivia solto, poucas semanas antes de seu dono chegar à então avançada idade de sessenta anos, ocasião festiva para todos.

  • Um passeio no Zoológico

    O Globo, em 20/10/2013

    Não há motivo para pânico ainda, mas talvez para certa inquietação. Em muitas lojas, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais aqui de Berlim, estampa-se, em local visível, um peremptório aviso aos fregueses: não se aceitam, sob nenhum pretexto, notas de quinhentos euros. Nas lojas onde não postam o aviso, quem tenta usar uma nota dessas recebe um olhar suspeitíssimo, se sente um Al Capone e fica com medo de que chamem a polícia. A loja prefere receber de volta a mercadoria escolhida a sequer tocar na nota maldita, não adianta insistir. Nas grandes lojas, os caixas também fazem um ar de extrema desconfiança, mas, quando a venda vale a pena, pegam a nota como se ela estivesse contaminada por uma bactéria mortífera e a levam para um exame pericial. Já devem ter inventado uma máquina especializada nesse serviço, porque o exame leva pouco tempo e se declara um alívio geral, quase festivo, quando o funcionário volta depois da perícia, já segurando a nota com o carinho devido a quinhentos euros legítimos. Suspiros, sorrisos e manifestações quase festivas se seguem, uma verdadeira confraternização internacional.

  • Frankfurt e Nazaré

    O Globo, em 13/10/2013

    Receio que minha vinda aqui à feira do livro de Frankfurt não tenha causado grande impressão lá em Itaparica. Antes de vir para cá, dei uns telefonemas para um seleto grupo de conterrâneos e acho que o único resultado que obtive foi a confirmação da opinião do meu saudoso amigo Luiz Cuiuba, segundo a qual eu sempre tive uns problemas na ideia, como, aliás, também suspeitava dona Madalena, nossa professora primária. Não sei se já contei aqui que Cuiuba nem sequer me considerava escritor e fazia umas caretinhas de mofa, quando eu insistia que era. Ele tinha lá suas razões, porque uma vez, numa tertúlia realizada no Mercado, durante uma discussão para saber quem era capaz de citar mais nomes de peixe (marcas de peixe, como lá se diz), ele se envolveu numa discussão acalorada com Ioiô Saldanha, seu oponente na contenda. Depois de várias alegações, por ambos os debatedores, de que certos peixes já haviam sido citados antes, Cuiuba propôs uma solução.

  • O ritual do esperneio

    O Globo, em 14/07/2013

    Pode ser que, diante da rápida sucessão de acontecimentos notáveis que temos testemunhado, meu assunto deste domingo já haja caducado, apesar da importância que lhe deram. Tudo agora é soterrado num passado cada vez mais próximo do presente e o famoso de hoje é o anônimo de amanhã, assim como a novidade tecnológica já sai obsoleta das prateleiras e as modas passam antes mesmo de pegar de todo. Nas últimas semanas, a velocidade de certos eventos chega a ser atordoante, para quem está, por exemplo, acostumado ao ritmo quelônio do Congresso Nacional e seu toque de bola no meio do campo, sem nunca chegar ao gol, mesmo porque o bicho já está garantido, quer haja gol, quer não haja. Até a renomada semana de três dias foi pressurosamente esquecida, uma coisa em que a gente só acredita porque viu na televisão.

  • Feliz ano novo

    O Globo, em 30/12/2012

    Como acho que já contei aqui, meu primeiro emprego, aos dezessete anos, foi em jornal, na época em que não havia escola de comunicação e a gente tinha de aprender no tapa, ouvindo esbregues dos superiores (ou seja, todo mundo na redação, porque o status do foca equivalia ao de um recruta dos Fuzileiros Navais) e imitando os veteranos que mais admirávamos ou invejávamos. Fui um repórter esforçado mas bisonho, e desconfio que, nos primeiros tempos, só não me demitiram porque eu falava inglês e quebrava o galho da cobertura local, entrevistando os gringos que se hospedavam no velho Hotel da Bahia, então o único de nível internacional em Salvador.

  • Visão pragmática da problemática

    O Globo, em 23/12/2012

    Há quem acredite que exagero, quando falo nas muitas excelências de Itaparica, tanto as presentes quanto as passadas. Mas é uma impressão falsa, porque, embora não possa ignorar esses grandes predicados, procuro sempre ater-me à imparcialidade e fidelidade aos fatos que devem nortear o bom jornalismo informativo. Agora mesmo, diante dos acontecimentos nacionais, sou o primeiro a reconhecer que carecemos hoje de juristas capazes de prestar uma contribuição significativa aos debates em curso. Bem verdade que, se tivessem anel no dedo, Ary de Maninha e Jacob Branco botariam num chinelo muitos desses advogadecos mal-acabados que por aí abundam, mas o fato é que, pelo menos que eu saiba, ninguém na ilha pode alegar notório saber jurídico e pleitear ser ouvido sobre questões constitucionais. O que não impede, naturalmente, que se registre um pronunciamento marcante ou outro, como o do citado Ary de Maninha, na happy hour das nove da manhã, no Bar de Espanha.

  • Esquerda, direita

    O Globo, em 16/12/2012

    Desculpem-me por falar na ilha tão seguidamente, mas é que acho que algumas novidades de lá apresentam certo interesse, diante da delicada conjuntura nacional. É o caso dessas graves questões de direita e esquerda, agora trazidas à baila o tempo todo, para vexatória confusão de grande parte da coletividade — e os cidadãos da ilha não são exceção. A baralhada vem logo de cima, porque o ex-presidente Lula já disse que nunca foi de esquerda, mas agora parece que as coisas mudaram e, no momento, ele é de esquerda e não abre, e quem não está com ele é de direita. Como bem observou Beto Lindo Olhar, num raro momento de exasperação, assim fica difícil até puxar o saco.

  • Itaparica outra vez na vanguarda

    O Globo, em 25/11/2012

    Embora fique com vontade, não preciso relembrar aqui o papel marcante desempenhado por Itaparica, em toda a História do Brasil. Já falei sobre isso muitas vezes, mas a ingratidão de uns e outros volta e meia me faz querer repetir o extenso e glorioso inventário de nossa participação nos grandes eventos nacionais, desde a época da chegada de Cabral. Nem é preciso dizer que o julgamento do mensalão tem tido muita repercussão na cidade e concentrou as atenções no Bar de Espanha, só perdendo para o Vitória e o Bahia. Já se fazia tardar um breve relato dessa repercussão e, pedindo desculpas pela demora, me apresso a narrar o que me deram a conhecer.

  • Aflições noturnas

    O Globo, em 18/11/2012

    Vocês também devem ter lido a respeito da utilização de celulares como forma de pagamento ou transferência de dinheiro. Já está chegando, ou vai chegar em breve. Quando eu era menino e lia tudo o que podia, achei lá em casa um livro velho, com ilustrações sombrias, sobre os males da fraqueza nervosa, que eu não sabia o que era, mas de boa coisa não se tratava, a julgar pela cara franzida e meio tresvariada estampada na capa. Impressionava também a visão de um velhote, sentado de pijama na beira da cama com o cabelo desgrenhado, aparentemente desperto de um pesadelo. A legenda explicava que, depois de uma certa idade, muitos indivíduos (e indivíduas, segundo a gramática da República) padecem de aflições noturnas, ansiedades, dispneias, disúrias, discinesias, dispepsias e inúmeras outras condições molestosas, que não raro induzem a fundos estados melancólicos e, por vezes, até mesmo ao passamento prematuro os textos de antigamente eram caprichados.

  • Mais um serviço para o chato a jato

    O Globo, em 28/10/2012

    Mesmo no tempo das hélices, já havia chato a jato. Claro que já havia, o que não havia era avião a jato. A designação de hoje se deve à tecnologia dos aviões atuais, mas creio que, desde que o homem passou a utilizar meios de deslocamento que não as pernas, o chato a jato já existia. Hão de ter existido chato a cavalo, chato de trenó, chato de trirreme, chato de caravela e assim por diante. No meu caso, que sou chato a jato, não acho impossível que se trate de um problema de origem genética. O coronel Ubaldo, meu façanhudo avô materno, que nunca chegou nem perto de um avião e ficava inquieto nas raríssimas ocasiões em que algum deles sobrevoava a ilha, era renomado chato de canoa e de lombo de jegue.

  • A culpa não é da imprensa

    O Globo, em 14/10/2012

    Desde que o mundo é mundo, dar más notícias não é bom negócio. Não resolve nada cortar a cabeça do mensageiro, mas parece que os destinatários das más notícias têm opinião diversa, principalmente quando são poderosos e a mensagem anuncia algo que ameaça esse poder. E isso se estende às opiniões. Também desde que o mundo é mundo, os cortesãos aprendem a evitar dar palpites negativos sobre os atos dos poderosos de que dependem e é proverbial a recorrência, no folclore de muitas culturas, de histórias sobre como reis se disfarçavam e assim saíam às ruas, para tentar ouvir sem intermediários o que falavam seus súditos.

  • Protegendo as crianças

    O Globo, em 25/12/2011

    Uma vez falei aqui contra a chamada lei da palmada e fiquei com medo de sofrer uma tentativa de linchamento. Falei contra a lei e não a favor da palmada, mas fui amplamente descrito como um primitivo nordestino, defensor da tortura de criancinhas. Então acho que devo esclarecer que apanhei bastante em pequeno e até admito que o muito que há de torto em minha cabeça possa ser ligado a essas tundas, que iam bastante além de palmadas, em detalhes que não me dá gosto lembrar. No meu currículo, arrolam-se chinelos, tamancos, cabos de escovas, palmatórias (não só em casa, mas também na escola da professora Madalena, em Itaparica), cinturões de todos os materiais, beliscões, puxavantes de orelha, um ocasional cachação e aparentados.

  • Melhor não adoecer

    O Estado de São Paulo, em 18/12/2011

    Acho que, como eu, pelo menos alguns de vocês às vezes resolvem, embora saibam que não dará certo, não ler mais jornais, nem querer saber de noticiários. É tanta desgraça acontecendo, tanta catástrofe, tanta monstruosidade, tanta gente sofrendo adversidades tão medonhas que ou desviamos os olhos e o pensamento, ou perdemos de vez a fé na humanidade e até mesmo qualquer esperança no futuro. Mas não adianta. Jornal e noticiário são vício e necessidade, no meu caso redobrados, porque me enfiaram numa redação de jornal aos dezessete anos e, de certa forma, jamais saí dela inteiramente.

  • Abaixo Chapeuzinho

    O Globo, em 11/12/2011

    Como temos visto, parece estar na moda o Estado se meter cada vez mais na vida privada dos cidadãos. Na convicção de que existem, universalmente, comportamentos "certos" ou "corretos", tecnocratas fazem tudo para impingir-nos essa correção. É comum que sejam alegadas bases "científicas" para definições do normal e do desejável, com frequência misturando-se asininamente a neutralidade da ciência com valores que não têm, nem pretendem ter, fundamento científico, mas cultural, filosófico ou religioso. Acaba-se gerando - e suspeito que isso se vem intensificando - a expectativa de que todos assumam diante da vida a mesma atitude "normal" ou "sadia" e ajam sempre de acordo com ela. Se alguém não se encaixa nessa fôrma, não só padecerá de culpa e estresse, convencido de que, de alguma maneira, é um réprobo anormal ou doente, como, em atos cada vez mais numerosos, o Estado força o cidadão a proteger-se do que é oficialmente considerado danoso ou inapropriado, cerceando-lhe, "no seu próprio interesse", a liberdade. O Estado sabe o que é bom para nós e não temos o direito de contestá-lo.