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Artigos

  • Unanimidade para a hegemonia

    Jornal do Commercio (RJ), em 17/11/2006

    A Câmara Americana, por quase dois terços dos seus votos, aprovou projeto de lei que consagra o que Bush pediu a Deus para de vez instalar o reino da hegemonia no país dos direitos humanos. Não foram só os republicanos que optaram pela nova proposta legal, que permite a espionagem indefinida dos telefones americanos, as torturas por imersão, ou levam a penas, até de morte, acusados de terrorismo, sem conhecimento do libelo, nem efetivo direito de defesa. O projeto vencedor, por enquanto, consagra a norma inédita de que caberá apenas ao presidente discernir o que seja tortura grave ou branda. E bane de vez o respeito às Convenções de Genebra, ao que seja o tratamento de prisioneiros quando considerados como insurgentes e não como membros de exércitos regulares. Consagra, a reboque da nova legislação, a permanência indefinida, pois, de Guantánamo, tal como considera como definitivas as confissões obtidas declaradamente sob tortura até 2005. A senadora Hilary Clinton votou com os republicanos, assim como boa parte de seus colegas de partido. A decisão veio a toque de caixa, com vistas às eleições estaduais. E o que importa é o quanto cada partido se tornasse mais duro frente aos eleitores, diante da convicção de estar o país ameaçado pelo terrorismo e possíveis novas catástrofes no território americano. Desapareceu toda a expectativa de que a clássica oposição entre duros e brandos na condução da potência hegemônica obedecesse ainda à clivagem clássica entre o partido de Roosevelt e Kennedy ou de Nixon e Bush. O que estarrece é o quanto, na perspectiva da afirmação das garantias de um estado de direito e do país arcano das liberdades, o arreganho eleitoral imediatista confunde de vez a imagem histórica do país e da sua confiabilidade a largo prazo pela plataforma de direitos humanos nascida com Jefferson, Lincoln e Roosevelt. Não importa esteja Bush no nadir hoje de sua popularidade, aos 28%, quando tinha quase 90% ao caírem as torres do World Trade Center. Se se tacha hoje o presidente de incompetência, nada se tira da dominância nova da política americana de aceitar as regras do jogo e, de vez, da "civilização do medo". O próprio Partido Republicano e figuras-chave dos antigos falcões, como os senadores Warner e McCain, refugaram a liberação ostensiva do regime das torturas como o caminho mais direto ao recrudescimento do terrorismo. Arrefeceram as suas vozes, inclusive de heróis de guerra e torturados no Vietnã, quanto à catástrofe que representaria hoje, em torno de escalada a longo prazo, a violação repetida e crescente dos direitos humanos para intimidar terroristas. O que se vê instalada é, de vez, a "civilização do medo", eliminando-se qualquer calendário de retirada das tropas americanas no Oriente Médio, redobrando-se a convocação de reservistas e trazendo-se agora a sétima frota americana para cercar os portos do Golfo Pérsico. O choque, de que não ouvimos ainda o troar, é dessa maioria no Congresso americano, para além das bandeiras partidárias, que quer de vez criar o fato consumado do país hegemônico, à margem por inteiro do regime internacional de proteção das garantias básicas dos direitos humanos, refratário a que as Nações Unidas se imiscuam em qualquer questão de etnocídios ou de genocídios que decorram da "civilização do medo". Passa a viger a garantir suprema e estrita da segurança nacional americana e a total inviabilidade de que se possa dar qualquer habeas corpus para a salvaguarda da Convenção de Genebra quanto ao respeito aos prisioneiros. Inaugura-se, sim, a figura do combatente inimigo, sem recursos, voz e defesa, jogados no vácuo do arbítrio presidencial, para saber até onde possam ser objeto de estupro, experimentos biológicos e tratamento cruel e desumano. Não está mais em causa a opção feita por Bush quanto ao que dele pensarão no futuro os antigos presidentes de perfil esculpido para sempre no Monte Rushmore. Claro, aí fica de novo a Suprema Corte diante da aliança do Executivo e da legislatura no caminho de opção sem volta oferecida ao eleitorado. Na mesma onda, submerge de vez uma candidatura Clinton, a se manter uma alternativa. O país que irá ao Supremo não sabe ainda quem serão os seus líderes à altura de novos Roosevelts ou Jeffersons.

  • O povo de Lula no poder

    Jornal do Commercio (RJ), em 13/11/2006

    A vitória do presidente não consagra apenas esta situação inédita da força do petista sem o PT, sem herdeiros, e cobrado a uma responsabilidade histórica sem volta. Por força, fica agora a trégua para a total avaliação, pelo presidente, do novo e amplo horizonte à sua frente, para dizer finalmente a que veio depois da chegada ao Planalto em 2002. Aí está consagrado por esse "povo de Lula", que impôs de vez uma nova consciência de mudança a partir do país da marginalidade e daqueles 33% de brasileiros ainda fora de uma economia de mercado e das condições de melhoria continuada, que passa a assegurar.

  • A nova esquerda, já

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 27/10/2006

    Os debates do segundo turno tornaram nítidos os ganhos profundos da consciência cívica brasileira diante da volta às urnas. Vamos, de fato, a um plebiscito em que o voto contra Lula tornou clara as alternativas para o nosso processo político. Ao contrário do esperado, não aumentou o coeficiente dos votos nulos, como sepulcro dos votos radicais ou da ingenuidade do bom mocismo, diante do dilema básico esboçado pelo 1° de outubro.Alckmin encarregou-se de passar o óbvio a limpo, na exuberância do que seja o Brasil do status quo, que não precisa de programa., nem de qualquer surpresa quanto a para onde não vamos. Esgotou, no primeiro round, toda munição, como é próprio à arremetida do denuncismo moralista, e de logo começou a queda crescente de votos, o que comprova o desinteresse por qualquer debate como tira-teima eleitoral.Ficou em meio a meio o apoio do "Brasil-bem" à oposição frente ao petista, intacto na sua ressonância no país de fora e na paciência de esperar por um segundo mandato, apesar de Lula. Sem o PT e sem herdeiros, reforça-se do ativo inesperado ganho em toda a "virada de página" entre os dois eleitorados que ora foram ao "plebiscito". Não se trata dos vaticínios do país, por uma vez, geograficamente rachado, nem de uma nação exposta ao dilema de pobres e ricos, no exaurido chavão. É o país da nova prosperidade, ao contrário, o que votou em Lula, na força do crescimento comparado atual do Norte e do Nordeste, frente à quebra do Rio Grande e às situações de decadência enfrentadas em tantas faixas econômicas do Sul.O que calha, afinal, na opinião pública, não é o que se inventa, mas o que, afinal, se desvela como avanço de uma toma de consciência pela mudança. Não se a faz sem o reclamo da presença do Estado no desenvolvimento, em modelo oposto ao das privatizações e ao da lógica pregressa, em que um novo tucanato continuaria o governo FH.No jogo das acusações mútuas, dos exageros e das mentiras, não se pode sempre enganar o inconsciente coletivo. Nessa dimensão, quem sofre da marginalidade coletiva é que encontra o rumo de vencê-la, por um sentido básico de sobrevivência, e vê o voto como opção política decisiva. Tanto a repetição da denúncia da corrupção choveu no molhado de sempre, tanto chegou à consciência nacional o risco da privatização, como fecho e rumo sem volta da prosperidade neoliberal.Defensiva. Definiu-se o "plebiscito", no recuo fatal de Alckmin, no perder o bonde do moralismo, para refugiar-se na patética negativa de que não disse o que disse. A jaqueta do tucano, coberto dos dísticos e insígnias sôfregos da Petrobrás, gritava o travestismo político, passado à melancólica defensiva a partir daí nos debates.O segundo turno permitiu, de vez, esse avanço histórico, em dois tempos, do que seria, em caso contrário, a regressão pindamonho-tucana. Os primeiros dias do novo mandato consagrarão toda uma nova esquerda, na garantia dessa presença do Estado na nova prosperidade do país, do realismo das políticas sociais, saídas dos escrúpulos do desenvolvimento medroso e, sobretudo, das trampas que podem implodir os meses da lua-de-mel do "segundo" Lula. Não vamos perdê-la no fantasma da corrupção, levando às novas desmoralizações dos processos dos sanguessugas e mensaleiros sobreviventes, nem acreditar que é pela reforma política que se dá o passo adiante, tanto o caixa 2 foi o grande vitorioso da reeleição, e o sistema está aí ainda para ficar. Uma nova esquerda, para além do PT, e curada dos pruridos da radicalidade, saída da enfermaria de Heloísa Helena, e fiel ao sentido da nação de Leonel Brizola, tem prazos mínimos para impedir que a clientelização do sistema se transforme no consolo tardio da detergência tucana.

  • Do moralismo à ameaça institucional

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 18/10/2006

    Os presidentes do PFL e do PSDB passam à nova etapa da contestação do processo eleitoral. O recurso pedido ao Congresso e à OAB para intervir na averiguação policial do dossiê dos dólares já vai ao abalo da normalidade institucional. E se escora na insensibilidade cívica da eleição do novo Legislativo.

  • Debates não mudam mais votos

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 13/10/2006

    O debate da Band acabou em anticlímax. Não se trata de saber quem ganhou, mas quem perdeu menos. E, de parte a parte, esgotaram-se os argumentos para que um novo encontro venha, de fato, a se transformar no fantasma de uma derrota de Lula, ao último momento. O que se assistiu foi, ao mesmo tempo, a pobreza radical da temática, pondo em causa mesmo o nível de cultura política compatível com a expectativa eleitoral e a agonia deste segundo turno.Será em vão que Lula pedirá um confronto de fundo sobre programas de governo. Ou que Alckmin escape da estrita perspectiva paulista, no dizer a que veio. Nem o mero arrolar de cifras ganhará qualquer afrodisíaco para uma mudança de voto. Foi-se à rinha inesperada da agressão, em todos os seus esporões verbais.A contundência não foi ao golpe de temas, nem à convicção do dito, mas a atitude ou ao "caras e bocas", próprias a um programa de auditório. Respostas lidas ou decoradas; afoiteza ou tatibitate, a faltar só ataques mútuos sobre a indumentária, ou à cor das gravatas dos adversários.No jogo só de pontos perdidos, fica a competição por quem mais avançou, no acusar o outro de mentiroso. Mas o gesto largo coube, de qualquer forma, ao presidente, quando cobrou a discussão engasgada; pediu abertura de horizontes, sempre retrancada por Alckmin, ou jogou sem concessões, na amplitude do confronto entre o seu governo e o do antecessor.Uma impressão final, no bater do martelo, é a de que, se a corrupção é generalizada e se incrustou no sistema de poder brasileiro, no governo Lula começa a averiguação e a polícia diz a que vem, e algema.O candidato da oposição mostrou também que não têm mais bala na manga, tanto de fato o moralismo sova o seu argumento logo. Não há mais dinheiro nas gavetas para trazer ao vídeo.Qual a munição final dos tucanos? Não gastou Lula mais em viagens que FHC. A acusação já foi às temeridades inadmissíveis, num percurso fatal, como o do tiro no vídeo - ou no pé.Perderam-se os contendores na floresta de siglas e no febeapá das políticas de educação, sem que Lula pudesse salientar o essencial. O percento hoje do país pobre que chega de fato ao ensino superior dobrou sobre o anterior.A acusação da mentira é a mais promíscua, neste tipo de debate-limite. Repete-se. Mas um debate rui quando um contendor já aposta sobre o nível de consenso da opinião pública; entre argumentos surrados, e trampas da bobagem. O "aero-Lula" foi, de vez, enterrado como sandice sem direitos a coroas. Num quadro de subcultura também, afinal, se viram páginas.Esta eleição tem o número mínimo já de indecisos. E menor, ainda, de néscios ou ingênuos, em quem Alckmin veja, ainda, um reduto de votos.

  • O percento que falta

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 06/10/2006

    Não podemos ter leituras equivocadas no percento que faltou a Lula no primeiro turno. Ganhará, agora, e de vez, pelo voto - opção de Lula - sobre o voto protesto, ou da indignação do instante. O confronto aí está, puro, muito mais do que entre regiões, na escolha básica entre o país instalado e a nação de fora. A queda do presidente no extremo Sul ou a surpresa de seu declínio no Centro-Oeste já podem refletir os hematomas localizados do país rico, que castiga nas urnas o situacionismo da hora pelos seus desconfortos.

  • País decente, nação injusta

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 04/10/2006

    O 1% de menos para a vitória do presidente no primeiro turno pode ir à história como a perda decisiva da opção da mudança e de seu acesso pelo Brasil de fora. O país não sai apenas rachado do 1º de outubro. Expõe-se à tragédia, sem volta, do surto do moralismo político, como instrumento do status quo, em toda a força do seu comando mediático da opinião pública.

  • Às vésperas da "civilização do medo"

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 22/09/2006

    Atingido com a baixa inédita dos 28% só de aprovação popular Bush parte finalmente para a estratégia de retorno aos píncaros da sua popularidade após o 11 de setembro. E aproveitou a relembrança dos primeiros cinco anos da data catastrófica para não deixar dúvidas quanto ao futuro que fecha a sua nação, aprisionando-a no universo de receio e de coabitação sem volta com o terrorismo.As últimas declarações da Casa Branca são incisivas quanto ao desafio à Corte Suprema americana que tornou inequívoca a coexistência de disposições críticas do Patriot Act - aprovado sob as cinzas fumegantes do World Trade Center - para um efetivo regime das liberdades e das garantias do direito do homem de que, afinal, foram predecessores fundamentais os founding fathers da primeira Carta americana moderna, de Franklin e Jefferson em Washington.O governo Bush não deixou dúvidas quanto ao apoio à CIA e às novas regulações de segurança quanto a manutenção de um regime duro de torturas diante dos suspeitos de terrorismo. Admitem a imersão da cabeça dos presos em baldes d"água, ou ameaças de inanição. E o presidente continuará a questionar a decisão-chave de 5 a 3 da Corte, e o Acórdão Soutes, quanto à obediência pelos Estados Unidos, às Convenções de Genebra, e a inclusão dos homicidas do Al-Qaeda às garantias dos prisioneiros de guerra.Desaparecerão, sim, no que se tornava insustentável diante do acórdão as muitas prisões secretas da CIA onde se presume se repetiriam as violências de Abu-Ghraib ou da tortura sistemática para obtenção das informações dos inimigos da humanidade na sua tentativa de abate do mundo do dito "grande Satã".O presidente não deixa dúvida sobre o quanto já, e sem volta, quer ser lembrado na larga perspectiva da história como o líder sem receio nem contemplação, da face implacável dos Estados Unidos diante dos seus inimigos. Mormente quando a alternativa, tal como repetiu Bin Laden nas últimas semanas, seja a da conversão da América ao Islão.Entorpeceu-se a grita contra a revelação das violências das torturas de Abu-Ghaib, mesmo quando agora o presidente confessa a existência de prisões secretas e palcos da extração de informações a qualquer custo dos terroristas. Democratas e republicanos reconhecem o perigo da nação ineditamente ameaçada, mas ainda hesitam sobre a prevalência efetiva da Rule of Law sobre o definitivo mergulho dos Estados Unidos nas leis de exceção e na protração indefinida de um inédito estado de guerra larvar para as próximas décadas.É de logo que o núcleo duro do Bushismo se revigorou no extremo deste neo-evangelismo conservador, que chegou a ver, através de Pat Dickson, por exemplo, a queda das torres como uma punição à América pela tolerância com o homossexualismo, o casamento gay, a complacência com o aberto e amplitude do consumo de drogas no seu território. E é nesta mesma hora que alguns senadores e senadoras "neocons", chegam até - para espanto póstumo e irredutível dos founding fathers - a reconhecer como após o Patriot Act os princípios evangélicos deveriam estar consagrados numa legislação americana que chegasse ao último maniqueísmo, e ao combate ao mal visto como ínsito ao terrorismo.Os mesmos grupos secundaram enfaticamente a reação de Israel frente ao Hezbollah, tanto os Estados Unidos se vêem sucessores da tarefa histórica da nação eleita por Deus. Washington reforçaria, num mundo dos jihads, a aliança com Deus, e a preservação dos valores de sua lei, no mundo corrompido na modernidade e sua devastadora secularização. Há seis meses ainda e antes da nova leva terrorista, o Congresso americano marchava para a abolição final do Patriot Act. Hoje se reconhece que não há conexão entre o Al-Qaeda e Saddam, se dá conta da multiplicidade dos focos de ataque aos Estados Unidos e que exige do país passar da defensiva às guerras preemptivas para destruir antecipadamente os adversários.Experimentada nos mísseis arrasa quarteirão em Beirute no sul do Líbano, a preempção se alinha, em todo o seu portento, no que seja uma resposta final aos arreganhos de Ahmadinejad. O que de toda forma parece desaparecer é qualquer tentativa de que os Estados Unidos aliem-se às Nações Unidas, à prevenção do genocídio ou do etnocídio e na aceitação da Corte de Haia como para o julgamento dos crimes contra a humanidade.De toda forma, a comemoração deste qüinqüênio do horror da queda das torres mostra como o seu abalo foi além do ground zero. Uma nova filosofia defensiva pode ir ao pedido de emenda constitucional e quiçá até ao seu plebiscito. A Corte Suprema julgou a violência de Guantanamo e o atentado aos direitos de seus detentos frente à Carta de Jefferson e de Roosevelt. O sucessor de Bush terá a responsabilidade de confirmar ou não a expectativa do mundo livre, de que o país canônico das liberdades não fecha, de vez, os cadeados de uma "civilização do medo".

  • Hegemonia e implosão democrática

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 20/09/2006

    As cerimônias do qüinqüênio do horror da queda das torres em Nova York mostraram-nos mais do que a desolação das repartidas, diante do quarteirão arrasado, do ground zero. A demora da reconstrução exprime também as hesitações no como retomar o mundo de antes da catástrofe, buscando uma efetiva "cultura da paz". A crescente exasperação da luta contra o terror só evidencia o quanto estamos no começo de uma nova guerra de 100 anos, a consolidar uma "civilização do medo". Mormente quando o perigo passa a se encontrar numa pasta de dente na mala de mão, e o que começou com a Al Qaeda, hoje, se alastra numa ameaça incontrolável, anônima, e talvez apenas no começo de uma confrontação sem volta, do martírio assumido pela causa islâmica, além do seu mundo original.

  • Ética coletiva

    O Globo (Rio de Janeiro), em 18/09/2006

    O Globo levou toda a riqueza da nossa intelectualidade a manifestar-se sobre questão-chave do presente momento político brasileiro. A que vai a exigência ética, e de como se vence o bordão para reclamá-la? Neste momento de transformação da sociedade brasileira quais seus imperativos prioritários? O impacto crítico do governo que ora disputa a reeleição foi infundir à massa mais desvalida de seus eleitores a idéia de que saímos da inércia social, e de que existe poder político tocado pelo país do outro lado.

  • América Latina, democracia e guerra civil

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 15/09/2006

    Os incidentes finais da legitimação da chapa presidencial eleita no México abrem uma nova brecha na validade das instituições latino-americanas. O candidato Lopez Obrador, perdendo a eleição por frações mínimas, pediu e obteve a recontagem de votos, forçando ao extremo as regras do jogo democrático. Não obstante a clara sentença final da Corte Suprema pelo candidato Fernando Calderón, o perdedor, em manifestação inédita, neste último século, em todo o Continente, negou-se em aceitar a voz das urnas referendada pelo martelo do Judiciário.

  • Finalmente, um partido conservador

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 08/09/2006

    A candidatura Alckmin perdeu, definitivamente, a velocidade de escape e começa a ser empurrada para debaixo do tapete em várias campanhas estaduais. A melhora esporádica em percentuais compensa-se com a queda, esta, sim, prematura de Heloísa Helena, perdendo os dois dígitos. O desfecho da campanha fortalece o Brasil profundo, de par com a desmoralização objetiva - e inquietante - do poder legislativo e inclusive em parcela significativa do que foi a contaminação da primeira geração petista trazida ao poder, suas benesses, suas tentações, ou seus riscos calculados.Inquieta o quanto o partido de Lula que não logrou renovar o seu plantel de escolhas representativas, mesmo que a crise permitisse a renovação interna dos seus quadros, num exercício de crítica e autocrítica que esperaram as parcelas de seu eleitorado, ainda lindeiras do arranco original de Lula.O novo governo não encontrará o PT como partido dominante e recorrerá dobradamente a realpolitik de constituição de uma maioria operacional. E redobrando as dificuldades dos adesismos, nascidos das clientelas, ou dos pactos pecuniários, deparará a posição estratégica do PMDB na condução deste processo, como que condenado à política de mudança tanto o PSDB soldou-se ao PFL como as legendas do minguante conservadorismo nacional.É nesta mesma medida que a nova investidura de Lula se apoiará na opção de base que cauciona o sentido da reeleição. O presidente não terá mais a mediação imediata de suas maiorias anteriores. No vácuo do PT crescem a presença dos sindicatos - e a tentação do Estado sindical - e dos movimentos sociais, deixados à ilharga no primeiro mandato pela sua passagem à institucionalização - para muitos, prematura - das conquistas das Ongs. Foi o resultado do trato do problema das minorias, à margem das efetivas pressões sociais que lhes outorgassem efetiva prioridade nas realizações do governo.A reeleição defrontará o começo de uma mobilização política que será o resultado natural, ao mesmo tempo, do impacto das políticas do minicrédito, do auxílio à agricultura, e de seu avanço tecnológico, mas, sobretudo, do novo estímulo à produção familiar, onde hoje se registra a maior dinâmica de um salariado brasileiro no seu quadro assumidamente informal. Com efeito, os reforços de suporte, e os prazos de paciência com o novo governo Lula, surgirão da inversão criadora nas políticas de benefício ao Brasil de fora, nas etapas de atendimento aos sem-crédito para sucessivamente responder aos sem-terra, e finalmente aos sem-emprego.Não temos precedentes de como a reação a estas prioridades e o levante das consciências políticas dos beneficiados volverão após a reeleição. Nem, sobretudo, de que forma o novo potencial reivindicatório se exprimirá diante do colapso das mediações anteriormente imaginadas entre movimentos sociais, sindicatos e partidos políticos. Mas é claro que a nitidez da investidura do segundo mandato nasce sempre dentro daquele sentimento mais profundo da "virada de página", da visão definitiva de que o risco de Lula não se compara com o temor de retorno à situação anterior no que afinal a pretendida social-democracia do PSDB, o pefelismo, à marca tradicional da vida política maquiada pelo reformismo cutâneo, e hoje conformado com a redundância do seu discurso.O debate dos cenários da reeleição começa a partir da solidão de Lula no poder, sem o PT e sem herdeiros, confrontando, como novos fortins do status quo, as governanças dos maiores Estados do país. Ao mesmo tempo, esta busca de novas maiorias importará na convivência com o PMDB, na conversão do partido do Dr. Ulysses, numa força, pelo menos ancilar, da opção de mudança, expulsando-o da condição de partido oligárquico tradicional, repartida com o pefelê.A tarefa é facilitada pela ocupação, desde já, desta parceria do imobilismo pelo PSDB. Este terá que decidir, a prazo curto, se aceita ou não a liderança do conservatismo brasileiro com toda a sua nitidez, e o que seja uma primeira composição ostensiva do remanescente das forças e interesses do porão do status quo. Iremos, enfim, a meridianos claros, frente à escolha de base do Planalto.A pecha de anticlímax, emprestada ao primeiro semestre de 2006 pode continuar na abertura do novo mandato. Mas já liberado da cinza e da desmoralização dos denuncismos moralistas, a reeleição sem retórica colhe os resultados deste novo alinhamento da nossa consciência cidadã, a partir dos neo-aquinhoados com a mudança, e não do efeito mimético das cúpulas do país instalado, suas insatisfações, impaciências e ideologias.Muito da consolidação do novo governo se beneficiará, neste anticlímax de somatório, quase pedestre, de resultados, no seu tempo de maturação, muitas vezes esquecido, frente às agendas da opinião pública e suas condenações. A prática tem vigências sem escape, ao contrário da utopia e suas retumbâncias. E a mudança se mede mais pelo que aposenta do que pelo que anuncia. A oposição está aí mais disciplinada e nítida, como quem conta seus trunfos regressivamente. O caminho à frente sabe por onde ir, por entre nomes e sortes lançadas, de abominação como de desencanto. É o de Lula, apesar de Lula.

  • Dom Luciano, confessor da esperança

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 01/09/2006

    Arremataram-se em Mariana as vigílias e as procissões que levaram, desde o falecimento do arcebispo, a 27 de agosto, ao clamor da permanência de sua presença pastoral. "Dom Luciano vivo", era o grito repetido do seu povo, reboando na praça central da segunda mais antiga Arquidiocese do Brasil. Fica a vinheta do povo-povo, desfilando diante de seu caixão, a flor depositada, o bilhetinho de oração e, sobretudo, o pedido de toque da carteira de identidade junto ao corpo de Dom Luciano. Dia e noite, sem madrugada de ausência, em São Paulo e, a seguir, em Mariana.Desde a Catedral da Sé, era como uma onda mobilizada, no misto entre a perda e a saudade, e o que o Arcebispo ensinava, sobretudo, à sua gente. Não há exílio, nem adeus, mas, sim, a irradiação de uma presença, que responda ao que foi o seu último recado ao receber o "honoris causa" da Universidade Católica de Belo Horizonte."Não me lembro de um dia sem felicidade", no que a preocupação com o outro se transformou na sua efetiva "segunda natureza", e na vigília sem cansaço, nem distração do que seja o entregar-se. "Sábio e santo", repetiam os pastores, remetendo a lembrança de Dom Luciano a dois dos seus antecessores, Dom Silvério, o erudito, membro da Academia Brasileira de Letras, e Dom Viçoso, o reformador do clero da Arquidiocese, e o primeiro defensor dos carentes à sua volta, em meados do século XIX.Impossível trazer a marca da dedicação do Arcebispo, entre tantas maneiras e formas de estar à disposição do outro. Seja ele o menino de rua de São Paulo, o ancião privado da última ternura dos seus, sejam os próprios sacerdotes, ou, sobretudo, os desmunidos, tratados eufemisticamente, de pobres. Esse trabalho múltiplo surgia na meditação e no serviço da Companhia de Jesus, que fez de Luciano seu primeiro Bispo, após a grande Renovação Conciliar do Vaticano II. E a idéia mesmo desse trabalho de entrega começaria em torno dos seus próprios irmãos do clero. Não houve mais retiros pregados nessas últimas décadas que os de Dom Luciano aos bispos e padres, à intimidade da abertura dos corações, que foram o seu tom e sua capacidade de desarme, diante da fé maior.Militância que vinha para Dom Luciano deste o cuidado dos companheiros de Santo Inácio com o agir à sua volta, com o romper inércias da fé e, sobretudo, vir às brechas do testemunho, dentro do rigor da meditação interior. Ainda na Companhia de Jesus, fora Reitor do Colégio Apostólico, Diretor da Faculdade de Teologia e Vice-Provincial Geral dos Jesuítas. Mas, sobretudo, Mestre da 3ª provação, que é a vocação especial, da ascese e da graça que reclama o aperfeiçoamento espiritual, o teste final para a plenitude inaciana. Resulta do implacável exame de consciência em trinta dias, de reexame da vida e de busca, de fato, do segredo e das expectativas da última doação.Talvez por essa exigência de militância, Dom Luciano tenha, no seu ministério, se dedicado, sobretudo, a um sacramento deixado quase fora da vida cristã, qual o da confirmação ou do crisma. Morreu na alegria de ter efetuado, ao longo da sua vida de bispo, mais de 100 mil unções à testa dos fiéis. E quantos, nas praças de Ouro Preto e de Mariana, agora, levantavam a mão, rememorando este momento de encontro, que Dom Luciano soube despertar irremissivelmente em suas vidas. Quantos padres foram ordenados, o último, há um mês em Dores do Turvo, em saída de horas, do Arcebispo, do Hospital de Belo Horizonte.Repetiram-se as presenças públicas, ao lado de Dom Luciano, nas exéquias finais. Tanto pode Aécio Neves falar da têmpera e da ternura de Dom Luciano, quanto Lula, deste dom da esperança, a confessá-la a qualquer classe, à abertura de qualquer diálogo, no desarme de qualquer desconfiança. Um Brasil que se faz - repetiu o Presidente - à imagem do Prelado de Mariana - não encontraria segmento, grupo político, bancada, que não se abrisse à interpelação ou ao pedido do Arcebispo.Bandeiras dos Sem-Terra na Praça da Matriz; da "vida pela vida"; da "via campesina"; flâmulas de tantos movimentos sociais, ao lado do que o povo "Kranaque" lhe trouxe de cânticos ao lado do caixão. Presença junto aos índios; junto aos quilombos; à pobreza envergonhada, junto aos deficientes físicos e mentais, nos dias de esperança do Hospital das Clínicas, em São Paulo, e do Bispo na UTI, a suscitar as missas e os rosários nos seus corredores.Nos tempos de uma "civilização do medo" era a própria recuperação do movimento ecumênico que se reunia em volta ao caixão de Dom Luciano. E não foi outro que o risco do genocídio no Líbano, que marcou os seus últimos artigos, inclusive o deixado interrompido, à hora em que saiu do quarto para as terapias de urgência.Todo o episcopado brasileiro fez de Dom Luciano o mais votado entre os escolhidos para a Comissão Permanente dos novos Sínodos que começa Bento XVI. E o Papa, no Vaticano, no dia de seu enterro, diante do retrato e da notícia, num frêmito de comoção, repetiu "Santo Bispo, de Deus e da Igreja".Nos momentos de secularização que vivemos - tão atrasados estamos, na "cultura da paz" e do desarme dos corações - o recado de Dom Luciano nos deu no coração do religioso de Minas, o recado de que participa todo o País. Não há gentios para o seu sorriso, nem prontidão ou desconfiança da alma diante de quem perguntou, por mais de seis décadas: "Que posso fazer?".

  • A reeleição, sem o PT, sem herdeiros

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 25/08/2006

    Os últimos dados das pesquisas eleitorais já vão, após o começo das campanhas na TV, praticamente, aos 50% de voto em Lula. Continua no Planalto o petista sem o PT e sem herdeiros, e reforçado pela maciça votação do país de fora que não se engana e tem a consciência da opção pelo outro Brasil. É este o verdadeiro trunfo da mudança hoje a depender cada vez mais desta aposta visceral do Presidente, mas que ultrapassa toda idéia de carisma ou de laço personalíssimo com o governante e aponta a percepção primária do por onde sair-se de um país estruturalmente injusto.

  • O PCC e a Carta Magna

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 23/08/2006

    A TV Globo exibiu, sob iminência de morte de seu funcionário seqüestrado, o comunicado do PCC, concernente à situação dos presidiários em São Paulo. Denuncia sua exposição o tratamento que viola a garantia dos direitos humanos assegurada pela Carta Magna. Indo ao ar dentro desta ameaça-limite, o documento se caracteriza como peça jurídica, mantida no estrito rigor de um requisitório dos tribunais, e cobra o respeito, nas cadeias de São Paulo, à integridade física e psicológica do detento.