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A volta do baixo perdido

 

Por artes da internet, o baixo de Paul McCartney, desaparecido ou roubado há mais de 50 anos, acaba de ser recuperado e a ele devolvido. O belo Höfner, comprado por Paul em Hamburgo, em 1961, estava com um jovem inglês, que o recebeu de herança e o identificou por sua descrição no Lost Bass Project, site dedicado a procurar o instrumento. Segundo o site, este é "o baixo mais importante da história".

Bom para Paul, mas ele próprio sabe que essa frase é uma bobagem. Como o membro mais musical dos Beatles, Paul conhece a gloriosa história dos avós de seu instrumento, desde que ele foi criado no século 16, na Alemanha —um prodígio acústico, primo gigante do violino, a ser tocado com arco, embora também comportando o pizzicato, o toque com os dedos. Beethoven, Schubert e Richard Strauss escreveram peças para ele, mais complexas do que "Twist and Shout". Quem pode calcular hoje o valor daqueles primeiros contrabaixos?

Paul sabe também que, na música popular, foi um jazzista, o contrabaixista Jimmy Blanton, da orquestra de Duke Ellington em 1939-41, quem introduziu a técnica de usar o dedo paralelo à corda, não perpendicularmente a ela, fazendo assim com que a nota se prolongasse —mais marcante ainda porque Blanton, também o primeiro solista do contrabaixo, morreu aos 23 anos, em 1942. E Paul, melhor do que ninguém, sabe do respeito devido a homens como Oscar Pettiford, Ray Brown e Charles Mingus, este último uma usina nas quatro cordas. Quanto valeriam seus instrumentos?

Paul levou para os Beatles seu respeito pelo passado. Dois dos primeiros sucessos do grupo, em 1963, eram standards americanos: "Till There Was You", de Meredith Wilson, do musical da Broadway "The Music Man", de 1957, e a catita "Ain’t She Sweet", de Jack Yellen e Milton Ager, de... 1927. Foi desse respeito que tirou seu gênio melódico.

E, agora, que cuide melhor do bicho!

Folha de São Paulo, 25/02/2024