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A volta de Jorge

 

Promoveu a Academia Brasileira de Letras na última semana o lançamento do livro em que se reúnem cinco histórias de Jorge Amado. Edição especial, ilustrada, feita pela Casa da Palavra de Salvador e pela Fundação Casa de Jorge Amado.


Diga-se que as cinco histórias pertencem ao que de melhor escreveu o autor ao longo de sua obra: "Do jogo de dados e dos rígidos princípios", "História do Carnaval", "As mortes e o triunfo de Rosalina", "De como o mulato Porciúncula descarregou seu defunto" e "O episódio de Siroca". Trata-se, do ponto de vista gráfico, de um belo volume, com ilustrações de Bel Borba, Calasans Neto, J. Cunha, Murilo e Sérgio Rabinovitch.


Na reunião das cinco histórias de Jorge Amado, republicadas agora, sente-se, mais do que nunca, de que modo representou ele o Brasil. A alegria boêmia dos personagens, a sensualidade presente em todas as suas narrativas, a presença do mar, tudo nos mostra de que maneira o temperamento de um povo se concentrou na sua obra.


No entrelaçar suas histórias, usa Jorge Amado uma linguagem adequada às fases da narrativa. A pura utilização abstrata de uma língua pode levar a bons efeitos estéticos, mas costuma a linguagem, como, de resto, quase tudo o mais na vida, ser teleológica, servir a um fim e, quando na obra de arte, estar mais intimamente presa a finalidades.


Em artigos sobre poesia, tenho insistido no fato de que todo grande poeta é poeta do ser. Na ficção, revê o grande romancista o destino do homem, apresenta-o em seus caminhos e descaminhos, com sentido de tragédia ou bom-humor, com desprezo, compreensão ou carinho, mas fiel a uma realidade intrínseca do homem. Ganhou Jorge Amado uma linguagem que serve a suas histórias. E é, também, uma linguagem brasileira, uma linguagem baiana.


É pela indisciplina que Jorge Amado se insere na linhagem de D. H. Lawrence. Não que haja profundas semelhanças entre eles. mas o simples fato de em ambos existir uma inaptidão para aceitar alguns dogmas do romance basta para os associar (note-se que não me refiro a "dogma" no sentido de técnica de narrativa - mesmo livros tecnicamente revolucionários costumam conservar uma posição lugar-comum perante a vida e as coisas - mas "dogma" sob o aspecto, permitam-me a palavra, espiritual, aquele de que o romancista nem sequer toma conhecimento e que, contudo, impede que sua visão de ficcionista pegue os mais longínquos cantos de uma personagem ou de um acontecimento).


Dentro dessa indisciplina está a solta liberalidade que Jorge Amado, tal como Lawrence, tem para com o sexo. É um livro cujos personagens são de fato homens e mulheres. A condição sexual de cada um não se deslinda da narrativa, porque dela faz parte essencial. O romancista não procura a lubricidade postiça; vai, ao contrário, registrando, no seu mundo de gente que gira ao redor de homens mesmo e mulheres mesmo, pequenos trechos de vida que se unem e formam o panorama de uma comunidade.


Disse Lawrence, no seu ensaio "Sex versus loveliness", que "a sociedade tem um ódio misterioso do sexo", porque este está sempre interferindo nos esquemas do homem perfeitamente social (eis um dos dogmas de que falei e que pode suster o impulso de um romancista). Não se limitando a uma visão convencional da vida, consegue Jorge Amado erguer um tempo dentro do tempo, um mundo dentro do mundo.


Myriam Fraga, diretora executiva da Fundação Casa de Jorge Amado, assina a introdução ao volume, de que se extraem estas palavras:


"Pequenas grandes mostras da ficção amadiana, sintetizam, de forma magistral, não só o estilo do escritor, seu poder de transfiguração da linguagem, como algumas das características mais marcantes das personagens que se consagraram na literatura brasileira. O mérito maior deste projeto, fruto do sempre propalado propósito de dar cada vez mais continuidade e perenidade ao universo ficcional de Jorge Amado, é o de iluminar e evidenciar textos que, embora de pequenas dimensões, possuem todos os ingredientes que fazem de seu autor um dos mais festejados escritores da contemporaneidade."


 


Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro - RJ) 07/09/2004

Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro - RJ), 07/09/2004