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A vida no lugar da morte

 

O que hoje no Brasil nos faz mal e nos faz sofrer é um pesadelo que nos foi imposto pelos inimigos da Democracia

É a Humanidade que está se desfazendo ou são os meios de comunicação que se multiplicaram e se aperfeiçoaram, colocando-nos imediatamente a par de tudo o que está acontecendo no mundo? Num passado não muito distante, nós levávamos um certo tempo para saber o que se passava na Europa ou em qualquer outro continente desse planeta.

Das guerras mundiais que tanto marcaram o século XX nós sabíamos o que havia acontecido na semana passada. Agora acompanhamos ao vivo o reboliço do mar acabando com as cidades costeiras do Japão ou a invasão da Ucrânia pelo Exército russo de Putin. Não importa mais o país, em que continente, está tudo a nosso imediato alcance.

Como nunca vivemos essa experiência de intimidade com os acontecimentos, como eles nunca estavam a nosso alcance simultâneo, podíamos julgar seus motivos, a origem das coisas que aconteciam, sem precisar explicar a causa de tudo, sem maiores compromissos com isso. Acho que muitas vezes tivemos preguiça de consultar a ciência, inventamos bastante, sempre tomando por princípio o que podíamos interpretar magicamente. Ou em nome de uma ideologia que a tudo imobiliza.

Fico pensando em como os indígenas do continente americano tomaram conhecimento do que faziam ali os colonizadores europeus, o que esses significavam para aqueles. Ou, indo a mais antigamente ainda, como os guerreiros do Peloponeso explicavam a seus parceiros ignorantes a peste que assolava o campo de batalha helênico. E o que pensavam de nós, os homo sapiens vitoriosos, aqueles poucos e pobres hominídeos que sobraram dos massacres com que nossos ancestrais os eliminaram da face da Terra.

A vitória de uns sobre os outros não significava propriamente clara superioridade, mas certamente implicava um poder qualquer que o adversário não tinha. Com esse poder qualquer, a História do planeta acabou se fazendo, mesmo que desafiando a Justiça, o certo e o mais provável.

Como para isso não existe uma regra a ser respeitada nos limites dela mesma, cada um de nós faz o que quer ou torce por quem quiser. A Democracia não é o resultado de uma média, ela não se faz necessariamente em benefício dos valores de cada um, na soma deles para atender a todos.

A Democracia é apenas um princípio de conversa sem o qual não é possível acessar o espaço de uma vida que, no passado ou no futuro, desejamos entender e se possível viver. Todos os outros valores políticos podem mudar, se transformar em benefício dos heróis do presente. Menos a Democracia. Ela é uma só, sendo explicada por necessária pluralidade, sem cartilha.

Porque só nos livraremos do pesadelo se pudermos reimplantar no Brasil a Democracia, a partir do próximo mês de outubro.O que hoje no Brasil nos faz mal e nos faz sofrer é um pesadelo que nos foi imposto pelos inimigos da Democracia. Comandados por Jair Bolsonaro, nosso presidente legitimamente eleito (é isso que me faz temer!), estamos às vésperas de uma nova eleição que, se representa nossa oportunidade de redenção, pode ser também a confirmação de tudo o que não fizemos para melhorar o país. A nossa alegre angústia é que só acordaremos do pesadelo se formos capazes de nos proporcionar esse sentimento de verdadeira liberdade

Sendo a vitória da Democracia o nosso objetivo, essa meta, por mais usada que esteja, é muito mais transformadora, visa muito mais o nosso e o futuro do país do que qualquer outro objetivo político com o qual tentam nos acariciar. Não nos importa mais saber rapidamente o que acontece em toda parte, queremos é fazer acontecer a vida a cada um de nós. A felicidade não começa com o elogio da morte, mas com a saudação da vida.

O Globo, 07/08/2022