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Uma caixa-preta

 

Nestes dias em que a Amazônia se transforma em problema nas preocupações brasileiras, devemos reconhecer, antes de mais nada, que não existe uma Amazônia, e sim várias. E, ali, tudo é grande.


Existe a Amazônia que Humboldt chamou de hiléia, correspondendo a 61% do território nacional, e armazenando 22% da água doce do planeta. Existe a Amazônia dos mais variados ecossistemas, responsáveis pela produção de 20% do oxigênio consumido na terra; a Amazônia dos rios caudalosos. Mas existe também a Amazônia das fronteiras indefesas, dos extensos cerrados, de uma riquíssima savana; das ocupações ilegais de terra, garantidas por bandoleiros. E existe, por último, a Amazônia dos minérios, dos diamantes, do ouro, do gás e do petróleo. Todo um patrimônio ameaçado por uma ocupação predatória.


Em 1960, fui enviado pela "Manchete" para fazer uma série de reportagens sobre a Amazônia. Num jipe, em companhia do fotógrafo Jáder Neves e do escritor Mário Palmério, percorremos centenas de quilômetros das fronteiras com a Bolívia, a Colômbia e a Venezuela, essas mesmas que agora estão causando tantas preocupações. Nessa aventura, encontramos índios, mascates, seringueiros e ribeirinhos. Conhecemos a tribo dos chibungas, que praticam o homossexualismo, e a tribo dos mamaués, que dão aos homens tantas mulheres quantas eles possam sustentar. Enfrentamos pântanos, rios caudalosos infestados de jacarés, febres e a vizinhança dos animais selvagens.


Em Manaus, regressei a Brasília e despedi-me de Palmério, que prosseguiu viagem, durante vários anos, Rio Amazonas acima, num navio-gaiola por ele batizado de "Frey Luiz de Carvajá", tendo a bordo passarinhos, gatos, cachorros, 5 mil livros, 4 mil fotos e muitas anotações. E de lá voltei bem consciente dos riscos que já então a Amazônia corria, com a penetração de missões estrangeiras, o genocídio dos índios, os madeireiros, latifundiários, grileiros e garimpeiros, irresponsáveis e gananciosos.


Aqueles brasileiros desamparados e esquecidos estavam ouvindo mais as rádios castelhanas da Venezuela, Colômbia, Bolívia, Peru e Cuba do que as nossas próprias emissoras. Mas, apesar de tantas atrações e apelos diários, permaneciam brasileiros. Até quando, não sabíamos. E ainda agora não sabemos.


A Amazônia, hoje, é uma caixa-preta, um baú misterioso, em cima do qual continuamos sentados. Tomar consciência da sua complexidade é o primeiro passo para encontrar respostas satisfatórias aos seus problemas.


O Globo (RJ) 13/6/2008