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Um complicador a mais

 

Mais uma vez volto a falar na reforma partidária - e cada vez tenho vontade de falar mais. Duas reformas são tratadas de maneira retórica, porque ninguém deseja realmente fazê-las: a reforma política e a reforma administrativa.


Da reforma administrativa ninguém chega mesmo a falar. Vivemos na fase da pedra lascada. Modernizou-se tudo no Brasil, menos a máquina burocrática. Os únicos avanços importantes que realmente surgiram foram na área da administração financeira, com a criação da Secretaria do Tesouro e o conseqüente Siafi, o fim da conta movimento, o poço sem fim dos saques do governo, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a reforma tributária e os mecanismos de controle e fiscalização do Banco Central. A maior tentativa nascida nessa área foi a criação da Enap, concebida para criar recursos humanos na área da administração pública, que tinha como modelo a École Nationale d'Administration, da França. Ficou congelada.


A outra é a tão desejada reforma política. Ela tem de ser feita agora, antes da eleição, porque depois os eleitos não vão querer modificar os mecanismos que os levaram à vitória. E ficaremos como sempre nesse vai-não-vai. Neste período, sem valer para as próximas eleições, ela poderia ser feita sem a influência de interesses e circunstâncias. Casuísmo é assim não fazer a reforma agora para funcionar em 2010. Temos de matar de uma vez esse voto proporcional uninominal e reavaliar a reeleição.


A verticalização de que tanto se fala é outra tentativa errada de corrigir. Não é por decreto que se faz partido nacional. É o mesmo da anedota de acabar com a inflação por decreto. Se a reforma política for feita, fidelidade partidária, escolha distrital mista, não será preciso obrigação para verticalizar. Ela virá por gravidade.


A verticalização surgiu de uma consulta feita ao TSE na eleição passada. Nada tinha de exigência legal. Foi apenas uma interpretação. Pura jurisprudência. O próprio TSE, hoje, com outra composição, poderia interpretar diferente. Mas o Congresso, num excesso de zelo, quer emendar a Constituição para clarear o texto que trata do assunto. Não é nenhum casuísmo.


A verticalização na eleição passada não só foi um fracasso, pois não verticalizou nada, foi um brutal complicador com uma compra cruzada de legenda com vistas ao tempo no horário eleitoral.


Sem a reforma política, os partidos brasileiros não existem como nacionais. Eles funcionam, a nível nacional, como cartórios de registro de candidatos. Quem não sabe que o PT é um partido paulista? Que o PSDB é outro partido paulista? Verticalizar com São Paulo no caso desses dois partidos, e nos outros, com os dirigentes de legenda, enfraquece a vida política.


Derrubar a interpretação do TSE não é casuísmo nenhum. A verticalização não é avanço em nada. É retrocesso no estímulo a práticas como as que se viram em 2002, na qual todos desobedeceram suas legendas e foi uma "barata voa" geral. Não se pode evitar que a política regional tenha suas peculiaridades. É negar legitimidade às escolhas. Nossos partidos não têm programas nem ideologia. São facções, na melhor expressão que isso significa, e facções estaduais.


Essa verticalização, como se diz no Nordeste é "pau seco". E "pau seco não dá embira".




Folha de São Paulo (São Paulo) 09/12/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 09/12/2005