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Um cartão ouro

 

Ninguém tem a verdadeira noção da importância de possuir um cartão de crédito. Ainda mais se for Ouro. É que pessoa alguma se dá ao luxo de ler a documentação que o acompanha. Em primeiro lugar você é distinguido com uma carta personalizada do presidente de um dos maiores bancos do Brasil e às vezes do mundo. Ele diz que está muito feliz de ter sido escolhido por você e lhe agradece com uma dádiva extraordinária: “Para comemorar a sua escolha você acaba de receber o nosso cartão que permite comprar em quase todas as lojas do mundo”. Para concluir manda-lhe mensagem carinhosa: “Parabéns. Poucos podem ter este cartão, especial como você”.


Você descobre que pode comprar a prazo “desde que a loja” concorde, pode distribuir na família vários cartões, cada um podendo gastar o que quiser. Dinheiro é o que não faltará, basta que você o tenha, porque senão, ultrapassado o limite, você tem que pagar multas, juros, e até ter cancelada sua grande importância de ser Ouro.


O folder lhe diz que você agora, para sua “felicidade passa a ter um grande companheiro de viagem”, que assegura a você e seu cônjuge e filhos menores de 23 anos a cobertura de um seguro contra “lesões corporais acidentais” no valor US$ 250 mil desde que tenha a “felicidade” de que seja “a única causa de falecimento ou desmembramento”. Basta que sua passagem tenha sido comprada pelo seu cartão Ouro.


E detalha os outros benefícios que você pode desfrutar e serão pagos no prazo de 365 dias! Basta que você morra pelas lesões. Mas: “Se você perder ambas as mãos ou ambos os pés, ou a visão de ambos os olhos ou voz e audição, ou um pé e uma mão, ou um pé ou uma mão e a visão de um dos olhos, terá a felicidade de receber do companheiro de viagem US$ 250 mil dólares. Se você perder só uma mão ou um pé ou a audição recebe US$ 125 mil”. Se quiser ganhar algum dinheirinho, vá a um país radical, ponha o polegar onde não deve e ele será cortado e o cartão paga R$ 62.500 pelo dedo.


Se você passar por uma guerra, se um terrorista ou soldado o pegar, você chega de volta morto e liso. Mas o cartão oferece ajuda para devolver seu corpo ao país, desde, é claro, que você pague.


Realmente nada mais importante do que seu cartão de crédito. Otto Lara Resende que era, como eu, muito amigo do Magalhães Pinto, brincando com ele, que lhe autorizava alguns papagaios no Banco Nacional, dizia: “Magalhães, você é meu amigo a 4% ao mês”. Pois o nosso cartão companheiro de viagem é o máximo: nosso amigo a 14% ao mês. É como se desabafa no Nordeste: amigo assim, só na Baixa da Égua!


Jornal do Brasil (RJ), 02/10/2009

Jornal do Brasil (RJ),, 02/10/2009