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Tradição ou atualização

 

Polêmica que nunca acabará: lembro uma briga antiga que empolgou não a plebe rude, mas a plebe erudita. Mais precisamente, o mundo lírico: tradição ou atualização? O pretexto foi a montagem de uma ópera, "Madama Butterfly", no Municipal do Rio. Deve-se atualizar o passado?

O gênero é conservador, até mesmo reacionário. No caso específico de Madama Butterfly, uma das mais populares de Puccini, a cenarista Tomie Ohtake tentou romper a tradição atualizando o cenário de uma casa em Nagasaki antes da bomba atômica.

Preferiu a atualização, que às vezes torna ridícula qualquer representação. Já vi uma "Carmem" em que o toureiro entra em cena vestido com um macacão vermelho, igual ao do Airton Sena.

Na estreia do "Barbeiro de Sevilha", um gato invadiu o palco justo na hora em que o Conde de Almaviva cantava sua famosa ária. Assustado, o ator tropeçou num móvel, arrebentou o nariz, o sangue jorrou. Não querendo perder seu melhor momento, continuou em cena, secando o sangue com o lenço que era de papel cenográfico. Daí para cá, os atores que interpretam o Conde, ao chegar a grande ária, apanham um lenço e esfregam o nariz.

A paisagem japonesa, que admiramos nas xícaras de chá, nas ventarolas dos bailes infantis do Municipal, nas lanternas de papel crepom, inspiraram Puccini, que espalhou, pela sua partitura, vários temas e acordes da música oriental (fez o mesmo com o hino dos Estados Unidos, marcando a presença do cônsul americano em Nagasaki).

Vi em Verona uma peça de Shakespeare adaptada à Guerra do Vietnã. E no Metropolitan, um musculoso Pery cantando com um relógio de pulso. Não é botando minissaia em nossa avó que ela fica moderna e atual: ficará mais feia e lamentável.

Folha de S. Paulo, 27/01/2015