Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Sugestão salvadora

Sugestão salvadora

 

O poeta João Cabral de Melo Neto, diplomata de carreira, passou sua vida profissional chateado porque não tinha tempo para fazer o que desejava: poesia. Mesmo assim, fez alguma coisa, não é favor considerá-lo um dos três maiores poetas da nossa época.

Sua obra é considerada definitiva, aqui e em outras partes do mundo. Mas Cabral vivia uma pequena amargura porque a diplomacia ocupava muitos espaços, embora tenha aproveitado sua missão na Espanha para produzir algumas obras-primas. Quando se aposentou, descobriu que tinha tempo demais. Continuou fazendo poesia, mas não era a mesma coisa. Produziu menos e o que produziu nem sempre o agradava.

Pulando do grande mestre para o cronista medíocre e cansado, uma das desculpas que ele dá –outros cronistas fazem o mesmo– é reclamar da falta de tempo e, sobretudo, da falta de assunto. Muitas vezes vivem a noite escura da alma, de que falava São Juan de la Cruz. A busca pelo assunto é a via dolorosa que termina num calvário.

Pois desta vez, pode faltar tudo na vida, arroz, feijão e pão, só não falta é assunto. Chega até ser chato, não aguento mais falar de Lula (preso ou solto), de dona Dilma (presidente ou ex-presidente), de toda uma fauna política, econômica e social.

Fugindo deste cardápio indigesto, resta o alienado prazer de assistir aos jogos do Barcelona. Afinal, poucas vezes os amantes do futebol podem admirar um trio atacante formado pelo argentino Messi, o uruguaio Suárez e o brasileiro Neymar. Três latino-americanos que dão honra e glória a uma desprezada região do globo terrestre.

Não dão apenas assunto para quem gosta de ver coisas boas. Se eu tivesse autoridade, sugeriria que dona Dilma, Lula, congressistas e cronistas esportivos vestissem a camisa do Barcelona e melhorassem a vida nacional. 

Folha de São Paulo (RJ), 13/03/2016