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Sob o signo da música

 

A música, de qualquer gênero e para qualquer instrumento, a voz humana inclusive, é um mundo à parte, algo separado no alforje das coisas. Há nela um mistério que um Proust de vez em quando tenta explicar, através de uma sonata, inventada contudo real, de um Vinteil imaginado que se torna imortal.


Encontro, no texto de Roberto M. Moura, a que deu o título de Sobre cultura e mídia, toda uma análise de como agem os instrumentos sobre nós, de que maneira a música impõe sua presença nos caminhos do indivíduo e das comunidades, com que empecilhos depara a música em seu estar-aí e fazer de nós o que somos, de que modo influi a televisão no uso e na absorção - a palavra é bem esta - de linhas melódicas por grupos heterogêneos de pessoas, imersas na aceitação de sons que parecem entrar pela carne de cada um, com a mídia aparentemente toda poderosa distribuindo notas e classificações de performances musicais, no levantamento de uma realidade brasileira que pode ser o que de maior força temos como povo.


O livro contém estudos sobre instrumentos, sobre a família do violão, a família do piano, a da flauta, sobre movimentos musicais no Brasil e no exterior, sobre os músicos e compositores que deixaram seu nome nos últimos séculos, sobre música e cinema, sobre Rameau e outros teóricos do assunto, sobre o papel da Embrafilme em seus tempos áureos, sobre as lições deixadas por essa entidade a partir de sua criação em 1975 vindo até o governo Collor, que a fechou.


Seu estudo sobre o piano dá início à apresentação de cada instrumento que haja influído na formação da música popular brasileira. Informa que o piano é o instrumento da classe média. Completa: "Ninguém jamais viu ou tocou um piano num fundo de quintal. Coisa de sala de visita, o piano chegou praticamente junto com a colonização do Brasil."


Indaga quais foram os primeiros, no Brasil, que transpuseram, "para suas teclas pretas e brancas, o sentimento da brasilidade", e acrescenta: "Aposto num casal: ela, Chiquinha Gonzaga, carioca, 1847-1935; ele, Ernesto Nazareth, também carioca, 1863-1934. Não por acaso, debruçam-se sobre suas partituras, ainda nos dias que correm, gente como o chopiniano Arthur Moreira Lima, o jazzístico Antonio Adolfo e a veterana Clara Sverner."


Nas suas últimas páginas sobre a cultura de um povo, aqui e agora, estabelece Roberto M. Moura uma base objetiva que nos permite avaliar a importância das vanguardas no desenvolvimento de um "fazer" que nos empurre para a frente: o "fazer" poesia, ou pintura, ou ficção ou a música.


A Semana de Arte Moderna mudou o Brasil porque foi abrangente. Nela estava também a presença de Villa-Lobos. O livro de agora discute o conceito de vanguarda seja em que setor do "fazer" ela se apresente. Ligada ao fenômeno permanente de mudança, opor-se ao imediatamente anterior é sempre um salto seguro no mundo sem-fronteiras do "fazer".


A análise de Roberto M. Moura é também histórica, pois sabemos que sem história nada ganha perspectiva. Fazendo de seu livro, que vai ao fundo mesmo da alma de um povo, um brado de alerta em favor de um aspecto vital de nossa cultura, abre o autor um novo caminho no setor e finca em nós o sentimento de que nossa música nos explica e nos dá permanência. O autor não deixa de discutir o mais grave problema que a música popular brasileira vem enfrentado nos últimos anos: o dos piratas de Cds. Acredita-se que a pirataria total do negócio fonográfico atinja um terço da produção de Cds.


O livro penetra num mundo novo, o da música e da literatura haverem conquistado novos meios de comunicação que atingem um público numeroso e diversificado. Primeiro foi o cinema. Quase no fim do século XVIII, iniciou ele um domínio sobre a cultura de uma época. Nos cem anos seguintes, o rádio e a televisão ampliariam o âmbito de uma influência que só tende a aumentar.


No Brasil, inclusive, o rádio e a televisão influíram na unificação da língua falada pelo povo, a ponto de eliminar, para o bem ou para o mal, os diversos modos regionais de usar a língua portuguesa, tanto na pronúncia como no vocabulário. As gírias se unificaram e, de modo geral, são hoje compreendidas por brasileiros de qualquer posição geográfica.


Com isto, o trabalho ingressa no campo de uma sociologia da comunicação, capaz de contribuir para o entendimento das mudanças por que estamos passando, neste e em muitos outros setores. "Sobre cultura e mídia", de Roberto M. Moura, é um lançamento de Irmãos Vitale S/A. Produção executiva de Fernando Vitale, gerente de projetos Denise Borges, projeto gráfico e capa de Pablo Moura, revisão de Maria Helena Guimarães Pereira.


 


Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro - RJ) em 30/09/2003

Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro - RJ) em, 30/09/2003