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Só dá topada quem anda

 

Outro dia , eu disse que a política é uma guerra -à repórter que me perguntou a respeito da pressão que estão exercendo sobre o ministro Palocci, transpondo a luta paroquial de Ribeirão Preto para o plano federal.


Certamente minha expressão era imprópria. A política é, em síntese, a arte de harmonizar conflitos dentro da sociedade democrática e, por isso, deveria tender mais para a paz do que para a guerra.


Infelizmente, não é assim, por vários motivos e transformações. A sociedade democrática é formada por grupos de pressão que querem influir no poder. Os partidos políticos -também grupos de pressão- querem tomar e exercer o poder.


Então a política passa a ser uma luta complexa entre grupos que estão de acordo com o poder e outros que querem mudar. Duverger aponta nessas duas posturas, direita e esquerda, coisa que hoje não faz mais sentido, coisa do passado.


Depois que os socialistas criaram os partidos de massa, Lênin, que era um teórico da guerra, aplicou as leis da guerra à política na busca da criação do Estado socialista. E quais são as leis da guerra? Clausewitz definia um resumo de dez pontos, cujo primeiro é: "A guerra é um ato de violência com a finalidade de fazer nosso oponente obedecer nossa vontade; a destruição do inimigo deve ser sempre o objetivo". Para esses fins, tudo é permitido. Marx e Engels trataram da guerra para concluir que a "guerra absoluta" era a estratégia política, isto é, o aniquilamento total. Lênin dizia sempre que adversários "devem ser fuzilados".


Com essa concepção, o terreno para a política, arte de governar os povos, promover a paz social e estabelecer a coesão nacional, passa a ser só um ato de batalha, no qual o objetivo é aniquilar.


No Brasil, a luta política está se transformando numa guerra. Cada vez mais desaparecem as regras da convivência e se estreitam os espaços do interesse público onde todos devem reunir-se. O pior é que isso atinge a imagem de todos os políticos, e as acusações, as denúncias e o amoralismo são tidos como gerais. Não quero excluir nem colocar ninguém dentro ou fora.


O PT, no passado, teve grande culpa pela aplicação da lei da guerra à política. Agora sofre os efeitos dessa visão errada. Passa de pau a lombo. Mas parece que todos gostaram desse jogo e querem continuá-lo. Outro erro.


É preciso reconstruir a vida política brasileira em bases mais tranqüilas. Abandonamos o eixo ético e ninguém escapa. Estamos com um Brasil sem utopias e sonhos. E a quem culpa o povo? A um só segmento: os políticos. Na Argentina, isso se transformou numa onda tão avassaladora que o grito de guerra era: "que se vayan todos".


Que passe essa tempestade. Que se punam todos os que devam ser punidos, os que denegriram a vida pública. Mas que se retome em um mutirão a busca do destino nacional.


"A vaca não vai para o brejo", todos sabemos. Essa vaca que sempre quis se atolar não sabe o caminho do brejo, e o famoso e retórico "estamos à beira do abismo" acabou. Não existe abismo.


O Brasil já venceu as doenças da infância, hoje é um parceiro global com destino e lugar assegurados.


Diz o adágio nordestino: "Só não dá topada quem não anda". E vamos andando. Às vezes por caminhos estreitos e esburacados.




Folha de São Paulo (São Paulo) 25/11/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 25/11/2005