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'Sincericídio' e toma de consciência

 

O pronunciamento do ministro Gilberto Carvalho é uma palavra fundadora da visão crítica do poder por quem o exerce e, no caso, por um PT já instalado no Planalto há três mandatos. Não há que vê-lo como a estrita explosão de um sincericídio, mas, já, como tomada de consciência, a se inscrever no avanço e na reflexão crítica da inteligência brasileira. Reconhece o ministro que as vaias a Dilma no Itaquerão foram além das reações previsíveis da nossa alta classe média, aninhada, ainda, no nosso velho status quo. Mas há que se perguntar - como o fez o ministro - até onde este novo sentimento só tem um efeito mimético nos grupos sociais próximos ou, se, de fato, penetra numa rejeição mais funda do presente governo.

Gilberto Carvalho é, ao mesmo tempo, contundente no demonstrar o quanto essa mesma contaminação é resultado da pertinácia do envolvimento midiático, maciçamente a condicionar, contra o governo e a favor do sistema, a nossa opinião pública.

O que está em causa, no horizonte mais vasto de uma presença ideológica na mobilização brasileira, é a urgente renovação crítica do petismo, na mantença da opção pela mudança, da essencial presença do Estado no seu advento e do incremento imediato da redistribuição de renda no país. Não é outro o caminho já trilhado, nestes meses, pela Presidência, na ampliação do salário mínimo, ou na amplitude do Bolsa Família. Mas é cada vez mais nítida, também, a necessidade expressa, pelo ministro, de sacudir-se um PT instalado no Planalto através da criação dos conselhos sociais, a travar a burocratização do regime no seu situacionismo. E é o que reclama uma urgente investigação retroativa da corrupção, a mostrar a permanência dos nossos regimes de clientela e a apropriação orçamentária dos nossos donos do poder.

De toda forma, a reflexão de Gilberto Carvalho vai além de todas as facilidades dos mea-culpa, e já chegou ao nível irreversível de novos "olhos de ver" uma realidade que não pode urgir apenas um simples voluntarismo da militância, mas enfrentar as contradições de qualquer avanço crítico e, sobretudo, levar ao descarte de qualquer ufanismo. É contra toda ingenuidade dos progressismos que podemos merecer o Brasil, sem medo de sincericídios.

Jornal do Commercio (RJ), 04/07/2014