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Saúde pública e comunicação

 

“Diferente da febre amarela, a tuberculose não está nas manchetes. Mas precisamos falar em tuberculose. E nisso os comunicadores têm papel importante: eles sabem esclarecer a população, traduzindo o jargão técnico numa linguagem acessível. Entender a tuberculose é o primeiro passo para resolver o problema”


Nesta semana, o Ministério da Saúde está promovendo, em São Paulo, um evento de singular importância para a saúde pública: um seminário para comunicadores, abordando o tema da tuberculose em nosso país.


O seminário é importante, em primeiro lugar, por causa da doença. Muita gente pensa em tuberculose como coisa do passado, como ameaça já superada, semelhante às pestilências medievais. Perigoso engano. Estima-se que um terço da população mundial esteja infectada pelo germe causador da doença; muitas dessas pessoas adoecerão. No Brasil, que está entre os 23 países mais afetados pela tuberculose, são 50 milhões de infectados; destes, 80 mil adoecem a cada ano, e cerca de 6 mil morrem; no mundo, são quase 2 milhões de óbitos pela doença. E isto que hoje existe tratamento capaz de curar 80% dos casos. Mas, simultaneamente, surgiram fatores que favorecem a disseminação e dificultam o controle. Muitas gente vive nas cidades, às vezes em situação de confinamento; o surgimento da Aids, que diminui a imunidade, favoreceu a disseminação do bacilo.


A tuberculose tem uma imagem, como mostrou a escritora norte-americana Susan Sontag no famoso livro A doença como metáfora, no qual analisa, do ponto de vista literário e cultural, a tuberculose, o câncer e a Aids, doenças que têm muito em comum: as três são vistas como estigmas, como castigo às vezes divino. A tuberculose era conhecida como “a peste branca” (por causa da palidez do doente), ou como tísica, termo que vem do grego e significa decair, definhar, ou ainda como “consumpção”. Era mais que um diagnóstico, era uma sentença de morte, como lembra Manuel Bandeira (que foi tuberculoso) num célebre poema: quando ele pergunta ao médico se há alguma coisa a fazer, a resposta do doutor é “Tocar um tango argentino”. Num romance de Stendhal, a mãe do personagem principal recua-se a dizer a palavra “tuberculose”: acredita que assim acelerará a morte do filho


Franz Kafka, que morreu de tuberculose, escreveu a um amigo, do sanatório onde estava: “Cada vez que pergunto a respeito da doença, só recebo evasivas”. A tuberculose vitimou um grande número de poetas (Castro Alves), de músicos (Chopin), de pintores (Modigliani). Curiosamente, tinha também uma aura: era a doença da paixão. Falava-se no “tesão dos tuberculosos” e no sanatório em que trabalhei, logo depois de formado, uma das tarefas das religiosas que lá viviam era vigiar, à noite, o corredor que comunicava a ala masculina com a ala feminina, para evitar encontros furtivos. Aliás, foi a tuberculose que me levou à saúde pública: dei-me conta de que não era suficiente tratar os casos, mas que algo precisava ser feito em termos de população. E a tuberculose é disso um grande exemplo. Por outro lado, o Brasil sempre teve excelente programa de tuberculose, graças a notáveis e dedicados profissionais (Noel Nutels, o médico dos índios, foi um deles). Eu tinha com quem aprender. E aprendi muito.


O problema em relação à tuberculose hoje é diferente. Ela já não assusta muito. E isso leva a uma certa displicência, tão perigosa quanto o medo excessivo. As pessoas precisam saber que tuberculose é um risco real. E, doentes, precisam se tratar. O tratamento é eficaz e não é difícil, mas exige um grau de persistência que muita gente não tem: daí o abandono, que hoje é uma das principais causas de fracasso no controle da tuberculose. Diferente da febre amarela, a tuberculose não está nas manchetes, não está levando milhares de pessoas para os postos de vacinação. Mas precisamos falar em tuberculose. E nisso os comunicadores têm papel importante: eles sabem esclarecer a população, traduzindo o jargão técnico numa linguagem acessível. Entender a tuberculose é o primeiro passo para resolver o problema. Este problema pode e deve ser resolvido. Ou será melhor tocar um tango argentino?


Correio Braziliense (DF) 15/2/2008