Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > A reação da natureza

A reação da natureza

 

Não sou dado a ver sinais misteriosos nos céus nem avisos cabalísticos. Mas é instigante a sucessão de desastres naturais que têm ocorrido nos últimos meses.


Em todos os lugares, ouço teorias que vão desde a ira celeste, maldições até mudanças no clima da Terra.


A onda de calamidade começou com o tsunami na Indonésia, que arrasou tantas cidades e provocou tanta destruição. Centenas de milhares de pessoas morreram ou desapareceram.


Depois, para mostrar que a desgraça não cai somente na cabeça dos pobres, vêm os furacões que se reúnem num conselho de deuses feito de ventos e raios no golfo do México e se conjugam no Katrina, que sai cheio de ira e de energia, invade países e termina destruindo Nova Orleans, cuja memória universal era a da cidade do jazz e dos blues nostálgicos. O Katrina não respeitou a maior potência do mundo e mostrou sua face de despreparo para lidar com a desgraça humana.


Vem o Rita, com a mesma fúria, e, agora, o terremoto da Caxemira, no Paquistão, região de confronto com a Índia, onde forças estão em permanente vigília para guerrear e, de repente, unidas pela desgraça, deixam as armas, ocupam as ambulâncias e se unem pela solidariedade.


Os avisos chegam a toda hora sobre as grandes pandemias, como a gripe do frango e o Sars. A malária chega às nossas áreas urbanas. A intervenção permanente do homem no ambiente, o desmatamento, a poluição e o aquecimento global, que, dizem alguns cientistas, esquenta as águas do Atlântico e derrete as geleiras do Himalaia, agridem a mãe natureza, que se irrita -e haja vontade de exercer a sua vingança.


Mas há uma lição a tirar de tudo isso. É que todos nós estamos condenados a viver juntos, a abandonar os tempos de guerra e a buscar, na unidade, nos prepararmos para sobreviver no planeta que abriga nossas vidas.


Por que até Cuba, numa manifestação matreira, se permitiu ajudar os Estados Unidos? Por que a Índia esquece o ódio contra o Paquistão e parte para as ações solidárias? Porque, na ameaça de extinção da vida, na impotência de lutar contra as calamidades, só a solidariedade funciona.


É sempre preciso que haja uma grande calamidade para que o homem sinta que foi criado para a fraternidade e para socorrer, e não para matar.


Nós nos acostumamos sempre a ouvir que o Brasil não tem terremotos nem tufões.


Mas não esqueçamos a seca, tão cruel quanto aqueles e que, agora, na terra das águas, chega ao Amazonas. Os rios estão secando ali, onde existe 12% da água doce da Terra. O Solimões tem, nas cheias, um nível de 12,30 metros de profundidade média - e está com 57 centímetros! O Madeira, cuja profundidade média nas cheias é de 12,95 metros, está com apenas 1,83 metros. Não se pode navegar.


Valha-nos, Deus! Nossa solidariedade deve juntar-se à do resto do mundo. Nossa parte é ajudar onde estão precisando de ajuda e salvar a Amazônia onde estão matando as árvores, que, como os homens, são seres vivos. E é uma crueldade queimar a uns e a outros.


É tempo de ressuscitar os sonhadores pacifistas e olhar a sério os fanáticos ecologistas: são necessários.




Folha de São Paulo (São Paulo) 14/10/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 14/10/2005