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Que tempos de viver-se

 

É difícil cooptar um assunto em meio a tantos que circulam nas manchetes políticas e policiais. Você não vive o dilema de um escritor em busca de personagens, mas a necessidade de convencer um tema a que ele entre em seu artigo. Quase sempre, quando existem muitos, ele resiste.


 


Outra coisa difícil para quem escreve é evitar a entrada de adjetivos não convidados em seu texto. Mas não há nada mais cara-de-pau do que eles. Não adianta ficar de vigia, quando menos se espera, eles furam a vigilância e lá vêm, como dizia um deputado amazonense, aproveitando uma "ensancha oportunosa".


 


Passo ao largo da novela dos Vedoin e preciso convencer a morte do coronel Ubiratan a ser comentada, que ele, como o delegado Fleury dos anos 70, morre de maneira inusitada para suas violentas biografias, entre ciúmes e romances, mulheres e mistério. Nada do esperado ajuste de contas, justiçamento ou coisas que enchem o final das novelas policiais. É quase uma humilhação não morrerem em combate, mas no embate de sentimentos tão humanos, na mão de mulheres que não conhecem o segredo das armas, e delas se utilizam na tragédia de um amor frustrado. Sortilégio do destino na vingança dos deuses.


 


Mas estou escrevendo meio na linha do teatro grego levado pelos ventos de um sem tema.


 


Mais uma vez lembro de Oscar Wilde: "Todos os homens matam aquilo que amam. Os valentes com a espada e os covardes com o beijo". Hoje não precisamos matar as coisas que amamos, elas estão morrendo por elas mesmas.


 


Eu fui às comemorações dos 150 anos da cidade em que nasci, Pinheiro, no Maranhão, e procurei os campos da minha infância com seus capins de flores amarelas e seus pássaros e todos os cantos. Só tinham vida dentro de mim, onde estavam sepultados com a memória de meu avô a recitar as redondilhas de Camões: "Sóbolos rios que vão/ por Babilônia, me achei./ Onde sentado chorei/ as lembranças de Sião/ e quanto nela passei". "E minhas coisas ausentes/ se fizeram tão presentes/ como se nunca passaram".


 


E, como se não bastassem estes nostálgicos sem-tema, leio que os "buracos negros" não existem. Ora, eu, que se não fosse político queria ser físico, vi tombar uma dos dogmas mais fascinantes em que eu acreditava como na entropia do universo. Eram fantásticos, engoliam com sua garganta de gigantesca gravidade até a luz. E agora são assassinados.


 


Como tornou-se difícil e perigoso existir em tempos de avanços tão grandes da ciência. Como dizia o poeta Tribuzzi, "que tempos de viver-se". Melhor pescar e ver o sol - ou a lua.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 22/09/2006

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 22/09/2006