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Quando os sinos badalam

 

Numa das esquinas da Cinelândia havia uma banca que expunha os jornais do dia. Num deles, li a confissão do poeta Drummond declarando estar cansado de ser moderno, preferindo ser eterno.

Não me interessa ser moderno nem eterno, não guio meus passos pelos relógios. No último domingo, na volta pela Lagoa aqui em frente, perdi um relógio vagabundo, comprado num camelô. Não me dei ao trabalho de procurá-lo.

Há tempos perdi um relógio Ômega, de ouro, pulseira também de ouro, num teatro em que aplaudia uma peça de Heloisa Seixas.

O relógio me dava fumos de bicheiro da zona oeste ou de diretor da Petrobras.

Oriento-me pelo sino do meu seminário, que me despertava, levava-me à capela, depois ao café da manhã, ao recreio e às aulas. Ouço ainda aquele sino tocando ao meio-dia para rezar o "Ângelus". Desprezo o horário de Greenwich.

Não gosto de escrever sobre o que está acontecendo, todos o fazem. Estou de saco cheio com o Zé Dirceu, Dilma, Obama, Casas Bahia, entrevistas com o Darcy Ribeiro, apelos do papa Francisco pedindo o fim dos conflitos do Oriente Médio.

Acho que não sou hediondo como o corcunda de Notre Dame, feito pelo Charles Laughton, nem belo como o George Clooney ou o Brad Pitt. Quando boto o fardão da Academia, fico parecendo um gafanhoto comprido e alienado.

Ouço ainda e sempre o sino do seminário. Hemingway deu a um romance o título "Por Quem os Sinos Dobram", citando o poema em prosa de John Donne, um contemporâneo de Shakespeare.

Alguns entendidos não acreditam na existência do autor de "Hamlet", atribuindo a Donne toda a obra do gênio de Stratford-upon-Avon: "Não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti". 

Folha de São Paulo, 16/08/2015