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Quando o homem começa

 

O dia passou depressa. São sete e meia da noite, estou cansado e sem sono. Vim para o hotel depois de bater a cidade com e sem ela. Meus pés doem, amanhã comprarei sapatos mais confortáveis, que me protejam das poças, da gosma que a garoa do inverno derrama sobre as ruas. Se fosse honesto, mas honesto mesmo, deveria pegar o papel e a caneta, começar uma carta lá pra casa: "Pai e mãe: estou satisfeito, logo no primeiro dia em Paris consegui um emprego de sineiro...".

Não, não sou corcunda nem arranjei emprego de sineiro na Notre-Dame. Mas topei a ideia dela. Amanhã voltarei lá, para olhar a rosácea. Chantal me garantiu que veria todas as cores de maneira diferente, não aquela confusão de azul e vermelho. Ela me introduziu num mundo que me atrai e me mete medo. Não será apenas a rosácea que verei diferente. O mundo inteiro será agora diferente, mais bonito, mais meu. Tudo isso a garota me disse e eu acredito nela.

Lá no Rio, imaginava que teria uma namorada aqui em Paris. Perdi meu tempo me preocupando com aquilo que nada tinha a ver: o irmão, os amigos do irmão, o pai, a mãe...? E eu?

Não cheguei a namorar nenhuma moça. Sandrinha, bem ela gostava de mim, chegamos a ter intimidade, mas eu medrava na hora de avançar. Fui um menino comportado. Inconscientemente, eu sabia que em Paris começaria a minha vida de homem e cometo uma asneira ao pensar que o homem começa com o sexo.

O problema é justamente esse: o sexo só começa depois que a gente já está "programado", determinado a ser assim ou assado, no sexo e em tudo o mais. Se ela me atraísse fortemente, seria uma boa pedida fazer amor com ela. Mas não sentia atração pelo corpo dela, embora tenha gostado do seu modo, do seu jeito de andar, de ver as coisas, de ser ela mesma. 

Folha de S. Paulo (RJ), 10/05/2015