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Presença dos orixás

 

Ao publicar seus primeiros romances, principalmente os com influência da cultura africana entre nós, no começo dos anos 30 do século passado, estava Jorge Amado abrindo um caminho que viria influir não só na literatura, mas também na música popular, na erudita e nas artes plásticas do País em geral. Jorge Amado provocou toda uma floração de escritores, pintores, escultores e gravadores - o baiano adotado Carybé, Mário Cravo, Calazans Neto, Lênio Braga, entre inúmeros outros - bem como de músicos (Dorival Caymi surgiu musicando temas amadinos). Tudo isto daria início a movimentos renovadores na arte brasileira como um todo.


Nessa linha afro-baiana estava também Vasconcelos Maia, escritor rigorosamente baiano que entendeu como poucos a cultura de sua terra e sobre ela escreveu páginas que precisavam ser reeditadas. Disto se encarregou, em boa hora, a Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, relançando agora, desse autor, a narrativa de "O leque de Oxum" e uma boa quantidade de crônicas de candomblé.


Todo o fascínio de uma religião ligada à natureza, como a dos Orixás, com Oxum sendo a própria divindade chegada ao amor, aparece no modo como Vasconcelos Maia coloca um personagem sueco, pertencente a outra cultura, em contato com os mistérios do mar, da água pura, das árvores, como sendo parte de uma atração irresistível entre o homem que veio de longe e a mulher que vive sua feminilidade ligada aos deuses de sua gente.


Árvore e frutos fazem parte da narrativa, juntamente com o perfume das coisas. Fala o narrador no "forte odor da resina" e nos "cajus gordos e maduros, oferecendo-se nos galhos", fixando-se em toda uma natureza que se mistura com os atos religiosos e com os cânticos sagrados e os toques dos tambores.


Em suas "Crônicas de candomblé", compõe Vasconcelos Maia um cântico em prosa para "Mãe Senhora", Dona Maria Bibiana do Espírito Santo, ialorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, que foi, durante os últimos anos 50 e 60, a mais famosa mãe-de-santo da Bahia. Atraiu a presença de escritores e artistas, escolhendo-os para obás (ministros de Xangô da casa). Assim foram Obás de Senhora, entre outros, Jorge Amado, Jorge Medauar, Carybé, Dorival Caymi, Gilberto Gil, Calasans Neto e o autor deste.


Menciona o autor o candomblé de Mãe Menininha, que atraía, em dias de festa, verdadeira multidão para o Gantois, onde as danças dos orixás iam até de manhã. A casa-de-santo tem dinastias, no sentido em que as ialorixás se sucedem dentro de uma linha que mantém sempre a tradição da casa. O Ilê Axé Opô Afonjá, foi fundado por Mãe Aninha no tempo em que a polícia perseguia o Candomblé. Deve-se a Getúlio Vargas a liberdade que as casas passaram a ter desde os anos 30. No Ilê Axé Opô Afonjá, está foi a sucessão desde então: "Mãe Aninha", "Mãe Senhora", "Mãe Ondina" e a atual "Mãe Stella".


Esta última compareceu a um seminário sobre as religiões de origem africana realizado em Londres. Nele estavam presentes entre outros, Jorge Amado, Carybé, Pierre Verger e o autor destas linhas. Foi grande o interesse dos ingleses (de modo geral professores e alunos de universidades, além de um número não inesperado de interessados no assunto não ligados a universidades) e nele Mãe Stella deu respostas muito precisas a perguntas de uma platéia em geral inteiramente alheia ao tema.


Recomendo o livro de Vasconcelos Maia como leitura importante e agradável de um aspecto de nossa cultura que revela o modo como viemos criando o país, desde a chegada ao Brasil tanto dos portugueses como dos africanos. "O leque de Oxum" é uma bela edição da "Coleção ponte da memória" da Assembléia Legislativa da Bahia, com apresentação de Ivia Alves. Ilustrações de Carybé. Projeto gráfico e capa de Tamir Drummond e André Bernard M. Drummond, fotografias e reproduções de Paulo Mocofaya, revisão de Tânia Feitosa e digitação de Antônio Isidório Neto.


Tribuna da Imprensa (RJ) 6/3/2007