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Presença de Drummond

 

Às 16 horas de hoje, no calçadão da Avenida Atlântica do Rio de Janeiro, será inaugurado um monumento a Carlos Drummond de Andrade, semelhante ao de Fernando Pessoa num café de Lisboa. Uma estátua do nosso poeta nacional, de tamanho natural, mostrar-se-á sentada num banco do Posto 6, o mesmo que o poeta usava, diante do mar.


A cerimônia contará com a presença de César Maia, chefe do executivo da cidade, e do secretário das Culturas do Rio, Ricardo Macieira. Netos de Carlos Drummond, gente de Itabira e Belo Horizonte, convidados e transeuntes, jovens e adultos, comparecerão a esse ato que marca o início das comemorações ao centenário de nascimento do poeta.


Na próxima semana (de 5 a 12 de novembro), Carlos Drummond será o tema da maior promoção oficial em prol da leitura existente no Brasil - a "Paixão de ler" - cuja abertura solene ocorrerá na Academia Brasileira de Letras às 19 horas do dia 5 de novembro, com a participação da Orquestra Sinfônica Nacional. Amanhã será a vez do Theatro Municipal homenagear Drummond com uma noite a cargo da Orquestra Sinfônica Brasileira.


Durante a "Paixão de ler", todas as bibliotecas populares do Rio e inúmeras escolas municipais dedicarão horas de leitura a poemas de Carlos Drummond, numa programação que teve início há mais de seis meses com a atriz Maria Pompeu, que apresentou, com seu grupo, o poeta de Itabira, em poemas lidos e interpretados em 18 bibliotecas do Rio de Janeiro.


Desde 1930, quando publicou seu primeiro livro, "Alguma poesia", o nome de Carlos Drummond de Andrade se tornou sinônimo de poesia. Seus versos foram, aos poucos, tomando conta do Brasil, de tal modo que passavam a ser parte da vida intelectual do País e ponto de referência para a emoção de seu povo.


"Tenho apenas duas mãos, e o sentimento do mundo" foram palavras que se incorporaram à filosofia de vida de muitos brasileiros, com outras que ele veio compondo, ininterruptamente, até morrer, em 1987. Publicou a partir de sua estréia em 1930, perto de 50 livros, em poesia e prosa, para adultos e crianças (ele sabia que não havia muita diferença entre os dois grupos).


Dominou de tal maneira a linguagem e se afeiçoou tão fortemente à palavra que ia tanto além como às vezes, escolhia postar-se aquém dela. Tornava-se identificado com o som e o significado de cada uma, sabendo que palpita nela também uma beleza própria.


Vejo-o como partícipe da tese de um sábio antigo, Dionísio de Helicarnasso, que afirmou ser a linguagem "alguma coisa de exterior à paixão ou à idéia que nela se manifestem, e como coisa que pode ser manejada à parte e ter beleza própria, independente do pensamento".


Drummond juntava mais de um aspecto ao poema, tornava-o susceptível de assumir esta ou aquela posição, de seguir esta ou aquela direção. Unia musicalidade à idéia, fazia narrativas em verso, defendia teses de poesias, sabia que a palavra é capaz de tudo. Até a ironia e o simples humor integravam o seu alforje de invenções vocabulares. Tinha a certeza de que as palavras podem criar uma realidade, tirar o real do não-real e atingir, com isso, uma beleza que é delas, das palavras, e está acima da cotidianidade.


Pouco se escreve sobre a influência de Carlos Drummond de Andrade na poesia da América latina. Estudo do mexicano César Fernandez Moreno, mostra em livro "Introduccion a la poesia" que a partir da segunda metade do século XX, foi Drummond a maior influência poética exercida, primeiro sobre os poetas argentinos e, em seguida, sobre poetas do resto da América de língua espanhola.


Como no inglês Willian Blake (1757-1827), foi Carlos Drummond entre os poetas de nosso tempo, quem mais longe chegou na união da inocência com a experiência. Daí a variedade estrutural de suas unidades poéticas. Sendo um "miglior fabbro", isto é, um grande técnico do verso, (foi como Dante chamou o poeta Arnaut Daniel, seu contemporâneo), era também de uma simpleza (a palavra é bem esta) no se aproximar do mistério da palavra, inteiramente entregue à floração de sons nela contida.


Chegamos a comemoração do centenário de nascimento do grande poeta com a sensação - e a convicção - de que País que produz um Carlos Drummond de Andrade é capaz de estar pronto para dizer alguma coisa ao mundo.


 


Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro - RJ) em 30/10/2002

Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro - RJ) em, 30/10/2002