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Prazo de validade

 

"No meu tempo, já existiam velhos, mas poucos." A frase de Machado de Assis nos leva a supor que havia mais velhos quando ele próprio se tornou um velho. E hoje, muito mais ainda, embora os manuais de redação recomendem que não se fale mais em "velhos", mas em "idosos".

Não parece, mas a humanidade, com todas as conquistas técnicas, científicas e sociais que adquiriu ao longo dos séculos, não sabe ainda lidar com aqueles que se esquecem de morrer e passam a engrossar a legião de idosos ou velhos – dá na mesma.

Houve um povo na Antiguidade que pegava todos aqueles que tinham validade vencida, levava-os a um precipício e ficavam livres de uma boca a mais para sustentar. E de conceder meia-entrada para os jogos da próxima Copa do Mundo – conforme deseja a Fifa e o Brasil está propenso a aceitar a discriminação.

Pelo costume nacional, estudantes e idosos teriam direito à meia-entrada. Mas é fácil descolar uma carteira de estudante.

Mesmo assim, conhecendo o jeitinho brasileiro de tirar vantagem em tudo, é possível que os estádios fiquem lotados de velhinhos com carteiras catimbadas e muitas, muitas bengalas, todo mundo expectorando – será um espetáculo à parte.

Aliás, um dos problemas que ameaçam a humanidade é a perspectiva de vida que a medicina e os hábitos saudáveis recomendados pela televisão ajudarão a aumentar o time dos idosos.

Juntando tudo com a pílula anticoncepcional e as medidas que alguns governos estão tomando para evitar a explosão demográfica, limitando o número de filhos (na China já existe lei a respeito), em breve todos teremos direito à tal meia-entrada da Fifa, passagens grátis nos transportes coletivos e filas especiais nos bancos e nos guichês das empresas aéreas.

Folha de São Paulo, 27/10/2011