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Pitanguy: Oitentão

 

Seu nome inteiro é Ivo Hélcio Jardim de Campos Pitanguy, nascido em 1926 e que, justamente no último dia 5 de julho, completou 80 anos de idade, já podendo, como jovem octogenário, responder à pergunta: “É oito ou oitenta”? Ainda criança, Ivo leu em Monteiro Lobato que “o Saci morria aos 80 anos”. Achou, então, que era muita idade para ser vivida. Mas hoje, como oitentão, já acha que é muito pouco.



Certa vez, trouxe um escorpião para casa, mostrando-o à mãe, que lhe disse para soltá-lo. Quando o soltou, ela desmaiou. Adotou em seguida uma jibóia, com quase 3 metros de comprimento, com a qual passou momentos agradáveis: levava-a enrolada no corpo e, nas lojas, era atendido prontamente. Nos bondes, com ela nos braços, tinha um banco inteiro para sentar-se. Foi um campeão de natação, no Minas Tênis Clube, competindo com Fernando Sabino, que dele diria depois: - Fomos escoteiros e companheiros desde a infância, brincamos no Carnaval, caímos dos mesmos cavalos no CPOR e tivemos as mesmas namoradas.



Quando chegou ao Rio e pisou, pela primeira vez, na praia de Copacabana, quase perdeu a respiração: como mineiro, aquele marzão à sua frente e aquelas morenas bronzeadas lhe pareceram entidades de outra galáxia. Conheceu Aníbal Machado em Ipanema, então sem um só arranha-céu. E reencontrou-se com Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Millôr, Ziraldo e Leon Eliachar.  No plantão do Pronto Socorro, recebeu, certa noite, Madame Satã, um valente homossexual, toda ensangüentada, que se explicava: - Dr. Pitanguy: daqui para baixo eu posso até ser veado. E sou. Mas daqui para cima eu sou muito macho. E era. Destruiu a rádio-patrulha inteirinha.



Transformou a Ilha Grande num santuário e num “bunker” ecológicos, quando a ecologia ainda não ingressara nas preocupações brasileiras. Traçou para ela um projeto paisagístico, inspirado no Mar Cáspio, com abrigos para centenas de espécies raras. Parodiando Américo Vespucci, que ali teria estado em 1496, costumava dizer:



- Se por acaso houver um paraíso na Terra, não será muito longe daqui.



Salvou dezenas de vítimas no incêndio do Circo Norte-Americano, em Niterói, mudando-se para o local e lá morando vários dias e noites. Fundou então a 38ª. Enfermaria da Santa Casa, que, sob sua chefia, de 1962 até hoje, já recebeu mais de 54 mil pacientes pobres.  Em 1963, instalou a sua Clínica em Botafogo, onde, desde então, já atendeu outros 51 mil pacientes, alguns famosos: o Rei Hassan, a Imperatriz Farah Diba, Niki Lauda, Josephine Baker, Sophia Loren, Gina Lollobrígida e Ursula Andrews, para modelar-lhes a face e o corpo. Seu Centro de Estudos já formou 450 médicos, de 42 países.



É um globe-trotter, com uma quilometragem de vôo suficiente para dar várias vezes a volta do mundo. E é uma das poucas referências brasileiras, ao lado de Pelé e Airton Sena.



Lutador de karatê, mantém arraigado amor pela vida, crendo, com um panglossiano, que ela está impregnada da vontade de ser feliz. Sua Medicina sempre foi um cânon para corrigir as deformidades e fazer as pessoas mais felizes. É um “expert” nos clássicos alemães desde Goethe no “Fausto” e Nitzsche no “Zaratustra” até Thomas Mann nos “Buddenbrooks”, cuja leitura, há muitos anos, me indicou.



É também um perfeito patriarca, de família bem construída, com um permanente amor pelo ser humano e pela Natureza, jamais perdendo a simplicidade, o carinho e a doçura, próprios dos grandes homens como ele justamente é.


 


Tribuna do Norte (Natal) 12/07/2006

Tribuna do Norte (Natal), 12/07/2006