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A pergunta que não cala

 

Nestes últimos dias, incluindo o fim de semana, Bolsonaro voltou a soltar a língua, principalmente contra a imprensa. A um repórter que fez o que ganha para fazer, pergunta, ele respondeu com um “seu safado” e a confissão de que estava com vontade de encher-lhe “a boca na porrada”. A questão tabu, que causou tanta irritação, devia esconder algo de grave: “Presidente, por que sua esposa, Michelle, recebeu depósitos de R$ 89 mil de Queiroz?” (Fabrício Queiroz, como se sabe, é aquele policial ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, que é investigado pela prática de “rachadinha”, o esquema que consiste em repassar parte do salário ao parlamentar.)

Assim que souberam da reação agressiva do presidente, entidades, associações de classe, personalidades, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e a imprensa internacional criticaram o gesto, além de mais de um milhão de internautas, que compartilharam a pergunta sobre Michelle, ou melhor, Micheque, nas redes sociais.

Noutra ocasião, falando de como se livrou da Covid-19, ele tripudiou dos meus colegas: “Quando pega num bundão de vocês, a chance de sobreviver é muito menor. Só sabe fazer maldade, usar a caneta com maldade”. (Alguém precisa lhe dizer que repórter não usa mais caneta, só celular.)

Mas não é só como atleta que o capitão é fogo. “Na política, sou imbrochável (ele acha que é pra sempre). Aliás, não é só na política não, porque eu tenho uma filha de 9 anos de idade que foi feita sem aditivo.” (Pelo jeito, fazer filho sem aditivo é proeza rara.)

Pena que não houve tempo de contar o episódio de 1995, quando dois jovens de classe média o assaltaram, levando a motocicleta e a pistola Glock calibre 380 que carregava debaixo da jaqueta. “Mesmo armado, me senti indefeso”, ele admitiu. Naquela famosa reunião do dia 22 de abril, quando disse que queria armar todo mundo, achei que alguém iria lembrar o roubo: “O que adianta, se eles levam a arma?”.

Ah, sim, ia me esquecendo: Por que mesmo, presidente, Michelle recebeu depósitos de R$ 89 mil de Queiroz?

O Globo, 26/08/2020