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A pena de morte não é solução

 

“será que isso funcionou como dissuasor? De maneira alguma. O resultado mais imediato era o endurecimento dos corações e o embotamento das mentes”


Uma pesquisa do Datafolha divulgada no último domingo mostrou dados que fazem pensar, sobretudo porque se trata de um tema importante e extremamente atual. Dos entrevistados pelo instituto, 55% se disseram favoráveis à pena de morte, enquanto 40% são contra a prática.


O resultado não chega a surpreender. Esta é a 10ª pesquisa que o Datafolha faz sobre o tema e, em todas, o apoio à pena de morte sempre foi maior que 48%. E é claro que, dado o crescimento da violência no Brasil, com crimes verdadeiramente bárbaros, como foi o caso do assassinato do menino João Hélio Fernandes, o apoio à pena de morte naturalmente teria de crescer.


Correndo o risco da obviedade, é bom lembrar que pena de morte está longe de ser coisa nova. É uma versão do antigo “olho por olho, dente por dente”: quem comete crimes paga por eles, ou seja, um misto de justiça com vingança. Nossa época nem é daquelas que mais recorrem à pena de morte. Durante a Idade Média, execuções ou mutilações de criminosos e de pessoas classificadas como transgressoras eram coisas comuns, e muitas vezes feitas em público: a Inquisição queimava os hereges à vista de toda a população. Pergunta: será que isso funcionou como dissuasor? De maneira alguma. O resultado mais imediato era o endurecimento dos corações e o embotamento das mentes. Na verdade, como observou, no século 19, o jurista americano Robert Ingersoll, a pena de morte funcionava como um modelo: “O Estado mata os inimigos do Estado, a pessoa comum mata seus próprios inimigos”.


Ao longo do tempo, aquilo que era o resultado de um raciocínio lógico começou a ser quantificado. E os números corroboram o que sugeria o bom senso: a pena de morte não diminui os crimes. No Canadá, a taxa de homicídios tem caído constantemente desde que a pena de morte lá foi abolida, em 1976. No ano anterior essa taxa era de 3,09 homicídios por 100 mil pessoas; caiu para 2,41 em 1980 e para 1,73 em 2003: redução de 44%. Nos Estados Unidos, um estudo feito pelo New York Times mostrou que os estados sem pena de morte têm menor taxa de homicídios que os estados em que a pena de morte é aplicada. Dez dos 12 estados no primeiro grupo têm taxas de homicídio inferiores à média nacional; metade dos estados com pena de morte estão acima dessa média nacional. Estados com pena de morte registram até o dobro de homicídios e a diferença tende a crescer. Há um exemplo bastante sugestivo. Depois de 25 anos sem aplicar a pena de morte, a Califórnia, em 1992, promoveu a execução de um criminoso. O exemplo por acaso diminuiu a taxa de homicídios? Não: nos oito meses que se seguiram à execução, essa taxa, ao contrário, aumentou.


Não por acaso, uma enquete do Instituto Gallup, realizada em 2004, mostrou que, ao contrário do que vemos no Brasil, diminuiu o apoio à pena de morte nos Estados Unidos. Dos entrevistados, 62% disseram não acreditar no efeito dissuasor da execução. É uma notável mudança pois 15 anos atrás 51% acreditavam neste efeito dissuasor.


Os estudos da Anistia Internacional mostram que cerca da metade dos países (128 no total) já aboliu a pena de morte. Esses estudos também mostram que, apesar de eventuais pressões, só quatro países reintroduziram a pena de morte, e desses, dois voltaram a aboli-la. O país que mais executa gente é a China; primeiro, porque é o país com maior população e segundo, por causa do regime autoritário.


Por tudo isso, faz sentido o pronunciamento, ainda que em cautelosa linguagem, divulgado pela ONU em 2002: “Não é prudente aceitar a hipótese de que a pena de morte impede o crime”.


Uma ponderação muito adequada à presente conjuntura brasileira. Temos de combater o crime, sim. Mas temos de fazer isso com bom senso e com sabedoria, aproveitando as lições que a história, inclusive a história recente, nos oferece.


Correio Braziliense (DF) 13/4/2007