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Paz mundial e guerra de religiões

 

O XX Colóquio da Academia da Latinidade se abre, nestes dias, no Cairo, para debater o fenômeno da pós-laicidade contemporânea, ou melhor, da retomada da força das religiões no dito conflito das civilizações contemporâneas. Pensava-se, ainda ao fim do século passado, que o futuro fosse ao advento de uma modernidade cada vez mais ligada à expressão da tecnologia e da fruição múltipla de seus benefícios.


O 11 de setembro levou a um clima da guerra de credos, ameaçadas no conflito das culturas: a ocidental e a islâmica se entrincheiraram na radicalidade fundamentalista em que à Al-Qaeda se contrapunha o cristianismo abrigado na Casa Branca de Bush e guarnecido das invasões do Meganistão ou do Iraque.

 

O terrorismo de após a queda das torres de Manhattan exprimiria essa confrontação extrema, até o abate dos outros povos, como vingança daquelas culturas expropriadas durante séculos, por uma razão dominadora, e travestida de civilização onipotente.

 

Todo o programa, hoje, da Aliança das Civilizações, das Nações Unidas, quer entender as razões profundas dessas rupturas, num contraste assinalado com o que, ainda há uma década, se pensava fosse o universo da paz, vencidos afinal os muros, as guerras frias e o horror de uma hecatombe nuclear.


Não basta, por outro lado, atentarmos ao sentido convencional das “guerras de religião”, na sequência desse terrorismo quase sacrifical, que leva ao paradoxo de um culto, em várias regiões muçulmanas, de Mohammed Hatta e seus sequazes, na queda do WTC, como executores do castigo de Alá. O velho jihad se renovaria em novas violências, de que aAl-Qaeda seria o ator notório, sem embargo dos atentados de Madri ou de Londres, e da catástrofe de Lockerbee, cujo autor principal, liberado, recebeu triunfal acolhida nestes últimos dias em Trípoli.

 

O colóquio não quer apenas perguntar do que seja, hoje, o inimigo e de que maneira o confronto sem tréguas, nem armistícios, na melhor das hipóteses - como vem de propor Al-Zawahiri, guru de Bin Laden -, dê a Obama um prazo curto para se converter, trazendo o seu país à verdade da religião do Profeta.


O que importa também nesse quadro é ver como é que caminha esta pós-laicidade que enfrenta um antiarabismo dos Estados Unidos, da mesma forma que leva o mundo islâmico a ver os direitos humanos como uma ideologia ocidental. Dentro da shariah, e no quadro dos Estados religiosos, a partir do Irã, o clamor por esses direitos desaparece nesta visão da transcendência, que envolve a ordem humana e divina, todo o Estado e a sua vigência.

 

Em todo esse quadro importará também ver o impacto da era Obama, no inédito de um império que volta às suas origens pela liberdade do voto, no restabelecimento da responsabilidade cidadã nos jogos de poder. O legado da laicidade, talvez perdida, está nessa democracia, onde, à margem do absoluto religioso, impõe-se o respeito ao dissenso, à diferença, e ao peso das minorias no quadro de uma vontade política, e transforma-se na premissa do dificfiimo reencontro de um vis-à-vis das civilizações.

 

Se a Conferência do Cairo vai à busca do entendimento das “guerras de religião”, é muito provável que o universo do medo encontre o atalho da era Obama, contra a eternização do terrorismo e das guerras preemptivas. Não é outro o seu desarme — e devastador — pela democracia e pelo pluralismo político.


Jornal do Commercio (RJ), 26/10/2009

Jornal do Commercio (RJ),, 26/10/2009