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A passeata em busca do grito

 

A passeata do Rio de Janeiro contra a lei de mudança dos royalties levanta interrogações sobre o peso múltiplo, hoje, que tem a presença do "povo na praça", como manifestação de protesto. A que vem de ocorrer, aliás, nada tem a ver com o fenômeno inédito da Praça do Sol, em Madrid, na Catalunha, ou em Wall Street, em que o repúdio brota de um inconformismo latente e profundo, nascido da impossibilidade de canalizá-lo pela opinião pública, diante do efetivo controle midiático, e da pasteurização das reivindicações populares.

O que está em causa, nas formas clássicas de confronto, é o peso dos números das concentrações, o caráter achacapante que posso revelar, diante de decisões do poder e do aparelho legislativo. A proposta, aliás, teve, também, o ineditismo, ao lado dos Estados de São Paulo e do Espírito Santo, de trazer o racha ao âmago mesmo do sistema federativo, no sentido do trato, como um todo, dos benefícios da produção do petróleo, ou de se seriam mais aquinhoados os estados beneficiados "pela própria natureza".

Mas em que consistia, na verdade, o grito de inconformismo?
 
Sairia de um sentimento efetivo da consciência popular, ou da manifestação maciça e organizada do aparelho governamental e do resultado da logística da convocação, quase que compulsória, do funcionalismo público e, exatamente, no porte que tem no Estado do Rio de Janeiro? O êxito, aliás, do 10 de novembro fez-se preceder de uma movimentação de cartazes gigantes, a tapar fachadas inteiras de edifícios públicos, de par com a Urca e o Corcovado.

Maciço, entretanto, foi o arrebanhamento do pessoal municipal, nos 650 ônibus que criaram o passeio compulsório até a Candelária e a Rio Branco. O impacto era da convergência final, criando o postal para a ótica panorâmica e as fotos do clássico espaço histórico, frente ao Municipal, na Passeata dos Cem Mil, contra a ditadura. O impacto buscou a ab-rogação dos palanques, do discurso político tradicional. E o desfile não fugia, na sucessão dos caminhões, à cadência dos préstitos carnavalescos, no reflexo matriz da cultura carioca.

As camisetas refletiram as siglas do funcionalismo e a burocracia em bloco, abraçada no percurso. Resultados como esse têm condições de se repetir, indefinidamente, no êxito impecável da organização, e da nova coreografia de ida às ruas que representa. Mas não se aguardem nem hino nacional, nem do Flamengo, como grito realmente coletivo de um valor, realmente vivido pelo cidadão para além do servidor público.

Jornal do Commercio (RJ), 21/11/2011