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Os novos ritmos nas bocas

 

Vivo dizendo que a adoção da sigla burra "MPB" analfabetizou o povo brasileiro para a riqueza rítmica da música popular. Quando ela foi criada, nos anos 60, era só um jeito de classificar certo tipo de música que não era bossa nova, rock ou sertanejo. Mas acabou definindo tudo. Com a "MPB", as pessoas desaprenderam a se referir a uma canção como um samba, choro, frevo, baião, xaxado, marcha-rancho, marchinha, valsa, fox, toada, modinha, batucada ou cateretê.

Não é que esses ritmos tivessem deixado de existir —apenas deixaram de ser chamados pelo nome. Com perdão pelas aspas, virou tudo "MPB". Hoje até Chiquinha Gonzaga, morta em 1935, é "MPB".

O samba foi a maior vítima dessa desidratação. Sua floresta de troncos e raízes aéreas —samba-canção, samba de breque, samba-choro, samba de Carnaval, samba-enredo, samba-exaltação, samba de gafieira, samba de partido-alto, samba-maxixe, samba de quadra, samba de terreiro, samba de roda, samba rural, samba-coco, sambajongo, sambalada, sambolero, sambatuque, sambalanço, samba-jazz, samba-rock e muitas outras, além da bossa nova— reduziu-se a meia-dúzia de galhos secos. Samba, agora, é coisa de escola de samba no Carnaval e pagode no resto do ano. Se não gostar, coma menos.

Mas que sei eu do que rola por aí? A meu pedido, o escritor Marcelo Dunlop catalogou uma lista de novos ritmos nas bocas. Olha só: tecnomelody, tecnobrega, brega funk, pagofunk, pagonejo, trap funk, funk melody, funknejo, funk ostentação, groove funkeado, gospelnejo, brega romântico, brega pop, brega calipso, pisadinha, batidão, sofrência, pop folk, reggaeton, forró eletrônico, forrogode, forrocore, forronejo, frevo fusion, guitarrada, maracatu de baque virado e, claro, sertanojo.

Nunca ouviu falar de alguns? Mas, se ouviu falar de outros, já está bom. Só um ouvido para lá de treinado consegue distingui-los uns dos outros.

Folha de São Paulo, 22/02/2024