Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Os ‘milagres’ de Jesus

Os ‘milagres’ de Jesus

 

Apesar de tricolor convicto, torci para o Flamengo e vibrei com sua vitória contra o River Plate. Isso teve muito a ver com Eric, meu neto de 7 anos, que assistiu pela primeira vez a um jogo de seu time, e achou que deu sorte: “Foi por isso que ele ganhou”, comentou comigo assim que terminou a transmissão. Tão novo e já supersticioso. Claro que muito contribuiu para minha virada momentânea de casaca o fato de que entre qualquer time representando o Brasil e outro, a Argentina, não havia dúvida de que lado ficaria. Me senti rompendo com o “Fla x Flu”, a polarização que assola o país. Além do mais, foi uma linda, dramática e merecida vitória, foi o que um torcedor cometeu a heresia de classificar de “milagre”— ou de “milagres”.

Ele se referia aos feitos do técnico Jorge Jesus, capaz não só de transformar o Flamengo no melhor time brasileiro, como de conquistar, num fim de semana, duas Copas e um título, o de Cidadão Carioca, sendo que a Libertadores parecia perdida, quando ele conseguiu que o time fizesse dois gols nos três minutos finais, através dos pés de Gabigol. Isso sem falar que, salvo engano, ele é o único treinador estrangeiro a ter o nome aclamado pelas arquibancadas brasileiras: “Mister. Mister”.

O que se viu nas ruas do Brasil dificilmente algum outro clube, qualquer partido ou entidade conseguiria: reunir em uma festa de celebração tanta gente durante tanto tempo com tanta alegria, euforia e emoção. Não se pode esquecer que, além dos heróis visíveis, há os que, na direção, fizeram da nação rubro-negra um exemplo para os rivais — de como sanear as finanças, de como investir, de como enfim se reorganizar.

Coube a Gabi, ainda ele, fazer fora de campo uma espécie de terceiro gol, evitando com um gesto inteligente o uso político do evento. Foi quando o nosso governador Wilson Witzel se ajoelhou aos pés do artilheiro tentando roubar a cena, e este se desviou de fininho e caminhou deixando para trás, como num drible desmoralizante, o exibido e patético adversário.

O Globo, 26/11/2019