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Onde anda a autoestima?

 

Quando o vice Hamilton Mourão surgiu esta semana para botar panos quentes, como costuma fazer, as hostilidades haviam cessado, deixando a impressão de que, afinal de contas, era muito fácil xingar um general-ministro de “Maria Fofoca” e ficar por isso mesmo. O próprio Ricardo Salles contou: “Apresentei minhas desculpas pelo excesso, e colocamos um ponto final”. Por sua vez, Luiz Eduardo Ramos, o ofendido, também minimizou o incidente, alegando que “quando um não quer, dois não brigam”.

Um passeio na garupa da moto do presidente ajudou a selar a reconciliação. Isso fez baixar sobre o general uma disposição à paz tão grande que só faltou dizer ao agressor: “Meu nome é Ramos, mas pode me chamar de Maria Fofoca”. Ao contrário do que se esperava, não houve reação da ala militar, e sim de paisanos como Davi Acolumbre e Rodrigo Maia, presidentes do Senado e da Câmara. O primeiro não quis entrar no mérito da questão, se é que teve algum, mas admitiu que a atitude de Salles “apequenou o governo”. O presidente da Câmara foi mais direto: “Não satisfeito em destruir o meio ambiente do Brasil, Salles agora resolveu destruir o próprio governo”.

Outro episódio recente já havia soado incômodo, quando o presidente foi ao quarto do hotel onde estava o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, acordá-lo para aparecerem juntos numa live. Ele dormia depois do almoço, prostrado pela Covid-19. Apesar disso e mesmo tendo sido desautorizado publicamente por Bolsonaro, não perdeu o bom humor. “É simples assim: um manda e o outro obedece”, declamou. E os dois se abraçaram tão carinhosamente que o presidente chegou a brincar: “Opa, tá rolando um clima”.

Eu me perguntava se todos esses episódios não teriam deixado alguma sequela na autoestima de nossas briosas Forças Armadas. Natuza Nery e Gerson Camarotti, colegas muito bem informados, com fontes no governo, inclusive militares (não são como eu, que nessa área só tive interlocutor quando fui interrogado por um coronel na prisão em 1968), admitem que haja um acumulado desconforto entre os demais oficiais, mas que não é expresso publicamente. Só não se sabe até quando.

O Globo, 28/10/2020