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O vírus da inveja

 

Foi o anticlímax. Esperou-se o dia todo pelo desfecho. Não se falava em outra coisa. No domingo, o presidente anunciara que integrantes de seu governo “viraram estrelas” e que “a hora deles ia chegar”. E avisava: “Não tenho medo de usar a caneta”. Não citou Luiz Henrique Mandetta — até porque não precisava.

Dizia-se que ele estava atrás de um técnico capaz de defender a hidroxicloroquina contra o coronavírus. O capitão cismou que tem como acabar com o vírus, mesmo que sua receita não seja aprovada pela OMS. Apela até para jejum e orações. O próprio ministro da Saúde acreditava que sua vez chegara. Suas gavetas foram esvaziadas.

O que impediu a execução? Uma incrível frente de defesa de um ministro formou-se então, reunindo os presidentes do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, numa espécie de “Fica, Mandetta”.

Isso sem falar no apoio popular, revelado no sábado pela pesquisa do Datafolha: 76% dos brasileiros consideravam o desempenho do ministro da Saúde ótimo ou bom, enquanto 51% consideram que o presidente mais atrapalha do que ajuda.

Provavelmente está aí a resposta à pergunta: por que Bolsonaro não se conforma com o sucesso de Mandetta?

Sou suspeito, vocês verão logo, mas eu atribuo à inveja. Em mensagem ao jornal, Guita Zach discorda, citando o meu livro “Mal secreto”, que diz sobre os pecados capitais que só a inveja se esconde”.

Que Zuenir me desculpe (...) A inveja que Bolsonaro tem do equilibrado ministro da Saúde é tão escancarada que não tem pejo de se ocultar”.

Mas o capitão jamais admitirá que sente de seu subordinado inveja (que é não querer que o outro tenha, no caso, o sucesso) ou ciúme ( que é querer não perder o que se tem). Ele tenta fazer crer que sua antipatia se deve ao que classifica como “falta de humildade” do outro.

Durante mais de um ano, entrevistei psicanalistas, padres confessores, mães de santo, e concluí que a inveja é um vírus, uma espécie de Covid-19, cuja melhor definição encontrei num adesivo de caminhão: “A inveja é uma merda”.

O Globo, 08/04/2020