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O quê, depois do debate sonâmbulo?

 

No debate da Rede TV os candidatos não se repetiram, apenas. Não se deram conta, sonambulamente, de que os julgaria. Perguntavam, como se fosse de primeira vez, aborreciam-se e invectivavam, numa repetição convincente. Mais ainda, transpunham uma resposta à outra, numa atenção desfocada. Não se trata, apenas, de mornidão, conhecida pela platéia, mas do automatismo de um discurso sem ouvidos.

Quantas vezes vamos ouvir do papel de Serra na assinatura das privatizações? Ou vai se repetir a acusação, por Dilma, do veto paulista à compra pela Petrobras da multinacional espanhola?E quando vão os espectadores deixar de se perder entre as destinações do FAT, ou dos fundos do ensino técnico do governo Lula, ou das variações bizantinas entre o ensino vocacional e profissional? E, afinal, quantos são os robôs aéreos israelenses que deverão policiar as fronteiras contra o tráfico de drogas? Quantas vezes vão se repetir, por Serra, os elogios do Presidente do PT à política de comunicações? Ou vai Dilma insistir no intento de FHC, de transformar a Petrobras na Petrobrax? 

Ficamos entre o casuísmo e o desenrolar estéril de uma fieira de dados. E continua o mutismo sobre a política ecológica do pâfs e, sobretudo, sobre as dimensões é ò que fazer da nossa política externa. Saúde-se, entretanto, a eliminação do debate sobre o aborto, no que parece ser o único consenso implícito dos debatedores sobre a mais lamentável das regressões políticas acontecidas no remate desse processo eleitoral. 

O alargamento do tempo dos candidatos, antes espremidos entre Marina e Plínio, não lhes levou à amplitude articulada das propostas, mas é talvez em termos de slogans que os impactos sobrevivem, e especialmente na promessa do novo salário mínimo de Serra, ou do enriquecimento da classe média brasileira por Dilma. A algidez do tucano compensa-se, de largo, pela indignação de Dilma passando, agora, de vítima, à veemência da sincera agressividade.

De toda forma, os debates do segundo turno pouco agregarão ao voto marcado pelo teor de uma opção em Dilma e da oposição crônica de seu contendor. Um voto-desgosto temporão em Marina reencontra o dilema inicial, e a ressonância do país que sabe, de vez, para onde não quer voltar. O que pode crescer, sim, é o nível de abstenção até agora não balizado pelos ibopes. Mas tal pode ainda, em última análise, beneficiar o Brasil que quer votar e sabe muito bem em quem o fará.

Jornal do Commercio (RJ), 22/10/2010